terça-feira, 6 de março de 2012

Wikipédia pede ajuda aos universitários

Professores e alunos de Unirio, UFRJ, USP e Unesp aderem a programa educacional


Lauro Neto | O Globo


O ESTUDANTE de Medicina da UFRJ Vinicius Siqueira mostra um dos verbetes editado por ele na Wikipédia Luiz Alvarenga


Tradicionalmente avessas a modernismos na produção do conhecimento, as universidades brasileiras começam a se abrir ao universo da Wikipédia. Mais do que isso, professores de cinco cursos de instituições importantes como Unirio, UFRJ, USP e Unesp estão aderindo a um programa-piloto de educação da Wikimedia Foundation, responsável pela enciclopédia livre, que consiste em melhorar a qualidade dos verbetes na língua portuguesa.


Oficialmente, começa agora em março a versão brasileira do Global University Program, que tem o objetivo de capacitar estudantes, professores e pesquisadores para serem editores e multiplicadores wiki no ambiente acadêmico. O programa já tem adesão de 33 universidades nos Estados Unidos, sete no Canadá, quatro na Macedônia e duas no México. No Brasil, já aderiram professores dos cursos de História, da UniRio; Sociologia, da Unesp; Física, da UFRJ; Física e Filosofia, da USP.


Juliana Marques, professora de História da UniRio, se antecipou e, no segundo semestre de 2011, ministrou a disciplina eletiva “A História Romana na Wikipédia”.


A turma de 20 alunos orientados por Juliana corrigiu e produziu 28 verbetes sobre História Antiga, que vão desde “Culto Imperial” a “Sexualidade na Roma Antiga”. Parece pouco diante dos mais de 713 mil artigos em língua portuguesa na Wikipédia, mas a atividade requer um rigor científico que fez cinco estudantes desistirem do curso.


— Eles acharam que ia ser fácil, mas, um artigo, para ficar bom, necessita de um pouco de especialização. Saber escrever com clareza e objetividade foi difícil para eles. Muitos não percebem a diferença entre copiar, que é plágio, e parafrasear — diz Juliana, que procurou a Wikimidia Foundation por iniciativa própria.


Para evitar esse tipo de problema, que levou o programa a fracassar na Índia, a professora contava com a ajuda de cinco “embaixadores da Wikipédia”, pessoas com experiência na edição de verbetes, que monitoravam e auxiliavam os alunos no campus e on-line.


— Por mais que os alunos fizessem coisas erradas, tiveram tempo de consertar até o fim do semestre. Muitos não sabiam o que era fazer pesquisa na biblioteca. Mas tiveram que fazer isso na minha disciplina — explica Juliana.


Ironicamente, integrantes da geração Google seguiram um caminho diferente do esperado por boa parte da academia conservadora, avessa a inovações nas ferramentas de pesquisa e conhecimento.


— Partimos da realidade de que a Wikipédia era antiacademia, mas que ela entra na universidade se querendo ou não. Está todo mundo precisando entender a interação entre educação e teconologia e como diminuir o abismo entre a academia e o mundo exterior. Isso abriu muito a cabeça dos alunos — ressalta Juliana.


A estudante Janice Justo que o diga. Aluna do 7 período de História, ela melhorou os artigos sobre Grécia Romana e Muralha de Adriano (compare com a versão anterior), deixando de ser apenas uma simples leitora da enciclopédia.


— Na escola, consultei-a para muitos trabalhos, mesmo sabendo sobre a sua má "fama" no Brasil. Na faculdade, comecei a usar outros sites da Wikimedia e a própria Wikipédia em outras línguas. Percebi a diferença cultural e a importância dada a essa ferramenta fora do Brasil — compara Janice.


A Wikipédia tem 21 milhões de verbetes nas suas mais de 280 versões em diferentes línguas: na inglesa, são 3,8 milhões de verbetes; na árabe, 150 mil; na japonesa, 800 mil; na portuguesa, 713 mil. Janice pode se orgulhar de ter melhorado dois artigos:


— A maioria dos artigos com os quais trabalhamos não possuía fontes ou referências e muitos estavam incompletos. Nosso maior desafio não foi expandir a enciclopédia no nosso idioma e, sim, melhorar os artigos, para torná-los instrumentos de qualidade e dar maior credibilidade à Wikipédia no Brasil.


