sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Presidente Bush assina lei que impulsiona o movimento de Acesso Aberto ao tornar obrigatória a deposição de artigos de pesquisas financiadas pelo NIH

Lei assinada pelo Presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush (Consolidated Appropriations Act of 2007, HR. 2764), em 26/12/07, inclui que seja obrigatório que toda pesquisa financiada pelo National Institute of Health (NIH) e publicada em revistas com procedimentos de avaliação por pares seja depositada em seu repositório PubMed Central (PMC) num prazo não superior a 12 meses, tornando-a universalmente acessível.

Esta decisão representa um enorme impulso ao movimento de Acesso Aberto (em Inglês Open Access - OA) ao conhecimento científico, que se iniciou na década de 90 com o objetivo de disponibilizar publicamente, sem ônus financeiro, textos de artigos científicos. Previa-se um conjunto de ações que permitisse difusão tão ampla quanto possível da informação, como leitura, cópia, distribuição e impressão. Obviamente o advento da web/Internet foi a mola propulsora. Porém, havia considerações filosóficas, éticas e pragmáticas no bojo do movimento que foram sendo esmeradas e ampliadas com o tempo. As mais importantes são:


1- o conhecimento gerado é um bem que deve pertencer à humanidade;
2- a maioria da pesquisa publicada é financiada por recursos públicos;
3- os publishers científicos se apropriam desses conhecimentos de forma gratuita e os disseminam a custos crescentes e extremamente elevados;
4- esses custos são suportados pelos países de forma inversamente proporcional aos seus níveis de desenvolvimento, criando zonas de exclusão ao acesso da informação;
5- têm-se evidências de que a disponibilização aberta do conhecimento concede um impulso forte ao progresso científico e mais especificamente ao impacto dos artigos e revistas científicas medido pelas citações que recebem; e
6- o Acesso Aberto dos artigos está baseado no consentimento dos detentores da propriedade intelectual e, portanto, não infringe ou requer modificação nas leis de propriedade intelectual.

Este movimento foi de encontro aos interesses dos publishers, como não poderia deixar de ser. Porém, o reconhecimento de que eles continuam sendo mediadores importantes no processo de disseminação da ciência, fundamentalmente pelo know-how desenvolvido para avaliação por pares (peer-review) em larga escala em suas revistas tem que ser considerado. Alternativas de modelos financeiros se fazem necessárias. De fato, entre os grandes publishers existem várias opções de publicação que respondem ao movimento de acesso aberto, como a cobrança de taxas aos autores para a publicação dos artigos em acesso aberto assim como o estabelecimento de embargo de seis ou 12 meses antes que os artigos tenham acesso aberto nos repositórios institucionais. Ou iniciativas como HINARI, AGORA e OARE que facilitam o acesso aberto a milhares de revistas nos países em desenvolvimento com PIB per cápita menor de um mil dólares ou com custos reduzidos aos países com PIB per cápita até três mil dóláres.

Ao mesmo tempo surgiu um novo personagem que veio alterar significativamente o panorama: o contribuinte (taxpayer) que mais e mais se interessa pela informação científica oriunda da fonte primária, isto é, o artigo original ou uma revisão autorizada. Os mais importantes são os pacientes que buscam para si, ou para os seus, conhecimentos novos sobre sintomas e tratamentos de doenças.

Dois modelos mais importantes de Acesso Aberto prevalecem: um primeiro é o da criação de revistas científicas ou transformação das já existentes em Acesso Aberto. Sem considerar as variantes deste gênero, há hoje três mil revistas de acesso aberto indexadas num diretório internacional (DOAJ - Directory of Open Access Journals), todas elas exigindo o procedimento de avaliação por pares de seus artigos. A rede SciELO (Scientific Electronic Library Online) de coleções de revistas científicas em acesso aberto, lançada e operada no Brasil há 10 anos sob a liderança da FAPESP e da BIREME/OPAS/OMS publica em dezembro de 2007 cerca de 500 revistas e contribui com 11% do total de títulos indexados do DOAJ. Somente a Coleção SciELO Brasil com 203 títulos representa 6,8%, um dado digno de nota para um país cujos percentuais de performance em inúmeras atividades no contexto internacional não superam 2% (excetuando o futebol). As coleções SciELO nacionais e temáticas são coordenadas e financiadas por instituições nacionais e internacionais relacionadas com o desenvolvimento e aplicação da pesquisa e comunicação científica. A rede SciELO com cerca de 10 milhões de artigos visitados por mês, representa uma das mais destacadas coleções de revistas científicas publicadas em acesso aberto e a mais importante no mundo em desenvolvimento.

