terça-feira, 19 de abril de 2011

O lado negro da internet



Há uma crença cada vez mais disseminada de que as novas tecnologias por si só serão capazes de derrubar regimes autoritários e levar a democracia mundo afora. Os recentes acontecimentos no Oriente Médio serviram para reforçar tal crença, quando muitos atribuíram o mérito das revoluções ao Twitter ou Facebook. Mas Evgeny Morozov tem opinião bastante diferente, expressa em seu instigante livro “The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom”, que tenta mostrar justamente o lado negro da internet.

O autor demonstra maior ceticismo quanto ao potencial libertador das novas tecnologias, combatendo o que chamou de “cyber-utopia”, a idéia de que a internet favorece os oprimidos e não os opressores. Morozov acredita que as expectativas com a internet andam bastante infladas ultimamente, e apresenta argumentos importantes para suscitar mais desconfiança. Ele alega que o papel efetivo da internet na busca pela liberdade é ambíguo, e que creditar as redes sociais como causa das revoluções árabes é altamente questionável. Afinal, Facebook não faz brotar armas nas mãos de rebeldes.

Quanto mais as lideranças ocidentais reforçarem a crença de que a internet é uma poderosa aliada na luta contra regimes autoritários, mais estes vão reagir, encarando a internet como uma arma dos governos ocidentais. Nada garante, segundo o autor, que a própria internet não seja usada pelos opressores de forma eficiente no controle dos cidadãos. O autoritarismo, não custa lembrar, não depende somente da força bruta; religião, cultura, história, nacionalismo, todos são forças potentes e que não necessariamente saem enfraquecidas com o advento da internet.

Por trás do instrumento estão sempre pessoas. E enquanto a internet ajudou a tornar quase tudo mais barato, a estupidez humana ainda é uma commodity que ostenta preço relativamente alto. A visão ocidental de que todas as pessoas aspiram liberdade e que basta retirar alguns obstáculos do caminho que tudo ficará bem parece muito ingênua. O Iraque demonstrou como é mais complicado exportar democracia sem as devidas instituições estabelecidas. Que existam muitas vozes na internet é algo ótimo, mas é preciso também saber quais vozes. Nada garante que serão apenas vozes em prol de mais liberdade.

O que costuma receber mais atenção na internet são bobagens, vídeos tolos, não documentários ou argumentos políticos a favor da liberdade. A tecnologia é importante, mas seu conteúdo ainda depende muito do ambiente cultural da sociedade. Quando a grande preferência é por lixo puro, isso não se traduz em mais pessoas conscientes e dispostas a lutar por mais liberdade. A Stasi descobriu que os alemães orientais com acesso clandestino aos programas de televisão do lado ocidental não queriam saber de notícias da OTAN, mas de seriados americanos para passar o tempo. E acabavam se tornando mais dóceis que os demais, aceitando de forma mais resignada sua situação.

Enquanto Orwell achava que nossos medos iriam nos escravizar, Huxley pensava que nossas paixões fariam isso. Em vez de o “Grande Irmão” de “1984”, o “soma” do “Admirável Mundo Novo” faria com que cidadãos se transformassem em súditos passivos. Ocorre um efeito anestésico, trocando-se a repressão da ditadura pela magia da Louis Vitton. Pode não ter pão o suficiente, mas há muito circo para distrair o público. A ditadura chinesa chegou a suspender um banimento de pornografia na internet, pois notou que ela ajudava a manter o povo mais calmo. A censura estava ajudando a politizar a população. O entretenimento ajuda a mantê-lo hipnotizado.

