terça-feira, 26 de janeiro de 2010
O fim do indivíduo: livro ataca cultura coletiva na internet
Michiko Katutani
Em 2006, o artista e cientista da computação Jaron Lanier publicou um ensaio incisivo, revolucionário e altamente controverso sobre o "maoísmo digital" - tratando do lado ruim do coletivismo online e da idealização que os entusiastas da web 2.0 fazem da "sabedoria da multidão". No manifesto, Lanier argumentava que o projeto (ou ratificação) em grupo muitas vezes não resulta no melhor produto, que o novo etos coletivista - incorporado por tudo, da Wikipédia ao American Idol e às buscas do Google - diminui a importância e a singularidade da voz individual, e que a "mente da colmeia" pode facilmente levar à ditadura das multidões.
Em seu apaixonado novo livro You Are Not a Gadget, Lanier expande essa tese, observando as implicações do maoísmo digital ou "totalitarismo cibernético" em nossa sociedade como um todo. Embora algumas de suas sugestões para solucionar esses problemas se percam em emaranhados técnicos que o leitor leigo terá dificuldade em acompanhar, a maior parte do livro é lúcida, poderosa e persuasiva. É uma leitura necessária para qualquer um interessado em como a web e os softwares que usamos todos os dias estão remodelando a cultura e o mercado.
Lanier, pioneiro no desenvolvimento da realidade virtual e veterano do Vale do Silício, não é um ludista, como sugeriram alguns críticos. Pelo contrário, ele é um conhecedor profundo do mundo digital que defende "um novo humanismo digital", antes que as decisões de projeto dos engenheiros de software - que ele afirma serem fundamentalmente responsáveis por moldar o comportamento dos usuários - se tornem "congeladas por um processo conhecido como lock-in (fixação)". Assim como decisões sobre as dimensões dos trilhos determinaram o tamanho e a velocidade dos trens nas décadas seguintes, ele argumenta, as decisões tomadas sobre o desenvolvimento de softwares agora podem gerar "regras definidoras e imutáveis" para as gerações futuras.
Decisões tomadas nos anos de formação da rede de computação, por exemplo, promoveram o anonimato online e, ao longo dos anos, à medida que milhões de pessoas começaram a usar a web, Lanier diz, o anonimato ajudou a dar vazão ao lado sombrio da natureza humana. Ataques asquerosos e anônimos a indivíduos e instituições cresceram, e o que Lanier chama de "cultura do sadismo" se difundiu. Em alguns países, o anonimato e o comportamento massivo resultaram em verdadeiras caças às bruxas. "Em 2007", Lanier relata, "uma série de postagens no estilo de A Letra Escarlate na China incitaram multidões online a perseguir acusados de adultério. Em 2008, o foco passou a ser os simpatizantes do Tibet".
Lanier inteligentemente observa que a "sabedoria da multidão" é um instrumento que deveria ser usado seletivamente, não glorificado para benefício próprio. Sobre a Wikipédia, ele escreve que "é ótimo que agora nós desfrutemos de um acordo cooperativo na cultura pop", mas argumenta que o etos do site ratifica a noção de que a voz individual - mesmo a voz de um especialista - é eminentemente dispensável e "a ideia de que o coletivo está mais perto da verdade". Ele reclama que a Wikipédia suprime o som das vozes individuais e similarmente afirma que o formato rígido do Facebook transforma indivíduos em "identidades de múltipla escolha".
Como Andrew Keen em The Cult of the Amateur, Lanier é mais eloquente sobre como a propriedade intelectual é ameaçada pela economia do conteúdo livre na internet, a dinâmica da multidão e a popularidade de sites agregadores. "Uma falta de discernimento impenetrável domina o Vale do Silício quando o assunto é a ideia de direitos autorais", ele escreve, recordando a previsão de 2006 do editor da revista Wired, Kevin Kelly, que afirmou que a digitalização em massa de livros iria um dia criar uma biblioteca universal na qual nenhum livro seria uma ilha ¿ na prática, um texto enorme, transformado em algo que pode ser pesquisado e reorganizado na web.
"Pode começar a acontecer por volta da próxima década", Lanier escreve. "O Google e outras companhias estão digitalizando livros de bibliotecas e os colocando dentro da nuvem, em um Projeto Manhattan massivo de digitalização cultural. O que acontecer depois disso é o que importa. Se os livros na nuvem são acessados por interfaces de usuários que incentivam a mistura de fragmentos, obscurecendo o contexto e a autoria de cada fragmento, haverá apenas um livro. É isso que acontece hoje com muito conteúdo; muitas vezes, não sabemos a origem de uma citação em uma notícia, nem quem escreveu um comentário, nem quem produziu um vídeo".
Embora esse acontecimento possa parecer algo benéfico para os consumidores - muita coisa gratuita! -, ele dificulta a distinção de fonte, ponto de vista e contexto de qualquer fragmento específico que uma pessoa encontra na web, e ao mesmo tempo incentiva os produtores de conteúdo, nas palavras de Lanier, "a tratar os frutos de seu intelecto e imaginação como fragmentos a serem cedidos sem pagamento à mente da colmeia". Alguns sortudos, ele observa, podem se beneficiar da configuração do novo sistema, fazendo com que suas vidas girem em torno de narrativas "do marketing da novidade constante", como é o caso de, digamos, Diablo Cody, "que trabalhou como stripper, pode blogar e receber atenção suficiente para conseguir um contrato de livro e então ter a oportunidade de transformar seu roteiro em um filme - no caso, o aclamado Juno. Ele teme, no entanto, que "a vasta maioria dos jornalistas, músicos, artistas e cineastas" esteja "fadada ao limbo profissional por causa do nosso idealismo digital falho".
De modo paradoxal, a mesma velha mídia que está sendo destruída pela internet orienta uma quantidade impressionante de discussão online. "Comentários sobre programas de TV, grandes filmes, lançamentos comerciais de música e videogames devem ser responsáveis por quase tanto tráfico de bits quanto pornografia", Lanier observa. "Com certeza, não existe nada de errado nisso, mas como a web está matando a velha mídia, enfrentamos uma situação na qual a cultura está efetivamente comendo seu próprio estoque de sementes".
Em outras passagens desse livro provocante e que certamente será controverso, ele vai ainda além, sugerindo que "a cultura pop entrou em um mal-estar nostálgico", no qual "a cultura online é dominada por mashups triviais da cultura que existia antes do surgimento desses mashups e por fã-clubes respondendo aos focos minguantes da mídia de massa centralizada".
A cultura online, ele continua, "é uma cultura de reação sem ação". Racionalizações de que "estamos entrando em uma calmaria de transição antes da tempestade criativa" são apenas isso: racionalizações. "A triste verdade", ele conclui, "é que não estamos passando por uma calmaria momentânea antes da tempestade. Em vez disso, entramos em uma sonolência persistente, e passei a acreditar que iremos apenas escapar dela quando matarmos a colmeia".
Tradução: Amy Traduções
The New York Times
Fonte: Terra Tecnologia
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