terça-feira, 12 de novembro de 2013

Música Pós-MP3

O formato digital para áudio revolucionou a indústria fonográfica, favoreceu a circulação de canções pela internet e aproximou o artista do público

Revista e

Hoje, após mais de uma década de popularização do MP3, a revolução que a criação do formato e a sua facilidade de reprodução provocaram na história da indústria fonográfica é inegável. O impacto no negócio das grandes gravadoras, assim como na comercialização e veiculação musical, também foi estrondoso. Mas a origem dessa transformação radical remonta à década de 1980.

Em 1988, a Organização Internacional para Padronização (ISO), entidade que aprova normas em todos os campos técnicos, reuniu um grupo de profissionais, o Motion Picture Expert Group (MPEG), para desenvolver um padrão de codificação digital de áudio e vídeo. Assim surge o MP3, abreviatura de MPEG-1, um dos tipos de arquivo mais eficazes no registro, armazenamento e transmissão de dados sonoros. Desde então, a inovação estimulou o surgimento de softwares de reprodução e transformação de CDs em MP3 na rede e a troca de arquivos musicais nos moldes P2P (entre quaisquer dois usuários da internet), que cresceu de forma exponencial até agora.

Em 2004, 34% do mercado mundial de CDs era composto de cópias piratas, o equivalente a 1,2 bilhão de unidades, e o Brasil, com 52%, era o quinto país com maior mercado ilegal de música, de acordo com dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica, conhecida pela sigla IFPI. Os números dão ideia da queda de lucratividade que a indústria fonográfica amargou graças à prática de compartilhamento de arquivos musicais, que colocaram em xeque o monopólio exercido pelas majors, as quatro empresas transnacionais responsáveis por 80% da produção mundial de música gravada: EMI, Universal/Vivendi, Sony/BMG e AOL-Time Warner. 

Esse panorama acarretou uma reestruturação da produção fonográfica, segundo a professora da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Márcia Tosta Dias, autora, entre outros, de Os Donos da Voz – Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura (Boitempo/Fapesp, 2000). Houve uma fragmentação da produção com a separação entre as áreas de gravação e distribuição física e a terceirização dos serviços, e as grandes empresas começaram a buscar em gravadoras independentes discos prontos para serem lançados. Ou seja, as transformações técnicas favoreceram as pequenas gravadoras e os selos independentes, que tradicionalmente concedem mais autonomia artística ao músico.

Vários suportes, novas práticas

Os maiores beneficiados dessas mudanças foram os artistas, que hoje têm muito mais liberdade para escolher como desenvolver e divulgar seu trabalho. “A facilidade e liberdade com que a música trafega atualmente deram um alcance muito maior para os artistas independentes, pois o contato com o público pode ser feito de forma quase direta, sem intermediários”, afirma o produtor e músico Daniel Ganjaman. Mas nem sempre foi assim.

“Durante muitos anos, a única forma possível de existir era fazendo parte do catálogo de uma gravadora, que, por sua vez, conseguia divulgar seus artistas pagando jabá para as rádios”, analisa o músico e saxofonista Thiago França, integrante do grupo Metá Metá junto com Kiko Dinucci e Juçara Marça e dos projetos Sambanzo e Marginals. “A internet democratizou o acesso à cultura, estreitou o laço entre público e artista.”

Ao mesmo tempo que o cenário mais descentralizado e a facilidade de divulgação auxiliaram o surgimento de novos artistas, a queda da venda de discos fez com que o músico tivesse que se adaptar e investir mais em shows. “Esse mesmo artista entende que o mercado de venda de discos já não supre os custos de produção do trabalho e tenta encontrar alternativas para tornar a coisa toda viável. Não existe mais um modelo de negócio e é muito importante que o artista entenda a necessidade de uma formação de público”, completa Ganjaman.

As possibilidades de veiculação de músicas se multiplicaram com o MP3. Alguns artistas optam por disponibilizar em streaming, em seus sites, alguns singles antes da comercialização de um CD, como é o caso de Arnaldo Antunes com Disco, lançado em outubro. Outros, como o baterista e compositor Mauricio Takara, do Hurtmold, com o projeto EP Fantasma do final de 2012, dão acesso a canções que não formam propriamente um álbum.

Já Thiago França lançou discos semelhantes aos bootlegs, formato que emula os registros “não oficiais” de bandas, experimentações sem pretensões comerciais, que atualmente são gravações de qualidade, lançadas intencional e gratuitamente. Com o grupo Metá Metá, além de colocar os dois discos na internet para download gratuito, vende os CDs e o vinil do segundo álbum, produzidos de forma independente, nos shows. “Hoje a gente tem liberdade pra criar. Eu posso gravar uma música só e colocar no meu SoundCloud, no Youtube, livre”, diz França. “Ao mesmo tempo, cada vez mais eu gosto do vinil, pois trouxe de volta o ritual, devolveu a atenção que a música merece, você contempla a capa, põe o disco na vitrola, coloca a agulha e entra no clima da apreciação.”