Este é também o desafio de Everton Alvarenga, consultor da Wikipédia no Brasil. No sábado, ele se reuniu com Juliana Marques e os outros professores envolvidos no projeto, entre eles Maria José Vicentini Jorente, que também aderiu ao programa em 2011, no campus de Marília da Unesp. Na disciplina de História da Cultura, alunos de Biblioteconomia e Arquivologia escreveram ou reescreveram a definição de 11 verbetes.


— Estamos focando em professores que apoiam o conhecimento livre, diferentemente da Índia, em que o foco eram os diretores e reitores das universidades. Nosso objetivo é qualidade e não quantidade: 90% dos editores da Wikipédia lusófona vêm do Brasil. A idade média dos colaboradores brasileiros é de 23 a 25. Temos um grande público potencial — diz Alvarenga.


Vinicius Siqueira, estudante de Medicina da UFRJ, tem apenas 19 anos, mas já é um dos 1.708 editores ativos da Wikipédia no Brasil. O universitário, que já fez parte do time de 33 administradores brasileiros, agora está prestes a engrossar a equipe de 16 embaixadores nas universidades. Ele será embaixador no campus do Fundão, auxiliando o professor Edvaldo Moura Santos, do Instituto de Física, que aderirá ao programa com uma turma de Eletromagnetismo deste semestre.


— A ideia é tentar melhorar a qualidade dos artigos sobre Física. Vou atribuir como atividade valendo pontos extras — conta Edvaldo.


Acostumado a editar verbetes ligados à Medicina, Vinicius terá agora um novo desafio pela frente:


— Foi por consultar a Wikipédia como ponto de partida para tirar dúvidas que comecei a editar.


Senso crítico na hora de consultar


Maria do Pilar Lacerda foi secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) nos últimos cinco anos, e, antes de deixar o cargo, na última semana, anunciou sua saída e seu substituto pelo Twitter. Isso mostra o quão conectada e aberta a novas tecnologias é a professora de História por formação. Outra prova disso é que Pilar vê com bons olhos a iniciativa do Global University Program.


— Acho bem interessante a proposta de certificação do conteúdo pelas universidades, pois há um risco grande de haver informações que não são científicas na Wikipédia — diz a ex-secretária.


Apesar de fazer ressalvas quanto ao uso da enciclopédia virtual na educação básica, Pilar concorda com a filosofia de conhecimento construído de forma compartilhada e diz que o modelo tradicional de escola ainda está muito atrasado em relação a isso:


— A Wikipédia não pode substituir outras fontes de pesquisa e consulta. Mas a escola não pode mais trabalhar com o conceito de cada um sozinho. O compartilhamento é uma forma de construção colaborativa revolucionária. Nas redes sociais se compartilha, mas na escola, não. Se faço um texto, alguém pode melhorar. Mas os alunos não podem conversar durante uma prova.


Questionada se isso não agravaria o hábito de “copiar e colar” dos adolescentes, ela é categórica:


— Os professores têm que fomentar o senso crítico, que surge da dúvida e da indagação. Já vi meninos fazendo pesquisa no Google com a mesma filosofia da minha época, em que se copiava manualmente da “Barsa”.


Diretor de Desenvolvimento Global da Wikimedia Foundation, Barry Newstead diz que a enciclopédia tradicional já sucumbiu em muitos aspectos diante das novas mídias e formas inovadoras de armazenar informações.


— A enciclopédia tradicional forneceu muitos benefícios durante um longo período de tempo. A Wikipédia tem algumas vantagens incríveis: ela não é limitada pela capacidade de um livro de papel e, deste modo, muito mais informação pode ser disponibilizada. Mais importante, o wiki permite a qualquer pessoa contribuir, o que significa que não é limitado pelo conhecimento e preconceitos dos poucos “grandes sacerdotes” que decidem o que é apropriado ou não para uma enciclopédia tradicional.



Unesp é primeira parceira do Wikipedia no Brasil

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