segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O futuro do LIVRO


por Matinas Suzuki Jr. | Revista e

O jornalista Matinas Suzuki Jr. tem longa carreira na área com passagens pela Folha de S.Paulo, TV Cultura, Editora Abril, Portal iG, entre outros grupos do setor. Atualmente, é editor da Companhia das Letras. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o convidado desta edição falou sobre as mudanças do mercado editorial com o surgimento do livro digital, sobre o self-publishing e as transformações e desafios do jornalismo cultural. “Há uma série de associações culturais simbolizadas no livro que o digital não demole. (...) acho que essa aura de algo importante e intangível que o livro traz é mais forte que um jornal, um CD ou um filme”, diz. A seguir, trechos.

E-books
Eu vi parte do mundo digital chegando quando ainda estava nos jornais e nas revistas, e foi um impacto muito forte. Eu vi o nascimento do UOL, logo depois o mercado da música passou por essa transformação, talvez a mais radical de todas; o cinema vem passando por isso também. É um dado da contemporaneidade. O livro tem uma particularidade que eu acho importante. Jornal, música popular e televisão são fenômenos do final do século 19 e começo do 20, portanto são produtos da modernidade; o livro não, ele é um objeto de 500 anos. Há uma história de relacionamento com o livro que é diferente. O livro basicamente não mudou como produto físico em 500 anos. Ele sempre foi, na casa das pessoas, uma espécie de oráculo. As pessoas construíam bibliotecas; quem não tinha colocava os livros numa estante, como se o fato de você ter livros em casa o colocasse em um patamar diferente. O livro está associado a saber, formação, mudança de vida, de comportamento. Há uma série de associações culturais simbolizadas no livro que o digital não demole. Não é que não haverá livro digital ou que não diminuirá o espaço do livro físico, isso tudo vai acontecer mais cedo ou mais tarde, mas acho que essa aura de algo importante e intangível que o livro traz é mais forte que um jornal, um CD ou um filme. Esse relacionamento do livro como um objeto quase sagrado – não é à toa que a Bíblia é o livro mais lido no mundo –, essa relação a cultura não vai perder. Mas, ao mesmo tempo, teremos um processo de digitalização, porque o papel custa caro, a impressão custa caro e a distribuição num país como o Brasil é complicadíssima. Nós, no Brasil, temos tiragens pequenas, isso significa que você vai entregar de dois a três exemplares por livraria no país inteiro. Do ponto de vista econômico, isso não faz sentido, é exorbitante. O mundo digital traz uma racionalidade de custos, de procedimentos e uma rapidez, contra as quais é impossível lutar. A Amazon, por exemplo, diz que os leitores de Kindle compram mais livro do que os que não são leitores de Kindle, na média. Ele compra não porque lê mais, na minha opinião, mas porque comprar na internet é mais fácil, é mais barato, é só apertar um botão, o download ?do livro é rápido. No fim das contas, o que interessa é se o livro está bem escrito, se tem qualidade, o que fica do conteúdo, isso é mais importante que o objeto em si. 

Self-publishing
Vejo com bons olhos este fenômeno. Todo mundo tem direito de publicar seu livro e o self-publishing barateia demais. Acho que é um fenômeno contemporâneo, assim como hoje é muito mais fácil gravar um CD, fazer um vídeo; faz parte dessa facilidade de acesso aos meios de produção do mundo contemporâneo. O problema do self-publishing é a divulgação; este é o desafio para quem usa esse canal. Outro ponto é o editor. Uma coisa é você escrever um livro, outra é editar um livro. Praticamente 100% dos livros brasileiros e alguns estrangeiros que lançamos pela Companhia das Letras têm a presença do editor dizendo: esse personagem não está muito bom, a história aqui está fraca, eu não abriria o livro dessa maneira. Os bons livros são, de certa maneira, produto dessa relação. E os bons autores são aqueles que trabalham bem com essa relação, pois eles sabem que uma coisa é o que se escreve e outra é como as pessoas vão ler aquilo. E muitas vezes o autor não tem consciência de alguns problemas do livro. O trabalho do editor é importante por isso, ele organiza melhor a leitura para os leitores, dá um acabamento no livro. Isso, o autor não necessariamente contempla no self-publishing. Em algumas experiências de self-publishing, você coloca seu capítulo no site e os membros da comunidade comentam. Isso é legal, pois essa possibilidade de interferência existe.    

Jornalismo cultural 
Eu não gostaria de estar na pele de um editor de cultura nos jornais hoje, o trabalho é muito difícil. A vida cultural ficou muito mais complexa do que era no começo dos anos 1980 no Brasil, quando eu estava na redação. A oferta aumentou em quantidade e qualidade, além disso entraram para o repertório dos cadernos da cultura coisas que não eram da pauta, como moda, gastronomia. Hoje em dia, a quantidade de exposições de qualidade em cartaz é incomparável com aquela época. E, nos jornais, você tem poucas páginas, um número reduzido de pessoas para cobrir e tem que dar conta dessa diversidade. Naquela época, a sociedade inteira estava a favor da imprensa, eram os anos da abertura política, você contava com uma ressonância muito grande do que se fazia. Outra coisa, o país estava ansioso por novidades, vinha um novo Brasil, uma nova geração de políticos começava a aparecer e as pessoas estavam ávidas por boas coisas culturais, a gente tinha passado por 20 anos de censura. E o jornalismo estava com os procedimentos muito envelhecidos, estava muito cicatrizado pela época da ditadura. Nos anos de 1980, começaram a aparecer os primeiros grupos de produtores de vídeo, como o Fernando Meirelles, os novos artistas plásticos brasileiros, como o Nuno Ramos, as bandas de rock brasileiras. A Companhia das Letras também surge neste período, mudando a maneira de se fazer livros. A Mostra de Cinema de São Paulo começa ali com o Leon Cakoff. Então, tudo o que você fazia na direção de apoiar e dar espaço para esses movimentos tinha uma repercussão muito grande. E a cultura tinha uma espécie de centro de onde tudo irradiava. Hoje não existe mais esse centro, as coisas estão muito mais dispersas. Por isso, o trabalho de um editor de cultura é muito difícil hoje, ainda mais em um veículo que não sabe seu futuro, como o jornal. As condições objetivas são muito melhores, pois hoje em São Paulo se tem muito mais acesso à cultura, as opções são imensas, mas para um editor da área cultural essa riqueza é uma dificuldade para trabalhar.  

O jornalista Matinas Suzuki Jr. esteve presente na Reunião do Conselho Editorial da 
Revista E em 17 de outubro de 2012


“Todo mundo tem direito de publicar seu livro e o self-publishing barateia demais. Acho que é um fenômeno contemporâneo, assim como hoje é muito mais fácil gravar um CD, fazer um vídeo; faz parte dessa facilidade de acesso aos meios de produção do mundo contemporâneo.”

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