Por Fábio de Oliveira Ribeiro | Observatório da Imprensa
A geração superficial, de Nicholas Carr, 384 pp., Editora Agir; R$ 49,90
Por força de um texto lido neste Observatório (“Internet e o comércio da distração”) assumi o compromisso de, assim que pudesse, retirar A geração superficial, de Nicholas Carr, de uma pilha de livros novos num canto de estante para ler com calma. A obra é interessante porque mescla história do livro e das ideias sobre o mesmo com constatações acerca das transformações produzidas na leitura, no mercado editorial e no próprio livro em decorrência das novas tecnologias da informação.
Apoiando-se na obra de outros autores, Carr defende a tese de que, assim como o livro impresso mudou a forma dos homens pensarem e se comunicarem, a internet também está fazendo isto. No primeiro caso, em virtude da concentração exigida pela leitura do livro, teria havido um ganho intelectual, cultural e civilizacional. No segundo, em razão da interatividade da internet, estaria ocorrendo um prejuízo cognitivo porque as pessoas não conseguem mais ler textos longos (os links produzem dispersão, a consulta dos e-mails e perfis sociais durante a leitura também etc...).
Carr afirma que já está ocorrendo um crescimento da compra de e-books e um declínio das vendas de livros impressos. Após fazer uma longa digressão sobre o que ocorreu com os jornais norte-americanos (que fecharam, faliram, reduziram sua circulação ou simplesmente migraram para a internet), o autor sustenta que o livro como produto cultural estaria condenado à desaparecer ou a se transformar num produto produzido em pequena escala e consumido por uma pequena elite de leitores.
Argumentos não são desprezíveis
A perspectiva adotada por Nicholas Carr sobre o futuro do livro é diametralmente oposta à de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Na obra Não contem com o fim do livro (editora Record), Eco e Carrière defendem a tese de que o livro não morrerá. Umberto Eco afirma, por exemplo, que “você não pode fazer uma colher melhor que uma colher. Designers tentaram melhorar, por exemplo, o saca-rolhas, com sucessos bem modestos e, por sinal, a maioria nem funciona direito. Philippe Starck tentou inovar do lado dos espremedores de limão, mas o dele (para salvaguardar certa pureza estética) deixa passar os caroços. O livro venceu seus desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo melhor que o próprio livro. Talvez ele evolua em seus componentes, talvez as páginas não sejam mais de papel. Mas ele permanecerá o que é”. Carrière lembra com pertinência que “...nunca tivemos tanta necessidade de ler e escrever quanto em nossos dias. Não podemos utilizar um computador se não soubermos ler e escrever. E, inclusive, de uma maneira mais complexa do que antigamente, pois integramos novos signos, novas chaves. Nosso alfabeto expandiu-se. É cada vez mais difícil aprender a ler. Empreenderíamos um retorno se nossos computadores fossem capazes de transcrever diretamente o que dizemos. Mas isto é outra questão: podemos nos exprimir com clareza sem saber ler e escrever?”
Sou leitor de livros há quase 40 anos. Não os dispensaria mesmo que caíssem em desuso. Prefiro usar transporte público justamente para poder ler um livro por algum tempo todos os dias. Tendo naturalmente a concordar com Umberto Eco, de quem já li vários livros, inclusive. Mas os argumentos fáticos e teóricos apresentados por Nicholas Carr não são desprezíveis.
Hoje finalizei a leitura do capítulo 6 do livro A geração superficial ao voltar para casa de ônibus. Lia e meditava sobre a leitura que havia feito de Não contem com o fim do livro, de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Ao meu lado, pouco depois que sentei e comecei a ler sentou-se uma adolescente, que mais adiante informou-me ter 17 anos de idade.
Garota multimídia
A moça sentou, escolheu uma música no seu smartphone Samsung, conectou-se à internet e pegou um livro da bolsa (Para Sempre, de Alyson Noel, sobre o qual nada posso dizer). Leu uma página e meia escutando música e navegando na internet. Depois fechou o livro e continuou a ler e a navegar na net por uns quinze minutos. Então, reabriu o livro e voltou a ler meia página, sempre escutando música e navegando na internet. O livro ficou no seu colo o resto do trajeto, ela completamente absorta na música e na sua atividade virtual, qualquer que fosse ela.
A princípio, a atitude desta garota me chamou bastante a atenção porque parecia confirmar o fenômeno que Nicholas Carr aborda no seu livro: distração, leitura fragmentada, incapacidade de se concentrar no livro por muito tempo etc... Quando ela desligou o smartphone e guardou o livro percebi que ela ia descer e puxei conversa.
“Você é uma garota multimídia, não?” “Por que?”, respondeu-me com um sorriso. “Porque você escuta música, lê um livro e navega na internet tudo ao mesmo tempo.” “É verdade.” “Você consegue prestar atenção a tudo ao mesmo tempo?” “Sim, estou acostumada a fazer isto.” “Do que você gosta mais, de navegar na internet ou de ler o livro?” “De ler o livro”, respondeu-me com ênfase e segurança.
Questão em aberto
Esta pequena amostra comportamental que colhi no ônibus sugere muitas coisas. A primeira e mais óbvia é que a adolescente afirmou gostar mais de ler o livro do que de navegar na internet, apesar de ter ficado muito mais tempo escutando música e navegando na internet do que lendo. A segunda é a total impossibilidade que tenho de medir a veracidade ou inveracidade da afirmação que ela fez de que consegue prestar atenção a tudo ao mesmo tempo. A terceira, mais importante, eu prestei atenção à conduta da adolescente enquanto lia o livro de Nicholas Carr e procurava confrontá-lo mentalmente com o que havia lido na obra de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière.
A minha própria conduta neste estudo de caso parece confirmar a tese de Carr. Mas no entanto também a contradiz. Minha dispersão existiu, sim, mas não foi improdutiva. O que eu fiz foi colher impressões laterais sobre uma conduta que dizia justamente respeito ao livro que estava lendo naquele momento. Esta minha atitude (desleixada, pelos padrões adotados por Carr) me ajudou a compreender melhor e mais profundamente o assunto de que trata o livro. E assim como eu li e prestei atenção à conduta de outra passageira, devemos admitir que as pessoas podem muito bem ler um livro e compartilhar sua leitura na internet com outros leitores ou colher informações sobre o mesmo em websites literários. Resumindo, o que determina a profundidade e o aproveitamento da leitura não é necessariamente a concentração absoluta sobre o livro.
Nem o livro vai desaparecer, como diz Eco e Carrière, nem a internet vai produzir necessariamente uma geração superficial como afirma Nicholas Carr. Pelo menos para mim a superficialidade dos internautas vai continuar uma questão em aberto.
Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP
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