Para Márcia, da Unifesp, a grande circulação de música na internet promove não só um tipo de autonomização de faixas isoladas dos álbuns (via busca dos ouvintes) como um tipo de retorno do single. “Uma vez perdida a centralidade do álbum no conjunto da música gravada, muitos artistas parecem não ter mais pressa de gravar seus álbuns, optando pelo lançamento ocasional ou programado de singles para testar possibilidades, preparar o terreno para futuros empreendimentos ou comunicar-se musicalmente de maneira diferenciada com seu público”, afirma. “Nesse sentido, os álbuns podem surgir como simples coleções de singles concebidos isoladamente.”

França acredita que a imposição do CD como modelo de negócio para o artista, como ditado pela indústria, criou muito material dispensável. “O CD quebrou a lógica do ‘lado A/lado B’, mas também gerou uma cobrança por um volume maior na produção. Os discos passaram de 30, 35 minutos para 60, às vezes até mais”, diz. “Então os artistas gravavam 14, 15 músicas por álbum, mas o que interessava continuava sendo a música de trabalho.”

História dos suportes

Do compacto ao MP3, as formas de gravação musicais alteraram a dinâmica da indústria fonográfica

O Long Play (LP) ou disco de vinil surgiu, em 1948, como um aprimoramento técnico proposto pelas gravadoras, num momento em que elas eram responsáveis por toda a produção de música gravada no mundo. Popularizado na década de 1960, o LP era um suporte economicamente interessante às empresas, pois permitiu que o tempo de duração do disco passasse de quatro para 30 minutos.

Com isso, institui-se o padrão de três minutos para as canções. A extensão do espaço disponível para a gravação, no entanto, trouxe um diferencial artístico e estético que possibilitou uma verdadeira revolução na cultura musical contemporânea, coroando uma época de grande fertilidade e efervescência socioculturais. Com altos investimentos e sofisticadas condições técnicas, muitos artistas puderam dedicar-se à concepção e registro de álbuns autorais, muitos deles obras-primas dessa era da produção fonográfica.

O encontro das tecnologias digitais com a música gravada foi, da mesma forma, proposto pela indústria fonográfica por meio do Compact Disc (CD), como busca de mais um avanço técnico para os produtos. Comercializado a partir de 1983, o CD não traz uma mudança conceitual para o álbum fonográfico, como ocorreu na substituição dos compactos pelos LPs; porém, pelo fato de ser um suporte tecnologicamente mais sofisticado e, consequentemente, mais caro, sua popularização gerou um aumento de lucratividade para o setor. 

Pouco tempo depois, a produção cultural como um todo se encontrou com o processo mais amplo de constituição da internet e do decorrente trabalho de grupos constituídos e articulados em rede em torno da geração de dispositivos mais eficientes e ágeis para o compartilhamento de informações, como aquele que criou o MP3, abreviação da sigla MPEG-1.

A princípio, o impacto maior da circulação de cópias de CD não autorizadas e circulação dos arquivos musicais na internet propiciada pelo MP3 foi sentido no âmbito da administração da cultura. Ou seja, abalou a exclusividade que a grande indústria fonográfica usufruía na circulação e na proposição de conteúdos de música gravada. Como uma das consequências, há a aproximação dos artistas às formas de produção. Vale notar que, apesar do ritmo incessante de transformações nesta área, os suportes que circulam no mercado são os mesmos consolidados na fase áurea das majors.

Fonte: professora da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Marcia Tosta Dias.

Seleção virtual

Confira os sites em que é possível fazer download gratuito ¿ou ouvir por streaming músicas de artistas brasileiros

Projetos diversos
www.fugaunderground.com
www.amusicoteca.com.br
www.hominiscanidae.org
www.discotecanacional.com
www.palcomp3.com
www.eshardcore.com

Artistas e grupos
Bixiga 70 – www.bixiga70.com
Metá, Metá, Marginals, Sambanzo – www.thiagofrancaoficial.blogspot.com.br
Rafael Castro – www.rafaelcastro.com.br
Cícero – www.cicero.net.br
Passo Torto – www.passotorto.com.br
Arnaldo Antunes – www.arnaldoantunes.com.br
Vivendo do Ócio – www.vivendodoocio.com
Trupe Chá de Boldo – www.trupechadeboldo.com
O Terno – www.oterno.com.br
Mombojó – www.mombojo.com.br
Móveis Coloniais de Acaju – www.moveiscoloniaisdeacaju.com.br
Tulipa Ruiz – www.tuliparuiz.com
Marcelo Jeneci – www.marcelojeneci.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário