domingo, 1 de abril de 2012

Afinal, o que a internet faz com nossos cérebros?

A internet e a tecnologia amplificaram a percepção humana para o mergulho em um mundo outro, ou em vários deles, onde a virtualidade e o digital aproximam e também afastam. O que determina o equilíbrio e o devaneio está na forma como o homem vai usá-las. “Às vezes, acordo no meio da noite com um sonho ou pesadelo com alguém e vou responder email pra conseguir dormir”, diz Marcel Arêde, 31, produtor cultural que só “desconecta” quando está no avião, na companhia de alguém ou enquanto dorme. Mas nem sempre. “Mesmo dormindo, fico conectado. Com essa parada de Ipad, Android, modem 3G, quase não desconecto mesmo”, admite. Ainda que Marcel se desconecte, o universo virtual não deixará de existir. Ele continuará ali, independente. Fascinando e se incorporando ao cotidiano, à mente e ao corpo humano, e até mesmo redefinindo o funcionamento e os caminhos do cérebro. É sobre esses efeitos e modificações que trata o livro “A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, do jornalista e escritor Nicholas Carr. Lançado no Brasil pela editora Agir, a obra aprofunda uma reflexão iniciada com o ensaio “O Google tem nos deixado burros?”, de 2008. Carr compartilha com o leitor as próprias experiências com o - também chamado ciberespaço – e traz para as reflexões os estudos e descobertas da neurociência que apontam como os circuitos cerebrais se reorganizam em resposta à imersão na rede.


“Comecei a perceber que a internet estava exercendo uma influência muito mais forte e mais ampla sobre mim do que o meu velho PC. Não era apenas o fato de que eu estava despendendo muito mais tempo diante de uma tela de computador. Não era apenas o fato de que tantos dos meus hábitos e rotinas estavam mudando porque me tornei mais acostumado com - e dependente dos - sites e serviços virtuais. O próprio modo como o meu cérebro funcionava parecia estar mudando. Foi então que eu comecei a me preocupar com a minha incapacidade de prestar atenção a uma coisa por mais do que uns poucos minutos”, descreve Nicholas.


CÉREBROS FAMINTOS


“A princípio, pensei que o problema era um sintoma de deterioração mental da meia-idade. Mas o meu cérebro, percebi, não estava apenas se distraindo. Estava faminto. Estava exigindo ser alimentado do modo como a internet o alimenta – e, quanto mais era alimentado, mais faminto se tornava. Mesmo quando eu estava longe do computador, ansiava por checar os meus emails, clicar em links, fazer uma busca no Google. Queria estar conectado. Eu sentia, havia me transformado em algo como uma máquina de processamento de dados em alta velocidade”, ele compara.


Carr pode parecer exagerado. Até catastrófico, ao constatar a insurgência de uma sociedade virtual. No entanto, suas teorias e ponderações acendem alertas e acaloram os debates sobre os efeitos das novas tecnologias e da internet na vida das pessoas, onde os limites entre o real e o virtual já foram rompidos, ultrapassados e reinventados.


“Ele chega até a ser um pouco fóbico relação à tecnologia. Mas ele quer chamar a atenção das pessoas pra isso, para evitar que as coisas se tornem tão cataclísmicas. Estamos vivenciando o advento da web 3.0. A internet não é mais, como antes, uma ferramenta. [Hoje] você vivencia o ciberespaço, a imersão nesse mundo que existe, independentemente da sua vontade. Obviamente você reeduca o seu cérebro para o mundo digital. Você está em algum lugar, sem estar em lugar nenhum. É uma sociedade virtual, presenciamos cada vez mais uma imposição do mundo digital. E claro que existem modificações cognitivas, mudamos a maneira de interagir com o mundo. A sua vida você controla toda pelo celular hoje. Se tiver dinheiro, a sua casa inteira pode ser controlada pelo celular. Mudamos também nossos modos de representação. Há um controle maior, uma necessidade maior de exposição, as pessoas constroem cada vez mais suas imagens”, aponta Kalynka Cruz, professora da Universidade Federal do Pará, Mestre em Tecnologias da Inteligência e doutoranda em Sociologia do Cotidiano pela Sorbonne, de Paris, França.


