terça-feira, 15 de maio de 2012

Dê adeus às bibliotecas

Instituições como a Biblioteca Nacional podem desaparecer ou ser vetadas à consulta em carne e osso



Luís Antônio Giron | Época

Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV

Nostalgia é o oitavo pecado capital destes tempos. Você pode ser retrô e reciclar informações do passado com o glamour e a retina exata do presente. Ser nostálgico e sentir saudade é pecar. Por que sentir falta de um passado que era mais atrasado, mais ridículo e mais sujo do que o presente? Como sei que o presente é o futuro passado e que os brilhos atuais vão parecer foscos aos olhos judiciosos do amanhã, continuo a gostar da nostalgia. Recaio sempre nela, e sinto o olhar reprovador de quem está por perto e nota a infração. Para horror de minha mulher, guardo uma edição da Encyclopedia Britannica, edição de 1962. Pior, vivo consultando seus verbetes absoluta e encantadoramente desatualizados. Agora que a Britannica deixou de ser publicada em papel e migrou inteirinha para a internet, só me resta o prazer táctil de folhear a minha velha prensagem da obra. Não posso evitar ser um ser pré-internético, pré-google, pré-instagram e o diabo a quatro.

Em um desses meus acessos incuráveis de nostalgia, cometi o crime de visitar a biblioteca pública do meu bairro. Cheguei de mansinho, talvez pensando em reencontrar nas prateleiras os livros que mais me influenciaram e emocionaram. Topei com prateleiras de metal com volumes empoeirados à espera de um leitor que nunca mais apareceu. O lugar estava oco. A bibliotecária me atendeu com aquela suave descortesia típica dessa categoria profissional, como se o visitante fosse um intruso a ser tolerado, mas não absolvido. Eu sei que as bibliotecárias, entre suas muitas funções hoje em dia, sentem-se na obrigação de ocultar os volumes mais raros de suas respectivas bibliotecas. Bibliotecas mais escondem do que mostram. Há depósitos ou estantes secretas vedadas aos visitantes. São as melhores – e, graças às bibliotecárias, você jamais chegará a elas.

Na recepção daquela pequenina biblioteca municipal, eu me senti uma assombração do passado a importunar a ordem do agora.

"Procuro uma coletânea de contos fantásticos de Aluísio Azevedo”, disse à senhora. “O senhor trouxe a referência?” Não. “Por que não consultou o catálogo pela internet?” Sei lá por quê, eu só queria parar por aqui e ler uns livros difíceis de encontrar e talvez levar emprestados... “Os empréstimos são limitados a quatro volumes e a devolução acontece em 15 dias”, ela metralhou, com os olhos pregados no monitor velho e encardido do computador. Por fim, depois de dar um pequeno passeio pelo interior da biblioteca, voltou para informar que não tinha o livro que eu buscava. Virei as costas, imaginando o alívio da funcionária em me ver ir embora. Agora ela podia regressar a sua preguiçosa solidão.

Em tempos idos, eu encontrava nas bibliotecas públicas um abrigo para meditar, planejar e fugir do mundo. Passeava pelas estantes como quem viajasse por outros planetas, tempos e realidades, memórias, histórias, uma lição de vida aqui, uma descoberta da crueldade humana ali, fantasias inúteis acolá. Devo às bibliotecas a minha formação. Fiz mestrado e doutorado passando tardes enfurnado na Mário de Andrade, no Arquivo do Estado e na Biblioteca Nacional. E sempre frequentei bibliotecas de bairro. Anos atrás, elas costumavam ser lotadas de leitores ávidos. Os usuários se interessavam por cultura, e não apenas como uma ferramenta para subir na vida e destruir os concorrentes. Havia oficinas e debates. Os livros de poesia e os romances não paravam nas prateleiras. Agora os ácaros, os carunchos e toda sorte de inseto venceram os leitores. Para não falar da umidade – que, recentemente, quase acabou com os periódicos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Saí da minha biblioteca do bairro e me dirigi a uma lan house próxima, repleta de meninos e adultos, absortos em pesquisar, mandar emails e jogar. Pela internet, encontrei O touro negro, de Aluísio Azevedo, disponível em arquivo digital no site do domíniopublico.br. Agora tudo quanto é livro pode ser encontrado em sites abertos, como archive.org, openlibrary.org e gutenberg.org. E pensei: perto de uma lan house imunda como aquela, as poeirentas bibliotecas públicas lembram santuários abandonados. Não espanta que as prefeituras de quase todas as cidades do Brasil queiram fechá-las. Daqui a pouco a venerável Biblioteca Nacional vai migrar inteira para o mundo on line, e proibir a entrada de leitores de livros em papel, os antigos livros reais. Será vetado o ingresso no recinto de leitores em carne e osso, gente atrasada que vive em busca de livros de papel. Tudo estará apenas “disponibilizado” (que verbo ridículo) pelas bases de dados via internet.