Sem dúvida a coleção de revistas de acesso aberto que mais se destacam são as da PLoS (Public Library of Science), criada pelo prêmio Nobel Harold Varmus no ano 2000. Esta organização não tem finalidade lucrativa (como a grande maioria das revistas em Acesso Aberto) e os gastos com a produção dos artigos são cobertos pelos autores dos artigos. Os índices de impacto destas revistas têm crescido bem acima da média das revistas comerciais, confirmando o poder de visibilidade conferido pelo Acesso Aberto.

O outro modelo é o de deposição de versões eletrônicas dos artigos nos chamados repositórios institucionais de acesso aberto. Acontecem inúmeras iniciativas neste sentido, a maioria ainda tímida e incipiente. O OpenDOAR (Directory of Open Access Repositories), em português, Diretório de Repositórios de Acesso Aberto, registra em dezembro de 2007 mais de 1 mil repositórios. Existem também iniciativas para o estabelecimento de políticas públicas e institucionais no sentido de formalizar e tornar obrigatória a deposição dos artigos após a sua aprovação em uma revista científica. Duas se destacam nesse sentido. Uma é a da Welcome Trust do Reino Unido, que demanda que todos os artigos publicados com pesquisas realizadas com seus recursos sejam depositados num prazo de 6 meses no repositório da UK PMC (UK PubMed Central).

A outra, de ainda maior importância pela dimensão dos EUA, acaba de ser assinada como lei pelo presidente Bush em 26 de dezembro último e demanda que todos os artigos publicados que passaram por avaliação por pares e que relatem pesquisas com recursos do NIH devem ser depositados no repositório PubMed Central dos EUA num prazo não superior a 12 meses, tornando o seus conteúdos abertos universalmente. Esta possibilidade já existia desde 2005 quando o NIH estabeleceu sua Política de Informação Pública (Public Information Policy). Até dezembro de 2007 a deposição era opcional. E de fato apenas 5% das pesquisas foram depositadas pelos pesquisadores no PubMed Central. A decisão do Governo americano torna agora obrigatória a deposição.

Esta decisão se seguiu a um longo embate no Congresso Americano, com um grande lobby dos publishers atuando contra, mas que teve em contra partida uma atuação marcante dos membros dos vários segmentos do movimento de Acesso Aberto, incluindo o da Associação dos Taxpayers dos EUA, uma entidade extremamente poderosa. O NIH tem um orçamento de 28 bilhões de dólares anuais, correspondendo a 30% dos recursos providos pelo governo federal à pesquisa, o que fornece uma idéia da magnitude dos interesses envolvidos.

Então, dirão alguns, um embargo de 6 ou 12 meses é algo que está aquém do interesse de muitos pesquisadores que esperam e necessitam os resultados de seus pares e competidores no dia seguinte à publicação, assim como esperam o jornal ainda quente com o noticiário do dia. Em uma boa parte dos casos isto é bem verdade e o acesso imediato às coleções dos publishers é paga seja através de subscrições de acesso online às revistas científicas ou baixando artigos de interesse por 20-40 dólares. As soluções mais avançadas para as comunidades de pesquisadores é provida por serviços e portais nacionais ou institucionais que negociam e intermediam as subscrições de acesso às coleções dos publishers. Estas soluções contribuem também ao movimento de acesso aberto ao conhecimento científico, como é o caso do Portal Periódicos CAPES do Brasil, que em dezembro de 2007 oferece acesso livre aos textos completos de cerca de 11.500 revistas online com a participação de mais de 180 instituições acadêmicas nacionais. Soluções similares estão em desenvolvimento e em operação em outros países da América Latina e Caribe.

Porém, para uma boa parte dos interessados este embargo de 6 ou 12 meses não é de transcendental importância, mormente para leigos em busca de informações de interesse pessoal, e não profissional. Mas, acima de tudo, este avanço que representa a decisão do Governo dos Estados Unidos é mais um passo notável no caminho que se abre para um procedimento mais amplo de Acesso Aberto onde os custos de todo o processo deverão ser baixados, os lucros dos publishers diminuídos e o acesso dos países menos favorecidos facilitado.

O Programa SciELO que lidera o movimento de acesso aberto às revistas de qualidade dos países ibero-americanos incluirá como parte de sua rede de coleções, repositórios de acesso aberto para a deposição dos artigos publicados por autores ibero-americanos nas revistas não SciELO indexadas internacionalmente.

Saiba mais - seleção de links sobre o acesso aberto

Fonte: Newsletter Bireme

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