quarta-feira, 29 de junho de 2011

Acesso Livre: decisão entre simplesmente ter acesso ou inovar e promover a pesquisa

Artigo de Hélio Kuramoto* / Jornal da Ciência


Até bem recentemente e, mesmo hoje, o acesso à informação científica tem se realizado por intermédio das bibliotecas de universidades ou de institutos de pesquisa, ou por intermédio de portais de periódicos, os quais mantêm assinaturas de algumas revistas científicas. No entanto, com a crise dos periódicos as bibliotecas passaram a ter dificuldade para manter as assinaturas de suas coleções de periódicos científicos devido aos altos custos.


A informação científica é crucial para o desenvolvimento das pesquisas científicas. Não se pode esquecer que o desenvolvimento de pesquisas científicas é, também, responsável pela geração de novas informações. Uma das vertentes da informação científica são os artigos científicos que são publicados em revistas com revisão por pares, denominadas popularmente de revistas científicas. Os artigos científicos são portadores de resultados de pesquisas. Trata-se do principal mecanismo utilizado por pesquisadores para divulgar e certificar os resultados de suas pesquisas.


No início deste milênio, pesquisadores de diversas partes do globo terrestre, preocupados com essas dificuldades, promoveram fóruns de discussão que resultaram nas declarações de Budapest (BOAI), Declaração de Bethesda e Declaração de Berlim e deram partida ao movimento Open Access (OA).


Em seguida, diversas iniciativas aderentes às estratégias preconizadas pelo OA (via dourada e via verde) foram desenvolvidas, tais como: projeto DRIVER, PubMed Central, BASE, HAL,Scirus, RCAAP etc.


Assim, em resposta à crise dos periódicos, verificou-se duas soluções: 1) a construção dos portais de periódicos científicos; 2) as iniciativas propostas pelo movimento OA (maiores informações sobre essas iniciativas podem ser vistas em meu blog http://www.kuramoto.blog.br/). A primeira solução é cara e mantém o status quo,  contribuindo para dar lucros extraordinários às editoras científicas, enquanto a segunda solução apresenta inovações de baixo custo e introduz importante mudança no sistema de comunicação científica. Vejam-na em meu blog.


O governo brasileiro criou e mantém o Portal de Periódicos da Capes, que fornece o acesso às principais revistas utilizadas pelas universidades e institutos de pesquisa. Alguns países adotaram solução parecida, os quais são mantidos por seus governos ou por fundações especializadas nesse tipo de negócio. Em muitos países, são as próprias universidades que arcam com os custos desses portais. E, obviamente, elas não conseguem fornecer acesso a todos os periódicos científicos existentes.


No entanto, independentemente de adotar ou não a solução de portais de periódicos, a maioria dos países desenvolvidos vem apostando nas iniciativas do OA. Isto pode ser visto no sítio ROARMAP e em um artigo de minha autoria, publicado no Jornal da Ciência em sua versão impressa do dia 15 de abril deste ano, no qual mostro que 81% dos mandatos OA são registrados por instituições provenientes da América do Norte e da Europa. A América do Sul participa com 2% dos mandatos e a África do Sul com 1%. Entre os países da América Latina: a Colômbia registrou 4 mandatos, a Bolívia 1, o Peru 1, a Venezuela 1 e o Brasil, 1. Este único mandato registrado pelo Brasil acabou de ser arquivado pela Câmara dos Deputados. Entre os países que compõem o BRIC, há um total de 19 mandatos, assim distribuídos: Brasil 1 (aquele mesmo que foi arquivado pela Câmara dos Deputados), a Rússia 3, a Índia 8 e a China 7.


O objetivo das iniciativas OA é tornar livremente acessível os cerca de 2,5 milhões de artigos que são publicados, anualmente, em aproximadamente 28 mil títulos de revistas científicas.


A solução proposta pela via verde constitui uma estratégia muito inteligente, pois, muito mais que simplesmente promover o acesso livre de custos à informação científica, ela promove maior visibilidade da produção científica de quem a adotou. Outro aspecto importante a se observar é que, as universidades, que aderiram a essa estratégia, estabeleceram políticas de acesso livre e contam com a participação ativa dos pesquisadores no depósito da sua produção científica. Verifica-se, principalmente, um mútuo esforço entre universidade e seus pesquisadores. Os pesquisadores sabem que terão maior visibilidade, uso e impacto nas suas pesquisas. Enquanto isto, as universidades percebem um certo ganho de competitividade em consequência do seu posicionamento em rankings internacionais como o Ranking Web of World Universities.


Por outro lado, quem não adotou tais iniciativas, certamente, não deixará de se beneficiar do acesso livre de custos à produção científica das instituições que aderiram às citadas iniciativas, porém, não terá como promover ou maximizar a visibilidade de sua produção científica. É evidente, se uma instituição não implantou o seu repositório institucional e não estabeleceu nenhuma política de acesso livre, certamente, esta instituição não promoveu o registro e a disseminação da sua produção científica.


A conclusão que se chega é que a adoção das iniciativas Open Access é uma questão de escolha entre: 1) ter acesso apenas às revistas científicas assinadas pelas universidades ou por seus governos sem valorizar os resultados de suas pesquisas; ou 2) ter acesso livre à informação científica e promover a maximização da visibilidade, uso e impacto de suas pesquisas. Trata-se de um excelente tema para reflexão e debate da nossa comunidade científica e decidir: aderir ou não às iniciativas preconizadas pelo OA? Eis a questão.


Afinal, não basta apenas investir em pesquisas científicas, mas principalmente, valorizá-las por intermédio de mecanismos que possam ampliar a divulgação dos seus resultados.
No século passado, esse mecanismo era basicamente a publicação dos resultados em revistas científicas. A partir da publicação em revistas científicas, essas eram distribuídas aos assinantes e indexadas por serviços internacionais de indexação e determinação dos fatores de impacto. Este é o status quo no Brasil e na maioria dos países em desenvolvimento.


Graças ao movimento OA, o sistema de comunicação científica foi alterado pela inserção de mecanismos de ampliação da divulgação desses artigos: os repositórios institucionais. Revendo, o que foi mencionado, poder-se-ia reformular a questão - o OA: uma questão de escolha entre fazer ciência utilizando apenas mecanismos do século passado; ou fazer ciência utilizando mecanismos inovadores, proporcionados pelas tecnologias da informação e iniciativas preconizadas pelo OA.


Concluindo, aqueles objetivos formulados para o OA, mais do que promover o acesso à informação cientifica, eles promovem os resultados das pesquisas, dando-lhes maior visibilidade, uso e impacto. Assim, cabe aos países em desenvolvimento optar entre pagar para ver e ler ou participar dessa grande infraestrutura de acesso livre que está em construção e se beneficiar dos seus resultados.


*Hélio Kuramoto é pesquisador do MCT/Ibict

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