Mais tempo navegando, menos paciência


Kalynka é uma aficionada por tecnologia e cultura digital. Desde a graduação estuda e pesquisa o cada vez mais complexo ambiente virtual. Em 2008, defendeu na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo a pesquisa “As diferenças cognitivas entre usuários de ciberespaço”. O estudo traz o resultado de entrevistas, questionários e uma bateria computadorizada de avaliação cognitiva. Kalynka estudou o comportamento de 20 voluntários, jovens entre 15 e 17 anos, que ela identificou como jogadores e navegadores, e os classificou entre usuários ocasionais, excessivos e extremos. E conseguiu demonstrar que os excessivos são mais rápidos, mais atentos, mais sincronizados e que, por conta da rapidez e da antecipação adquiridas, têm menos paciência e estão mais propensos ao erro.


“Os ocasionais são aqueles que usam por força das circunstâncias, de maneira fortuita, não planejada, o ciberespaço. Os excessivos usam de maneira planejada, excedendo os limites da normalidade e da suficiência. O extremo é aquele que usa de maneira planejada, subvertendo os limites do uso excessivo, ou seja, os comumente chamados de viciados”, explica Kalynka. A pesquisadora, no entanto, ressalta que as definições não surgiram a partir do método simplista de contabilizar as horas e dias de acesso dos usuários. Segundo ela, só foi possível chegar às conclusões apresentadas depois de um “estudo minucioso sobre os questionários, entrevistas, pesquisa de campo e a própria vivência da pesquisadora no ciberespaço”. Ela mesma uma declarada usuária excessiva.


“Eu tenho tablet, notebook, macbook, iphone, ipod. Sempre fui nerd, da galera dos quadrinhos. Sempre gostei de tecnologia. Gosto de estudar sobre isso e, claro, por isso me tornei uma geek. Mas estudar novas tecnologias não é falar que do novo ipad lançado pela Apple”, alfineta Cruz. Para ela, é saber o que há por trás de toda a engenharia que gerou o cobiçado produto. “Minhas aulas são 50% teoria. Ela [a internet] serve para o que a gente quiser. O importante, o essencial é não esquecer o ser humano, e através das tecnologias potencializar o que a gente tem de bom”, completa.


Smartphone: o melhor amigo, para todas as horas


A publicitária e produtora de eventos Luciana Souza, 28, mais do que potencializou a rotina. A internet e o celular tornaram-se a extensão da própria vida corrida e cheia de tarefas dela. “Eu durmo com o celular do meu lado. Passo no mínimo umas 12 horas conectada na internet. Mas é extremamente profissional, principalmente no telefone. Recebo emails, orçamentos, cliente que quer falar comigo. Com a internet eu tenho essa facilidade. Sem internet seria muito complicado, como é que eu ia administrar tudo o que eu tenho pra fazer?”, indaga. Os amigos criticam. “Não saia pro barzinho com ela. Ela vai ficar o tempo todo mexendo no celular”, entrega a colega de trabalho Lana Bastos. “Ela é muito viciada, se for tomar um tacacá, antes de tomar ela bate um foto e posta no Face [na rede social Facebook]. Isso acontece com tudo”, comenta o amigo André Silva.


Com as redes sociais, Luciana ganhou outras formas de imersão no mundo virtual. Contudo, ela garante que consegue manter os hábitos sem prejudicar o trabalho. “Eu uso a internet por necessidade de atualização do que está acontecendo no mundo, com os meus amigos que estão longe. Eu me atualizo mais pela internet do que pela televisão, Assistir televisão me faz muita falta, mas tento burlar essa falta com a internet. Você recebe informações de todos os lados, onde me interessa, eu clico”, diz Luciana. A tecnologia e a virtualidade ficam em segundo plano quando Luciana chega em casa. “Largo tudo e vou brincar com a Duda”, diz a publicitária sobre a filha de um ano e nove meses.


‘Apesar dos danos, a internet só vicia porque dá prazer’, afirma psicóloga


A internet transformou-se na extensão dos hábitos modernos. O cérebro se acostumou com esse novo sentido de viver e existir. A fronteira que divide o equilíbrio dos extremos reside em cada um. “O grau de exposição, por exemplo, é muito individual, de quem quer se mostrar, quem opta por isso. Tem a questão do estilo de vida, educação, valores, outras coisas na vida que a pessoa considera mais legais, mais importantes. O Facebook pode ser usado tanto com limites, como sem limites”, afirma a psicóloga clínica Sônia Gaby.


