quinta-feira, 6 de março de 2008

Decisão de Harvard a favor de acesso aberto repercute na comunidade científica e na mídia


O apoio ao movimento mundial de Acesso Aberto às publicações científicas levou professores e pesquisadores acadêmicos da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Harvard a votarem no dia 12 de fevereiro de 2008 uma política a favor da publicação em acesso aberto da produção científica da Universidade.

Com a decisão do grupo, denominado faculty conforme sistema americano de ensino, a partir de agora, os pesquisadores darão à Universidade uma licença para divulgar seus trabalhos livremente na internet, sem fins lucrativos, resguardando seus direitos autorais. Por seu lado, Harvard possibilitará o depósito dos artigos científicos de seus pesquisadores em um repositório de acesso livre. A política incentiva que os autores continuem a publicar em periódicos de alto impacto e com acesso controlado, mas que consigam autorização para depositar os trabalhos no repositório institucional de acesso aberto.

O argumento discutido pela comunidade acadêmica de Harvard foi o de que, embora os periódicos científicos tenham a função de divulgar o conhecimento científico de forma ampla, os resultados de pesquisa financiados pela Universidade publicados por eles, nem sempre estão disponíveis livremente para os pesquisadores da instituição e, não raro, para os próprios autores. Como afirmou um dos professores da Faculdade, citado na nota divulgada por Harvard, o sistema de publicação de periódicos científicos tornou-se mais restritivo do que deveria ser e, com o custo crescente de assinaturas, o acesso às publicações está cada vez mais difícil para muitas instituições.

A Biblioteca Universitária de Harvard exerceu um papel de liderança nesse movimento a favor do acesso aberto. Em vez de reservar seus recursos bibliográficos para o acesso de poucos, iniciou a digitalização de suas coleções especiais e, em cooperação com o Google vem tentando colocar os livros e outros documentos à disposição do público na internet. Um novo Departamento de Comunicação Científica será responsável pela implementação da política e por todas as ações que assegurem que os resultados de pesquisas realizadas em Harvard sejam publicados em acesso aberto e disponíveis universalmente.

Esta iniciativa é importante para os países em desenvolvimento tanto para a democratização do acesso á informação científica como para fortalecer as políticas e programas de acesso aberto como são as iniciativas BVS e SciELO nos países ibero americanos.

A política votada por Harvard é pioneira nos Estados Unidos, embora haja iniciativas semelhantes em outros países e em outros tipos de instituições. Segundo Stevan Harnard, do American Scientist Open Access Forum, essa iniciativa constitui a 38ª política no mundo sobre repositórios de acesso aberto e a 16ª institucional ou departamental. O repositório Roarmap (Registry of Open Access Repository Material Archiving Policies) registra as políticas de repositórios institucionais ou nacionais de acesso aberto existentes ao redor do mundo, geradas inicialmente por agências de financiamento e conselhos de pesquisa (como as do National Institutes of Health, nos Estados Unidos e a do Wellcome Trust, na Inglaterra).

O diretor da Biblioteca de Harvard, Robert Darnton, afirmou na nota divulgada pela Universidade, que a política votada pela Faculdade de Artes e Ciências discute uma preocupação constante de todas as faculdades da Universidade, que sofrem os mesmos problemas e desejam os benefícios públicos do acesso aberto. Ele citou o exemplo da Escola Médica (Harvard Medical School), que já está trabalhando para cumprir com o mandato do National Institutes of Health (NIH) de depositar os trabalhos resultantes de pesquisas financiadas por essa agência governamental em acesso aberto no PubMed Central. “Trabalhando individualmente por Faculdade ou conjuntamente como uma única Universidade, podemos todos promover a comunicação livre da ciência”, afirmou ele.A Escola Médica de Harvard já havia iniciado discussões sobre o acesso aberto, em novembro de 2007, quando alunos e professores promoveram o Fórum sobre Publicação Científica nas Biociências [Forum on Scientific Publishing in the Biosciences]. Esse fórum contou com a participação de Harold Varmus, um dos precursores do movimento de Acesso Aberto, e representantes dos periódicos Cell, Nature, PLoS One, Journal of Visualized Science e do Science Commons.