Sou obrigado a dar razão a esses baluartes do conhecimento que são os prefeitos de todas as cidades do Brasil. As bibliotecas não servem mais para nada nem a ninguém. Nem mesmo a mim, que sempre as amei. Ainda assim, toda vez que passo diante do prédio da biblioteca do meu bairro com a intenção de dizer adeus, não consigo.

Alguns comentários extraídos do site da revista:

Nonato Ribeiro

O camarada demonstra total desconhecimento de uma classe profissional inteira, usando de generalizações que denotam sua falta de ética. Que a Revista possa avaliar melhor seus colunistas, bem como o tipo de material que publicam.

Davidson Maximo

Prezado sr. Luiz Antônio Giron. Assim como recomendou a Raquel Tersariolli, é melhor ir pesquisa mais sobre a área antes de sair escrevendo absurdos como esse. Sua visão e muito limitada, ou melhor dizendo, o sr. não tem nenhuma visão. É muito deprimente ver "profissionais" como sr. escrever essa coisas. Espero que a Revista Época dê um retratação verdeira sobre isso.

Bruno Moreira

É evidente que o contexto atual exige novas posturas, não só dos bibliotecários, mas de diversas profissionais. O simplismo deste artigo não está de acordo com o que de fato o bibliotecário exerce neste novo contexto (organizar, tratar e disseminar a informação, em diversos meios e suportes). Se o mundo hoje está em desenvolvimento, uma parte significativa se deve a organização e a disponibilização do conhecimento através de bibliotecas, sejam elas físicas, virtuais/digitais ou híbridas, portanto, esta instituição e os profissionais que cuidam dela merecem mais respeito.

Bruno Perdigão

Olá Luís, Acho que o grande problema da nostalgia é quando ela não lhe permite exergar bem o presente. Acho que você fez uma análise apressada das coisas. Basta conhecer um pouco do trabalho que a Colômbia vem desenvolvendo com suas bibliotecas, de importância até de transformação social em bairros marginalizados. Ao invés de dar razão aos que querem acabar com as bibliotecas, você poderia se inspirar e propor uma requalificação. http://www.criancascriativas.com.br/bliblo_artigo.pdf http://livrosetc.blogfolha.uol.com.br/2012/04/25/bibliotecas-e-formacao-de-leitor-uma-conversa-com-felipe-lindoso/ Abraços

Alex o Ismael

Não acho que as bilbiotecas vão ser extintas com advento da internet e da digitalização do conhecimento escrito. Pois, do mesmo modo , achavasse que a internet fosse dá fim a televisão e ao rádio, e com se vê hoje, isso não aconteceu. Os ebooks não vão substituir os livros impressos. Serão um complemento.

Maria Christina

Mas as bibliotecárias tb não ajudam mais ninguém ... não incentivam ... Eu mesma , uns anos atrás, fui em uma aqui do bairro pra doar uns livros. Recusaram!! Me disseram que não tinham mais onde guardar ... Dando uma volta pelas estantes, vi vários livros amontoados, sem catalogação, praticamente jogados ... É triste ...

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