quinta-feira, 19 de abril de 2012

Lei de Acesso à Informação - é importante, mas vai "pegar"?

Por Maria Alexandra Cunha e Solon Lemos Pinto | Convergência Digital 




Quis a história que fosse a presidente Dilma Rousseff – com seu passado de militante política, onde o tema é de fundamental importância – a promulgar a Lei nº 12.527/2011, que entra em vigor em 16 de maio de 2012, e regulamenta o que já é um direito constitucional dos cidadãos - o acesso às informações públicas. Foi um processo longo e tortuoso, resultado de interesses internos e de entidades internacionais.


A Lei de Acesso à Informação não trata de tecnologia, mas, sim, de informação. No entanto, os desafios de governança de tecnologia e de governança de informação que o texto propõe, explícita e implicitamente, fazem prever que haverá uma grande movimentação nas estruturas de informática governamental. Em linhas gerais, a Lei permite que qualquer pessoa possa solicitar aos órgãos públicos informações do seu interesse. Poderá fazê-lo pessoalmente, por carta ou e-mail, e não precisa explicar o motivo da solicitação ou que uso fará da informação. A Lei é aplicável à União, aos Estados e Municípios, a todos os poderes, às autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Em poucas palavras, toda a estrutura pública deve obedecê-la. Se a informação não for classificada como sigilosa, os órgãos terão vinte dias, prorrogáveis por mais dez, para responder ao pedido de informação, ou para negá-lo por escrito, justificando o motivo. Neste caso, ainda cabe recurso à instância superior. O servidor que se recusar a prestar a informação, retardar o acesso ou deliberadamente fornecer dados incorretos, ou incompletos, estará sujeito a punição.


É uma revolução, uma radicalização da Democracia, mas já aconteceu em dezenas de outros países. Chegou ao Brasil com décadas de atraso. E estamos tão despreparados quanto estavam esses outros países, à época que a implementaram. Um diagnóstico sobre a cultura de acesso à informação pública no Executivo federal brasileiro, executado pela Unesco e pela CGU - Controladoria Geral da União, sob coordenação do Prof. Roberto DaMatta, comprova o que já intuíamos - há grandes contrastes no país. Há órgãos federais que possuem sistemas informatizados, controles de estatísticas de atendimento, gestão eletrônica de documentos, gestão informatizada de processos, diversos canais de atendimento ao público, capacidade para fornecer informações por meio eletrônico e cópias digitalizadas de processos. No outro extremo, há órgãos que ainda estão se esforçando para conseguir acompanhar o fluxo entre a solicitação e a resposta, sem um sistema informatizado de registro e monitoramento. Se pensarmos em grandes municípios, e nos pequenos, estes contrastes se acentuam, pendendo para o lado dos que não conseguirão atender às solicitações por falta de estrutura adequada.


As barreiras contra a Lei de Acesso à Informação são enormes. Uma, cultural, é a “cultura do segredo”, do proibido, do escondido. Essa “cultura do segredo” é consequência da herança autoritária da história política brasileira, que ainda passeia bem à vontade em muitos corredores de governo. Outra barreira é organizacional – adequar a estrutura e treinar os funcionários para atender à demanda de informação. E há as barreiras de governança de tecnologia de informação, nas quais queremos pôr o foco.


Na comunicação com a sociedade, trata-se de abrir ou ampliar canais eletrônicos, com a consequente mexida na estrutura para pilotá-los, para que todos possam usufruir do acesso à informação. Os setores organizados, os grupos de poder, já conseguem as informações governamentais que porventura precisem. Trata-se de abrir essa possibilidade para todos, usando a tecnologia disponível: internet, telefone, e-mail, e mesmo as mídias sociais. Devem ser vários os canais de recepção de solicitações e envio de respostas, mas um fluxo único informatizado de acompanhamento e tratamento. Além do sistema em si, é preciso reorganizar processos, redesenhá-los, e monitorá-los continuamente, para impedir a degeneração que acontece comumente.


Em relação à gestão de documentos, o problema não se esgota na sua digitalização,os , que é a grande ênfase dada à gestão documental no governo brasileiro. Há que tratar arquivos de documentos, e arquivos eletrônicos. Há que classificar as informações existentes, e proteger as sigilosas. Desenvolver mecanismos inteligentes de busca e organização das informações e, ao mesmo tempo, garantir sua segurança e privacidade. A integração entre órgãos é outro grande obstáculo, também resquício da “cultura do segredo” e da disputa de poder. Padrões de compartilhamento exigem competência técnica na sua definição, mas principalmente disciplina e obediência a regras, tanto para serem promulgados, quanto para serem utilizados ao longo do tempo.


Os contrastes também são o pano de fundo do assunto bancos de dados, metadados e gestão de dados. Alguns órgãos possuem gestão profissional de dados e de banco de dados, outros sequer sabem quais os dados que dispõem. Muito menos em que formato estão armazenados, com que restrições de acesso, e que informações podem ser geradas a partir deles. Os órgãos vão descobrir os problemas quando estiverem atendendo às solicitações. Transparência pró-ativa, é como o governo chama à oferta de sites bem desenhados e amigáveis ao cidadão, que mostrem informações pré-formatadas e com calendário conhecido de publicação. Os órgãos podem e devem oferecer as respostas que já sabem ser úteis, sem esperar as perguntas da sociedade, para aliviar o excesso de demandas por informações e dados. São sites a serem construídos sobre o acervo de informações governamental, obtido no exercício da missão institucional de cada órgão. Mas também, à medida que as solicitações chegarem, a base de informações pode ser ampliada com novas formatações.


Este foi o exemplo da Open Gov Initiative, parte da política de Open-Government instituída no primeiro dia do governo do atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de um sucesso inspirador. Espera-se que também haja, em nosso país, arquivos de dados em formato aberto, sem tratamento. Esses arquivos formam um importante ativo econômico público que deve ser potencializado para gerar novos negócios, emprego e renda.


Infraestrutura, revisão de processos, processos informatizados, equipamentos, novos sites, atendimento ao cidadão, treinamento de funcionários, tudo custa dinheiro. E dinheiro, em governo, chama-se orçamento aprovado e pagamento autorizado. A CGU está desempenhando um excelente papel, de aliado do cidadão, à frente da matéria. Mas vale a lembrança de que a governança de tecnologia, e da informação, é assunto a ser resolvido pelas estruturas de governança eletrônica, sendo o Controle um importante parceiro.


Como outras leis, o cidadão quer ver se esta vai “pegar”. É relevante, é necessária, e deve “pegar”, mas talvez leve anos. Informação é poder, e o poder não troca de mãos placidamente por causa da promulgação de uma lei. Poder se disputa e se conquista. Como cidadãos, devemos exigir o cumprimento da nova Lei. Como sociedade, devemos fazer uso destes ativos econômicos. Como funcionários públicos, devemos cooperar para a mudança. A presidente Dilma, como a principal servidora pública, já lidera este processo. Como profissionais de TI, devemos trabalhar para viabilizar os mecanismos de acesso. Assim a Lei deverá "pegar".


* Maria Alexandra Cunha é professora da PUC-Paraná e consultora associada da BRISA


* Solon Lemos Pinto é Vice-Presidente da BRISA

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