A proposta de Harvard teve repercussão imediata na mídia americana, em notícia publicada no jornal The New York Times e no Harvard Crimson. Embora a política se aplique inicialmente à Faculdade de Artes e Ciências de Harvard, a decisão provoca impacto devido ao alto prestígio da universidade na comunidade científica nacional e internacional.A Universidade de Berkeley lançou, em janeiro de 2008, um programa de incentivo à publicação em acesso aberto denominado Berkeley Research Impact Initiative (BRII). Esse programa apoiará financeiramente os pesquisadores que tenham que pagar taxas para publicar (page charges) em periódicos de acesso aberto, como os da Public Library of Science (PLoS) ou BioMed Central, ou para liberar o embargo em publicações de acesso controlado, como as da Elsevier, Springer, Francis & Taylor, Oxford, Cambridge, entre outras.

Outras iniciativas e comentários sobre a política de Harvard têm sido publicados nos blogs sobre Acesso Aberto, como os de Peter Súber, Stevan Harnard, BioMed Central, dentre outros, e na lista de discussão da World Association of Medical Editors.

Comentários, críticas e dúvidas quanto à operacionalização da política de Harvard têm sido divulgadas nos blogs e listas de discussão que a BIREME tem acompanhado:- A política de Harvard, além de exigir o depósito dos documentos em acesso aberto, estabelece que os autores retenham os direitos autorais, enquanto permitem que a Universidade faça uso dos artigos científicos para fins não lucrativos. Apesar de não se exigir exclusividade na cessão dessa licença de uso, alguns pesquisadores acreditam que a política possa interferir na aceitação dos trabalhos pelos periódicos, que no modelo tradicional da publicação científica são detentores dos direitos autorais. - Os editores das revistas podem não aceitar a solicitação dos autores para publicação dos trabalhos em acesso aberto (que deve ser feita no momento da submissão de trabalhos). Nesse caso, os autores têm duas alternativas: solicitar que a Universidade os isente da obrigatoriedade de depositar os trabalhos no repositório ou publicar os trabalhos em revistas de acesso aberto.- Se a pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisa e nem todos os autores são da Universidade de Harvard a obrigatoriedade do depósito ficará comprometida se alguns autores não aceitarem a medida.- Tradicionalmente as instituições não têm políticas definidas sobre os direitos de distribuição de trabalhos desenvolvidos por seus pesquisadores, principalmente se financiados com recursos institucionais. Essa situação pode mudar no futuro como resultado de iniciativas semelhantes.- A política foi adotada apenas para artigos de periódicos e não para os livros publicados, que também são parte da produção científica dos professores da universidade;- O texto não estabelece um prazo para a publicação dos trabalhos no repositório, embora fique implícito que serão publicados apenas depois de aprovados pela revisão por pares dos periódicos. Se publicados antes de serem aceitos, os autores poderão ter dificuldade em publicá-los em alguns periódicos;- A política não deixa claro que apoio e incentivo a Universidade proporcionará aos autores para depositar os trabalhos no repositório.Stevan Harnad e Peter Suber discutiram em detalhe o que chamaram de opção híbrida de direitos autorais (obrigatoriedade de cessão dos direitos de autor, com opção do autor não aceitar essa cessão) e o depósito obrigatório, sem opção para os autores. Embora discordando em alguns aspectos, a sugestão deles é de que a política fosse mais abrangente quanto à obrigatoriedade de depósito de trabalhos publicados no repositório, com opção apenas para a acessibilidade imediata em acesso aberto ou para a acessibilidade pós-embargo dos trabalhos, o que resultaria em maior número de trabalhos depositados. Sugerem também que a universidade estabeleça um fluxo simples para submissão dos trabalhos para facilitar a adesão à nova política.Como esta é uma iniciativa pioneira, muitas discussões e esclarecimentos deverão ainda ser publicados nos blogs citados nesta matéria. Acompanhe.

Fonte: Newsletter Bireme

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