quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Aposta no novo


por Paulo Brito / Diário do Comércio

Embora pareça ser uma empresa de software que se especializou em buscas na internet (e passou a ganhar dinheiro com anúncios associados a elas), o Google está, há bastante tempo, envolvido com a fabricação de equipamentos. Um deles, o Search Appliance, é um servidor de buscas que pode ser instalado numa empresa qualquer para indexar e localizar documentos na companhia inteira.

Mas há muito mais coisas. A gigantesca operação de busca de documentos na internet já obrigou os técnicos do Google a desenvolver uma porção de outros equipamentos para resolver problemas que vão da velocidade de processamento até o aquecimento dos computadores - questões que têm relação direta com o tempo de resposta das buscas e com o consumo de energia elétrica.
Por causa disso, não foi exatamente uma surpresa quando, bem no meio de agosto deste ano, Larry Page, presidente da companhia, anunciou que o Conselho de Administração do Google autorizou a compra da divisão de dispositivos móveis da Motorola.

Embora tenha sido pioneira em telefonia móvel, a Motorola perdeu bastante espaço no mercado durante os últimos anos e não estava mesmo muito bem. Ainda que domine todo o processo de fabricação e a eletrônica que faz dos celulares dispositivos magníficos, seu marketing (e o de muitos outros fabricantes) não conseguiu acompanhar a ousadia e as inovações da Apple comandada por Steve Jobs. Como o Google já havia investido no desenvolvimento do sistema operacional Android para celulares, ninguém acha muito surpreendente que ele revele a intenção de investir na fabricação desses equipamentos.

O jornalista Douglas Edwards é uma das pessoas que sabia disso muito bem. Ele foi um dos primeiros funcionários da empresa – na verdade, o de número 59 – e é o autor do livro I'm Feeling Lucky: The Confessions of Google Employee Number 59 (em português, "Acho que estou com sorte: confissões do empregado número 59 da Google", editora Houghton Mifflin Harcourt, 432 páginas).

A obra de Edwards, primeiro diretor de marketing contratado pela dupla Larry Page e Sergei Brin, tem a intenção de esclarecer de que modo o Google tem chegado a resultados espantosos sem a organização rigorosa da GM, por exemplo, e com executivos cuja idade média mal alcança os 30 anos.

Muitos livros já foram escritos sobre o assunto, mas este é o primeiro escrito por um ex-funcionário, que entrou na companhia em 1999, quando ela contava apenas 58 empregados. Quando Edwards saiu, o Google já tinha dezenas de milhares de funcionários.

Os fundadores, Larry Page e Sergey Brin, tinham uma visão clara do que queriam para a empresa, mas nem sempre conseguiam comunicá-la a todos os que precisavam saber disso. Ao mesmo tempo, recusavam-se a aceitar decisões baseadas em bom senso. Preferiam sempre experimentar qualquer novidade e descobrir se funcionava ou não.

Foi o que aconteceu com o display que havia no saguão da empresa, mostrando o tempo todo assuntos que estavam sendo buscados no Google. Um dia, Page decidiu que não seria precisomais ter um moderador para verificar com antecedência o que o display iria exibir. Não demorou muito a mudar de idéia: as buscas por temas pornográficos começaram a aparecer com enorme frequência na tela.

O que se pode tirar de um livro como esse são informações para entender de que modo uma empresa pode chegar ao sucesso sem o rigor e a hierarquia da organização tradicional, aquela recomendada pela ciência da administração. Isso, de fato, era a última coisa que Brin e Page queriam. E a Edwards, encarregado do desenvolvimento da marca, pediram que esquecesse tudo o que sabia sobre marketing e começasse do zero.

Parte do sucesso do Google se deve justamente a essa possibilidade de pesquisar novamente soluções que já eram conhecidas, e tentar sempre chegar a novos resultados, utilizando caminhos diferentes dos habituais.

Recentemente, Edwards conversou com um amigo que continua na companhia. Este poderia facilmente se aposentar agora e passar o resto de sua vida viajando pelo mundo num iate, mas não pretende fazer isso por duas razõe: "Uma delas é que ele está interessado em tecnologia e não há nenhuma empresa que tenha as ferramentas e os conjuntos de dados do Google. E a outra razão é que ele tem medo de sair. O Google é o único emprego que teve. Se sair de lá, ele não tem certeza sobre o que irá fazer."

Durante o tempo em que permaneceu na empresa, Edward pôde participar da criação dos recursos mais importantes do Google, como o Gmail, e também das discussões em torno de aspectos importantes, como a privacidade dos usuários.

Uma das mais difíceis, segundo ele, aconteceu em torno da inserção de anúncios relacionados aos e-mails contidos nas caixas postais de cada um. Todos da equipe de tecnologia– e também os principais executivos do Google – asseguravam que ninguém estava lendo os e-mails para inserir anúncios, o que era a mais pura verdade. Mas Edwards precisou obter a opinião de jornalistas e outros formadores de opinião para provar que, mesmo não lendo a correspondência, o Google daria, sim, essa impressão, caso inserisse anúncios relacionados às palavras contidas nos emails.



Paulo Brito é jornalista, graduado em Economia e mestre em Comunicação e Semiótica

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