Além disso, os governos autoritários aprenderam a usar a internet para ludibriar o povo. O PCC possui milhares de blogueiros “chapa-branca”, que recebem dinheiro para postar comentários favoráveis ao regime chinês. São conhecidos como “fifty-cent party”, por receber meio dólar para cada comentário. No Brasil mesmo, vários blogs vivem de verbas públicas, e durante as últimas eleições, a campanha do PT criou um “bunker virtual” para espalhar propaganda pela rede. Com um fluxo absurdo de “informação” na internet, fica difícil separar o joio do trigo, sem falar de teorias conspiratórias e falácias que pululam na rede. Tem muitos que até hoje pensam que o ataque no 11 de setembro de 2001 foi organizado pelo próprio governo americano, e há vasta “evidência” na rede para os que querem acreditar nisso.

Outro ponto abordado pelo autor diz respeito a maior facilidade que os regimes opressores encontram na internet para espiar potenciais dissidentes. Muitos internautas expõem voluntariamente diversos detalhes de suas vidas, num verdadeiro “momento Caras”, e isso é um prato cheio para as autoridades. O trabalho que tinham a KGB e a Stasi para coletar informações sobre suspeitos parece brincadeira quando basta um click no Facebook hoje para tanto. Com uma senha roubada um governo pode ter acesso a todas as mensagens de um dissidente. Novas tecnologias, como reconhecimento facial, podem ajudar governos a encontrar inimigos. Enfim, a internet é apenas uma ferramenta, e pode ser usada para o bem ou para o mal.

Morozov destaca o risco da internet produzir complacência também. Ser um dissidente exige tempo, dedicação e comprometimento. Hoje, em uma sociedade bastante narcísica, ficou muito fácil posar de “bom samaritano”, apoiar as causas mais nobres do mundo, sem, contudo, se implicar de verdade. Basta clicar em “curtir” ou “compartilhar” e todos os seus “amigos” (quem tem 500 amigos de verdade?) da rede saberão como você se preocupa com a fome na África ou com a democracia no Oriente Médio. São, além disso, campanhas demais, causas demais competindo entre si. Elas angariam milhões de adeptos, mas que dificilmente fazem mais do que apertar um botão do mouse. Na hora de contribuir financeiramente, de se arriscar, de se organizar efetivamente pela causa, o vídeo novo do YouTube com o gatinho puxando a descarga conquista mais atenção.

Por fim, o livro refresca a memória dos leitores com as lições da história. No passado, não foram poucos os avanços tecnológicos que produziram um otimismo excessivo nas pessoas. Marx achava que as ferrovias iriam derrubar o regime de castas indiano. Em 1858, a revista “New Englander” estampou: “O telégrafo une por um cordão vital todas as nações da Terra... é impossível que antigos preconceitos e hostilidades possam continuar existindo”. Nos anos 1930 muitos pensaram que o avião iria espalhar a democracia pelo mundo, refinar o gosto das massas e acabar com as guerras. Parece que a Luftwaffe não concordava. O rádio fez pessoas sonharem com a paz sobre a Terra, mas Hitler e Mussolini não compartilhavam deste otimismo. A televisão passou a ser a grande esperança, mas faltou novamente combinar com os inimigos da liberdade ou com os produtores de lixo. Nada prova que assistir a onze “Big Brother Brasil” seguidos contribui na luta pela liberdade de uma sociedade.

Em suma, avanços tecnológicos podem colaborar com a luta por mais democracia e liberdade, mas não há garantia alguma de que o efeito será positivo, muito menos sempre positivo. A complacência apenas serve para aumentar os riscos. Quando muitos passam a crer que basta ter uma rede social que automaticamente mais liberdade será o resultado, aí mesmo é que mora o grande perigo. Inovações tecnológicas estão sempre prometendo demais e entregando de menos quando se trata de mudar a natureza humana. O preço da liberdade é a eterna vigilância. A internet pode ajudar nesta vigilância, mas também ajuda na vigilância do governo sobre nós, ou na organização de terroristas, criminosos e disseminadores de ódio. A luta não está definida. Contra a “cyber-utopia”, o ceticismo de Morozov é muito bem-vindo. Devemos reconhecer o lado negro da internet, pois ele existe.

por Rodrigo Constantino

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