Sônia já atendeu pacientes com sérios problemas de interação social depois do uso extremado da internet. “Um paciente ficava muito tempo no computador, tinha pouca interação familiar, baixa produtividade na escola, a namorada tinha que ir na casa dele. A família se incomodou e trouxe. Foi um tratamento muito lento, mas houve sucesso. Desfoquei da internet. Troquei por outras atividades saudáveis que ele também gostava e não fazia mais, como lutar”, lembra a psicóloga. “Fora que você é criticado se você não abre o seu email. Virou status social, de inteligência. Tem uma cobrança no meio social, intelectual, para que você use, se tornou um hábito como comer, tomar água”, acrescenta.


“A internet só vicia porque dá prazer, mesmo que tenha danos, como a diminuição da qualidade de vida, o isolamento dentro da própria casa, no caso do computador, a perda momentânea da interação social. É muito sério. Ao mesmo tempo ela te abre o mundo, você resgata amigos antigos, você traz pra perto, mesmo que virtualmente. Não tem o cheiro, o colo, o abraço do amigo”, destaca Sônia. Sensações de que Rodrigo Miranda sente falta.


“Não há aquele contato mais próximo das pessoas, porque a internet consequentemente afasta você de quem quer que seja, daí vai de você se policiar e ver o nível de dependência sobre essa ferramenta tão poderosa”, ensina o paraense de 25 anos, formado em Tecnologia em Processamento de Dados, profissão que inevitavelmente o induz a mergulhar na rede. “Sou formado em uma área da computação, então é inevitável eu dizer que se pudesse, ficava 24 horas conectado, pois a área é altamente mutável, novos conceitos, equipamentos, modelos de uso, enfim, são criados a todo momento. Então em média, fico online por volta de umas 15 horas diariamente”, confessa. “Às vezes enche o saco, sim. Eu, uma hora ou outra, saio, vou ver a namorada, algum amigo ou família, primos, coisas assim”, lista. Em um dia comum de trabalho de Rodrigo, o ponto de partida é a internet. “Olho os meus emails. Logo, se tem algo lá, eu vou à origem, seja uma rede social como o Facebook, ou um ‘RT’ no Twitter, mas também um seguidor no Linkedin (rede social profissional), acesso documentos de texto, planilhas e apresentações no Google Docs. Faço buscas em sites sobre notícias, geralmente isso”. Simples, rápido, corrido e tudo ao mesmo tempo assim. “ [Me desconecto] quando vou assistir um filme, sair nos finais de semana, mas sempre entre uma descansada e outra, se der tempo, acesso a internet, não fico muito tempo desconectado, coisas importantes podem passar e por descuido eu não ver”, acredita ele.


E registrar os principais momentos da vida para em seguida publicá-los no Facebook ou em qualquer outra rede também faz parte do roteiro social. Tudo pela lente do inseparável companheiro, smartphone. “Isso é de praxe. É como guardar na memória, entende? Você achou legal, foi lá, registrou e mostra pro resto do povo o que você curtiu. A probabilidade de ter alguém que se identifique e goste também é muito alta”.


O celular é a bicicleta


Em Belterra, a internet e o celular ganharam a cidade em 2011. Até então, só havia telefone público para quem quisesse se comunicar. E olhe lá, porque achar um que funcionasse era uma verdadeira peleja. Os moradores driblavam a realidade enviando bilhetes para os vizinhos, parentes e amigos, através do “mensageiro oficial” eleito da família, que levava as notícias em rápidas ou lentas pedaladas de bicicleta. A pesquisadora Kalynka Cruz ouviu esse relato de um dos moradores do município, localizado no oeste do Pará, a 48 km de Santarém. Foi apenas um entre vários depoimentos sobre o assunto e que, recolhidos, deram origem ao vídeo “O celular é a bicicleta”, disponível no YouTube.


Os relatos mostram crianças, adolescentes e adultos que contam como ficou a vida depois que uma operadora de celular instalou os novos recursos na cidade. Gente que encontrou parentes nunca antes conhecidos. Desconhecidos que viraram namorados, a rádio que deixou de emprestar os discos dos ouvintes para novas músicas poder veicular.


LEIA


“A geração superficial - o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”
Autor: Nicholas Carr
Editora: Agir
Preço médio: R$ 30


Fonte: Diário do Pará

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