sexta-feira, 23 de julho de 2010

Os e-books têm futuro no Brasil?

Maurício Moraes, Info Online

Os livros digitais começam a sair do papel no Brasil. iniciando uma transformação nos hábitos de leitura do brasileiro.

Todas as previsões indicam que eles vão se espalhar rapidamente nos próximos anos. Mas isso não significa que você já possa começar a esvaziar a estante. Não são poucos os obstáculos que os e-books ainda enfrentam para se popularizar por aqui. Há dificuldades no processo de digitalização, resistência das editoras e pequena variedade de leitores eletrônicos, que custam caro. Enquanto lá fora os e-readers se multiplicam, por aqui só chegaram dois modelos: o Cool-er, vendido pela livraria virtual Gato Sabido, e o Kindle, da Amazon. A quantidade de obras em português cresce sempre, mas ainda é pequena. Poucos best-sellers e livros de autores consagrados estão disponíveis.

Apesar do cenário desfavorável, as empresas do setor já investem nesse novo mundo. Aos poucos, o número de livrarias que vendem conteúdo digital aumenta. A primeira a surgir foi a Gato Sabido, inaugurada no fim do ano passado. Depois, foi a vez da Livraria Cultura. Já a Saraiva planejava abrir sua loja de e-books na web até o fim de maio. Outra que tem planos de entrar na disputa é a Fnac, que pretendia iniciar a venda de e-readers neste mês. Esse movimento quase repentino tem uma razão.

Estudos indicam que o mercado de livros digitais vai crescer nos próximos anos, inclusive no Brasil.Um levantamento divulgado em abril pela empresa americana InStat aponta que serão vendidos neste ano 10 milhões de e-readers no planeta, contra 3,9 milhões no ano passado — um crescimento de 156%. A empresa prevê que, em 2013, a quantidade de equipamentos comercializados chegue a 28,5 milhões. “Esses aparelhos estão ganhando mais funções e os preços começaram a cair”, diz Stephanie Ethier, analista-sênior da InStat.

A expansão ocorre em escala global. Em 2009, 83% dos leitores digitais foram vendidos nos Estados Unidos, e apenas 17% em outros países. Em 2013, a parcela correspondente ao resto do planeta deve atingir 45%. Já a venda de tablets como o iPad, da Apple, crescerá de 2,7 milhões de unidades em 2010 para 16 milhões em 2013, prevê a InStat.

Outra análise, feita pela Forrester Research no fim de 2009, chegou a números que também indicam crescimento acelerado. As vendas de e-readers projetadas para o fim do ano nos Estados Unidos devem alcançar 6 milhões de unidades, contra 3 milhões em 2009. A empresa acredita que a chegada de uma nova geração de equipamentos, com telas coloridas e sensíveis ao toque, deve impulsionar o setor. A Forrester também destaca que o lançamento do iPad e de outros tablets aumentará o interesse por e-books.

Hora de experimentar

Entre as editoras brasileiras, a ordem é experimentar. Todas estão de olho no potencial desse mercado, mas preferem agir com cautela. A receita adotada é escolher alguns títulos, convertê-los para o formato digital e acompanhar a reação do consumidor. Um dos principais receios está na possibilidade de a obra ser baixada ilegalmente. “Na Espanha, há uma lei que obriga as editoras a digitalizar as obras. Por causa dela, a pirataria aumentou muito”, afirma Sérgio Herz, diretor de operações da Livraria Cultura. Segundo ele, também sobram dúvidas quanto aos contratos com os autores, o modelo de negócios e o preço. “Hoje, os e-books representam de 1% a 2% do mercado brasileiro”, diz.

Pode parecer pouco, mas os dados da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, feita em 2007 pelo Observatório do Livro e da Leitura, mostram que 4,6 milhões de brasileiros já liam livros digitais na época. O levantamento indicou também que 7 milhões de pessoas têm o costume de baixar livros gratuitamente pela internet no Brasil. É bem possível que uma parte desse público, acostumado com o formato, passe a consumir e-books e e-readers. A adesão vai depender do preço cobrado pelos aparelhos e pelas obras. Atualmente, dá para encontrar edições por um valor médio de 25 reais e leitores na faixa entre 750 e 1 000 reais.

A aposta em formatos alternativos também pode ser uma solução. “No futuro, será possível comprar capítulos e ler livros multimídia”, afirma Marcílio D’Amico Pousada, presidente da Livraria Saraiva. Por enquanto, contudo, a empresa preferiu investir no modelo mais tradicional. A loja da Saraiva vai vender títulos nos formatos EPUB e PDF, que poderão ser lidos na tela do computador, por meio de um software. Outra opção será usar um aplicativo para iPhone e iPad, que ainda está sendo desenvolvido.

O leitor quer mais títulos

Enquanto algumas editoras brasileiras lançam um punhado de livros digitais e esperam o resultado, outras não perdem tempo. Uma das que mais têm apostado em e-books é a Zahar, que já converteu cerca de 400 obras do seu catálogo. “Tomamos essa decisão porque temos certeza de que as pessoas vão consumir livros em formatos digitais. Nossa meta era entrar nesse mundo o quanto antes”, explica Mariana Zahar, diretora-executiva da empresa.

Ao mergulhar nessa experiência, ela descobriu as limitações do formato EPUB, que está se consolidando como o padrão mundial de arquivo para e-books. “Esse formato é ultrapassado. E o processo de publicação é muito mais lento e árduo do que imaginávamos.”Converter um livro não significa que a editora vá pegar o arquivo de uma obra, clicar em “Salvar como EPUB” e esquecer o assunto. É preciso formatar o texto novamente. Os problemas são maiores quando existem imagens, gráficos e tabelas. Criar uma obra interativa, então, é missão quase impossível. Apesar das dificuldades, as editoras brasileiras e as lojas virtuais têm seguido a tendência mundial de adotar o EPUB. O formato permite incorporar proteção de direitos autorais (DRM), criar arquivos compactos e pode ser lido com o software Adobe Digital Editions, compatível com múltiplos e-readers.

Para os leitores, o pequeno volume de obras em português parece ser o principal impedimento à popularização dos e-books. Faltam principalmente títulos de ficção nas lojas virtuais. “Todo mundo construiu uma estrada em que não estão passando carros. Os clientes, muitas vezes, passam de cinco a dez minutos procurando um livro e se frustram por não achá-lo”, diz Carlos Eduardo Ernnany, presidente da Gato Sabido.

Cadê o iPad?

Colorido, com ampla tela sensível ao toque e bateria de fôlego, o tablet da Apple pode mudar radicalmente a indústria de e-books. “Existe um otimismo em relação ao iPad. Ele é visto como um dispositivo capaz de virar o jogo”, diz Fabiana Zanni, diretora de mídia digital da Editora Abril. As possibilidades oferecidas pelo aparelho vão muito além do que pode ser feito com o EPUB nos atuais e-readers. Revistas e jornais já conseguem, por exemplo, ter edições recheadas de conteúdo multimídia. O dispositivo, porém, ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Também não se sabe se a loja online da Apple (que agora vende também livros) estará disponível aqui. São sinais de que a epopeia dos e-books tem futuro, mas está só começando.

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