Reino Unido promove sua maior campanha em defesa das lojas físicas, principalmente as independentes, iniciando novo round na guerra travada contra as grandes redes de varejo e a internet
Por Vivian Oswald, correspondente em Londres | O Globo
O número 10 da Curzon Street, num edifício georgiano no elegante bairro londrino de Mayfair, é há 74 anos o endereço da tradicional livraria Heywood Hill. O estabelecimento, que pertence à mesma família desde que abriu as portas, em 1939, ficou conhecido por agitar a cena literária britânica já durante a Segunda Guerra. Até hoje a livraria, que ostenta o selo de fornecedora da rainha Elizabeth II, patrocina um importante prêmio literário e continua sendo ponto dos amantes da boa leitura, seja ela feita a partir de livros novos ou de edições raras.
Desde setembro, a Heywood Hill é um dos 1.028 estabelecimentos independentes a se engajar na maior campanha de que se tem notícia no Reino Unido para que os consumidores prestigiem as “livrarias de verdade”. “Books are my bag” (Os livros são a minha bagagem, em tradução livre) nada mais é do que um contra-ataque dos pequenos, que lutam para seguir funcionando a despeito da concorrência acirrada com a internet e as grandes redes de varejo, entre elas os supermercados, que já abocanham uma fatia importante dos mercados de países como os Estados Unidos.
Um terço das livrarias independentes fechou nos últimos cinco anos no país, praticamente uma por semana, pelas contas da Booksellers Association do Reino Unido e da Irlanda. Na vitrine da Kew Books, pequena loja na praça central de Kew, a 30 minutos de Londres, uma folha impressa alerta: “Pense antes de clicar”. E explica que, enquanto a Amazon gerou um faturamento de 7,6 bilhões de libras (cerca de R$ 12,3 bilhões) no Reino Unido nos últimos três anos sem recolher um centavo aos costumes, ela e a Barnes Bookshop, que pertencem ao mesmo dono, pagaram impostos suficientes no ano passado para financiar os estudos de uma enfermeira. “Com a sua ajuda poderíamos pagar os de um professor também”.
Enquanto a participação da internet no mercado britânico passou de 25,4% para 37,7% entre 2010 e 2012, o aumento foi ainda mais expressivo nos Estados Unidos, onde saltou de 25,1% para 43,8%. Em ambos os países, as livrarias independentes têm uma fatia inferior a 4% do mercado.
Pesquisa realizada pela Booksellers Association esse ano mostra que 88% dos leitores britânicos estão preocupados com o número cada vez menor de livrarias de bairro nos últimos cinco anos. E 91,7% deles defendem uma ação de apoio a estes estabelecimentos. O problema é que, embora três quartos do público considerem as ruas mais atraentes quando têm livrarias, as estatísticas da indústria confirmam que 77% das pessoas vão atrás de preços, o que faz a internet disparar na corrida pelo cliente.
— Não se trata de uma iniciativa para atacar a Amazon, mas é uma campanha para que se adote uma perspectiva positiva. Sim, os distribuidores de bairro no Reino Unido estão vivendo uma fase de intensa competição com as vendas online. Mas a ideia é mostrar o papel-chave das livrarias — disse o presidente da Booksellers Association, Tim Godfray.
A campanhia “Books are my bag” está sendo feita em colaboração com editores, livrarias, autores, agentes e várias celebridades que se deixaram fotografar carregando seus livros. A iniciativa foi abraçada pela gigante britânica de publicidade M&C Saatchi. Bandeirolas com slogan da campanha foram espalhadas pelas lojas, assim como as sacolas com os mesmos dizeres que estão sendo vendidas ou distribuídas aos clientes das livrarias de rua e nas universidades.
Os países da Europa têm formas diferentes de lidar com o mercado editorial, e uns são mais prejudicados do que outros, mas o fato é que todos estão às voltas com soluções para resolver esta disputa. Talvez essa seja a explicação para que Godfray venha recebendo representantes de outros países, do Brasil inclusive, atrás de detalhes da campanha.
De acordo com o estudo encomendado pela Booksellers Association, a batalha é mais feia quando os oponentes são a internet e as grandes redes de varejo, sobretudo de supermercados, que passaram a vender livros a preços muito mais baixos. No Reino Unido, onde não há cobrança de tributos sobre os livros e onde os preços são menores do que em outros países, já descontado o valor dos impostos, a internet continua ganhando espaço. O mesmo acontece na Holanda e na Suécia.
Na Holanda, onde a política de preço único acaba impondo menos flexibilidade para a competição com as margens, internet e grandes redes não conseguiram tomar tanto espaço das livrarias físicas. Na Finlândia, a questão é curiosa. Embora os preços sejam livres desde 1971, os supermercados, por exemplo, que já vendem livros há muitos anos, não oferecem a mesma ameaça do que aqueles recém-chegados de outros países. Outro fator importante ressaltado pelo estudo é que, com um público mais circunscrito, o mercado finlandês tampouco consegue jogar com preços pela quantidade.
Para a alegria dos pequenos estabelecimentos, 56% das decisões de se comprar um livro ainda são tomadas pelo consumidor dentro de uma livraria. E 40% dos livros adquiridos pelos leitores ainda vêm das livrarias de verdade, sejam elas as grandes cadeias ou as pequenas independentes.
A mensagem do marcador de livros entregue aos clientes da Heywood e de tantas outras apela para o lado sentimental do consumidor: “Quando você compra um livro de uma livraria, você tem o prazer de procurar vários outros antes de fazer a sua escolha. Você saberá como se sente sobre o livro, ao, bem, senti-lo; ler trechos dele antes...Você poderá ter recomendações sobre ele de alguém que talvez ame ainda mais os livros que você: o vendedor de livros do outro lado do balcão. Você fará parte de um processo que é uma parte vital da nossa cultura, nossa comunidade, e da nossa High Street”.
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