sábado, 22 de outubro de 2011

A construção de uma Brasiliana e outros contos

por Ana Elisa Pinho / Jornal do Campus

Há quase seis anos, tapumes verdes no início da Av. Professor Luciano Gualberto fazem parte da paisagem do campus. Por trás está a Brasiliana USP, uma enorme construção de 20 mil metros quadrados que abrigará um auditório, a nova sede do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), o departamento técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas (SIBi) e o célebre acervo de Guita e José Mindlin.

Quem acompanhou de longe a ascensão da estrutura levaria um susto ao adentrar a obra: sua conclusão está enfim próxima. Segundo o arquiteto e gerente técnico do projeto, Rodrigo Mindlin Loeb, a inauguração, diversas vezes adiada, deve acontecer em 2012. A data exata será escolhida pela Reitoria.

Em 1999, sete anos antes de oficializar a doação de parte de sua coleção à universidade, José Mindlin chamou o neto Rodrigo e pediu que fizesse o projeto da biblioteca junto com o também arquiteto Eduardo de Almeida. A terceira versão vingou, mas não sem sofrer ajustes como a mudança do IEB, acertada após o início das obras.

Loeb explica como valeu a pena: capitaneada pelo professor István Jancsó, coordenador-geral da Brasiliana USP e professor titular da Unidade, que faleceu em 2010, a ideia transformou o espaço de fundação privada em patrimônio estadual, livrando-a de uma extensa lista de impostos.

O financiamento para uma obra com tantas particularidades – os acervos devem ser mantidos em salas especialmente climatizadas, por exemplo – não veio de uma vez. Além de verba da própria Universidade, houve apoio dos cofres estaduais, entre outros, via Lei Rouanet, Petrobrás e BNDES. Este último forneceu, no começo de outubro de 2011, R$ 17,2 milhões para serem usados em mobiliário e equipamentos especiais. Rodrigo estima que a construção custará, no total, R$ 100 milhões.

O projeto

Capacete na cabeça, o arquiteto avisa sobre irregularidades no chão enquanto aponta os espaços na estrutura, feita de concreto, vidro e metal. Uma praça pública, entre os prédios de História e Geografia e a Praça da Reitoria, conecta os espaços.


A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin terá um andar subterrâneo para digitalização e uma anel interno de vidro, através do qual poderá se enxergar os famosos livros da coleção, como a primeira edição de Grande Sertão: Veredas. Fisicamente acessíveis apenas aos bibliotecários e pesquisadores, os itens estarão disponíveis em iPads e outras interfaces digitais consultáveis no térreo.

Uma estrutura circular à direita da biblioteca abriga um auditório multimídia e, à esquerda, há um bloco de três andares receberá exposições e um café. Na outra ponta, a parte mais inconclusa da obra: cerca de 200 operários trabalham para erguer as estruturas exteriores e envidraçar os novos lares do IEB e do SIBi, que incluem salas de restauro e a Biblioteca de Obras Raras e Especiais, que servirá para toda a Universidade.

O acervo

Desde o falecimento de José Mindlin, em 2010, Cristina Antunes, há 30 anos na biblioteca, assumiu a liderança da curadoria.

Responsável por catalogar as obras e alimentar o banco de dados, ela também gerencia empréstimos para pesquisadores e exposições, atualmente restritos devido ao período de transição dos livros para a universidade, e seleciona as obras a serem digitalizadas para o projeto. “Obviamente, em nosso acervo há obras muito raras, obras muito consultadas, livros de beleza excepcional, primeiras edições, mas o que considero extraordinário é o seu conjunto como um todo, uma coleção excepcional para os estudos brasileiros”, resumiu.

“O edifício foi construído com todos os cuidados e requisitos necessários à conservação, preservação e guarda de um acervo como o nosso”, diz Cristina sobre o novo espaço. “É esteticamente belíssimo e se constitui numa área democrática capaz de acolher tanto o visitante como o especialista interessado numa obra específica.”

Em ocasião da visita de um então ministro da Cultura Juca Ferreira à sua biblioteca, em 2009, Mindlin resumiu seu espírito ao dizer que “mostrar um livro para quem gosta é um prazer insubstituível”. “Ele nunca se considerou ‘o dono’ da biblioteca, e sim seu guardião, fato comprovado por seu gesto de sempre ter mantido o acervo aberto à pesquisa e, finalmente, consolidado por sua doação do acervo à USP”, resume a curadora.

Guardião de livros

Formado pela Faculdade de Direito da São Francisco, Mindlin começou a colecionar aos 13 anos. Aos 94, somava, com a esposa Guita, milhares de títulos sobre assuntos brasileiros angariados dentro e fora do país.

Jornalista, advogado e empresário, brincava que à noite seus livros se multiplicavam, já que nunca parecia ter espaço suficiente em casa.

Dezessete mil livros, ou 40 mil volumes, serão levados para a Brasiliana USP. São obras de história, literatura, ciência e cultura publicadas entre os séculos 16 e 20, algumas tão valiosas quanto a primeira edição de O Guarany (assim, com y), de José de Alencar, e a primeira edição nacional de Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga, uma de três existentes no mundo.

Primeiras impressões do Brasil feitas por estrangeiros, como relatos de Hans Staden e a primeira menção do país numa coletânea de viagens italiana de 1508, que noticia a viagem de Pedro Álvares Cabral, também fazem parte do acervo.

“Tive boas surpresas ao longo dos anos passados dentro da biblioteca, mas certamente guardo com um carinho especial as longas horas de conversa com o Mindlin, conversas essas que giravam em torno dos livros ou de um livro especial, das nossas leituras e releituras, e das histórias que estão por trás dos exemplares do acervo”, relembra Cristina.

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