quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Banco de dados com sons de animais será atualizado


Como muitos registros da fonoteca são antigos, diversas informações importantes sobre eles estão faltando e serão acrescentadas

Elton Alisson | Revista Pesquisa Fapesp


© Antoninho Perri /Unicamp
O ornitólogo Jacques Vielliard, falecido em 2010, dá nome à fonoteca e é o responsável por boa parte dos registros das vocalizações

Um dos maiores acervos do mundo de sons emitidos pelos animais – como o canto dos pássaros, o coachar dos sapos ou o cricrilar dos insetos – pertence à Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard, do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Muitas das vocalizações dessa coleção iniciada na década de 1960, no entanto, não dispõem de informações essenciais para os biólogos interessados em estudar o comportamento animal – como a temperatura e o índice pluviométrico no momento em que o som foi captado.

Um estudo, realizado no Instituto de Computação (IC) da Unicamp, com apoio de Bolsa da FAPESP, pretende enriquecer as informações sobre as vocalizações reunidas na fonoteca, com dados climáticos e ambientais do dia, hora e local em que elas foram registradas.

“Percebemos que, pelo fato de muitos registros da fonoteca serem antigos, diversas informações importantes sobre eles estavam faltando”, disse Daniel Cintra Cugler, autor do estudo, à Agência FAPESP.

Boa parte dos registros foi feita a partir dos anos 1960 pelo ornitólogo francês Jacques Vielliard, falecido em 2010, que era professor da Unicamp e dá nome à fonoteca.

Segundo Cugler, a escassez de recursos tecnológicos da época dificultava o registro dos fatores climáticos que influenciam o comportamento animal no momento da captura dos sons. As vocalizações dos animais podem variar, por exemplo, com a temperatura, a estação do ano e a ausência ou presença de chuva.

Os resultados do estudo poderão ajudar biólogos a fazerem análises mais precisas do comportamento de animais com base nos sons e a estabelecer estratégias de conservação de espécies em risco de extinção.

“Os biólogos que fizeram as coletas em campo gravaram o som de um animal, mas provavelmente não tinham um termômetro para medir a temperatura do ar no momento. Por isso, só mencionaram o local onde o som foi registrado, sem informar, além da temperatura, a altitude do local, por exemplo”, explicou Cugler.

Ajuda de outras fontes
A fim de recuperar esses dados, Cugler começou a desenvolver um sistema no qual, ao dar as coordenadas do local, dia e horário em que a vocalização de um animal foi coletada, é possível obter da Nasa, a agência espacial norte-americana, informações como temperatura e velocidade do vento naquele instante.

Os satélites da agência espacial registram há décadas imagens do globo terrestre. Divulgadas publicamente na internet, em um sistema que funciona 24 horas, as imagens possuem filtros com informações como os índices de raios ultravioleta (UV), umidade do solo e cobertura de vegetação de um determinado local no dia e horário em que a imagem foi capturada.

Ao cruzar as informações de data, horário e localização de um registro de vocalização da fonoteca com os dados fornecidos pela Nasa, é possível obter uma enorme lista de variáveis climáticas da época.

“Também podemos obter dados adicionais do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] para melhorar ainda mais o conteúdo das variáveis climáticas”, disse Cluger.

A partir da lista de variáveis climáticas obtidas dessas instituições, os pesquisadores envolvidos no projeto separam as informações importantes e atualizam os dados do acervo.

“Temos que tomar muito cuidado com o que é adicionado a fim de preservar o histórico dos dados originais”, afirmou Cugler.

O pesquisador encontra-se atualmente nos Estados Unidos, onde realiza parte do estudo na Universidade de Minnesota em colaboração com um grupo de pesquisadores especializados em dados espaciais.

Além de associar as coordenadas dos registros de vocalização com o índice pluviométrico e a temperatura – as variáveis climáticas que mais influenciam o comportamento dos animais –, os pesquisadores também pretendem adicionar informações sobre outros fatores como, por exemplo, os abalos sísmicos eventualmente ocorridos na época, que estimulam a vocalização de determinados animais, como os elefantes.

“O propósito da pesquisa é fazer uma análise espacial dos registros de vocalizações de animais que compõem a fonoteca”, disse Cugler. “Se conseguirmos correlacionar o ponto onde o registro foi coletado com as variáveis ambientais, os biólogos poderão fazer pesquisas melhores e de forma mais rápida”, afirmou.

e-Science
O trabalho de Cugler integra uma série de iniciativas de aprimoramento da Fonoteca, realizadas nos últimos anos sob a coordenação da professora Claudia Bauzer Medeiros, do IC da Unicamp, que orienta o trabalho de Cugler, e de Luís Felipe de Toledo Ramos Pereira, pesquisador colaborador do Museu de Zoologia do IB e um dos curadores do acervo.

Pereira realiza atualmente um projeto, no âmbito do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes da FAPESP, e uma pesquisa em conjunto com cientistas da Universidade de Michigan que é apoiada por meio de um acordo entre a FAPESP e a National Science Foundation (NSF).

Resultado de uma cooperação entre pesquisadores do IC e do IB da Unicamp, as iniciativas de aprimoramento da Fonoteca visam recuperar e melhorar o gerenciamento, compartilhamento e enriquecimento dos dados da coleção por meio do uso de ferramentas computacionais. E integram um projeto, apoiado pela FAPESP por meio de um acordo com a Microsoft Research.

“Esse tipo de trabalho exemplifica o que se chama de e-Science: a pesquisa cooperativa entre cientistas de computação e pesquisadores de outras áreas do conhecimento para que estes desenvolvam seus trabalhos de forma melhor, mais rápida ou até mesmo diferente”, disse Cugler.

A maior parte das informações do acervo – composto por cerca de 40 mil vocalizações de todos os grupos de vertebrados e de alguns grupos de invertebrados, como insetos e aracnídeos – estava armazenada em planilhas eletrônicas.

Por meio do projeto, os pesquisadores começaram nos últimos anos a transferir as informações para um banco de dados, a fim de facilitar a recuperação e o gerenciamento deles, e a digitalizar os registros – gravados, em grande parte, em fitas magnéticas.

Na internet
No fim de 2011, foi colocado no ar uma página eletrônica na internet com mais de 11 mil vocalizações do acervo já digitalizadas, com o objetivo de compartilhá-las e disponibilizá-las para a comunidade científica da área e interessados nesse “gênero musical”. O site já foi acessado por usuários de mais de 60 países.

“Os registros de vocalizações disponibilizadas no site ainda não possuem as informações climáticas que estamos recuperando. Em breve pretendemos atualizar a base de dados com novas informações”, afirmou Cugler.

Atualmente, o website permite o acesso às vocalizações para pesquisadores autorizados e o acesso público às informações gerais relacionadas a elas, como o nome da espécie e o local, dia e horário em que o som foi capturado ou as condições de gravação.

Os pesquisadores e o público em geral também podem solicitar aos curadores do acervo, por meio de um formulário eletrônico, os sons digitalizados.

Além de gravações de sons de animais mais comuns, como pardal e sabiá-laranjeira, o acervo possui vocalizações mais raras, que poucas pessoas conseguiram gravar na natureza, como as de uma onça-parda.

“O acervo preservou vocalizações gravadas em lugares onde as condições ecológicas hoje não são mais as mesmas. Dessa forma, ele conserva uma parte preciosa do passado da biodiversidade”, avaliou Cugler.

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