sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A Biblioteca Perdida (2)


Desde meados da década de 1990 o governo local de Alexandria havia estabelecido como meta revitalizar a cidade, para redimi-la da imagem que a maioria dos estrangeiros tinha do Egito: a de um país sem educação, pobre e incivilizado do Terceiro Mundo. Alexandria, que em épocas antigas fora uma das grandes capitais mundiais do comércio e da erudição, estava se tornando uma nova metrópole de cultura e exibição cívica.  As mesmas lojas caras que se observavam na Quinta Avenida em Nova York e na Oxford Street em Londres agora podiam ser vistas ano longo do calçadão da praia de Corniche em Alexandria, e cada novo prédio que era erguido na cidade era um representante da novíssima arquitetura, tão distante dos tijolos cozidos e das pirâmides quanto a imaginação podia alcançar.

A nova biblioteca era um bom exemplo. No desejo de recuperar algo de sua antiga reputação de centro mundial de conhecimento, a cidade havia, décadas antes, decidido construir uma nova biblioteca num local mais próximo possível de onde ficara a antiga. Mas a localização talvez fosse tudo o que a Bibliotheca Alexandrina deveria ter em comum com sua ancestral. A estrutura em si parecia, pelo que Emily podia adivinhar a partir das fotos, tão futurista quanto qualquer outra que ela havia visto. O prédio principal era um enorme disco de granito, que descia diagonalmente na direção do mar, tornando-se uma imagem, como a  literatura logo apontou, do sol do conhecimento nascendo das águas. Em torno de suas lateriais havia inscrições em mais de 120 línguas e alfabetos mundiais conhecidos, simbolizando a reunião de toda a coleção do conhecimento mundial, pela qual a biblioteca original fora famosa.

Não surpreendia nada que Michael adorasse aquela obra.

Cada número que Emily lia sobre a estrutura era assombroso. O disco central de granito tinha 160 metros de  diâmetro. Apenas a principal sala de leitura tinha uma área de 70 mil metros quadrados. A construção custara 220 milhões de dólares. A biblioteca tinha a capacidade para armazenar mais de oito milhões de livros. 

Quando a moderna Alexandria construía, ela o fazia em grande estilo, O que não a tornava muito diferente, pensou Emily, da antiga Alexandria. 

A grande diferença entre a antiga e a nova estava nas sociedades que estavam ligadas às duas bibliotecas. Na cidade antiga, a bilioteca era a favorita do rei, e a sociedade fazia o que as sociedades deviam fazer no mundo antigo: seguiam seu rei. Ptolomeu usava a biblioteca para engrandecer o império, e seu povo o seguia com avidez. Se eles seguiam por amarem o rei ou porque apreciavam sua biblioteca não fazia diferença no final. A biblioteca tinha o apoio da nação.

Entretanto, o Egito moderno pouco se parecia com o reino de Ptolomeu Sóter, e o preço assombroso da nova Bibliotheca Alexandrina não era o único detaque que tornara a construção um tema de acirrados debates nas ruas e nos escalões do governo.A mesma importância tinha a questão de exatamente o que ela devia ser, já que a maioria do povo de Alexandria permanecia analfabeta, e Alexandria já há séculos não era uma capital do conhecimento. O presidente da época, que permanecera no poder por um longo tempo, poderia tê-la custeado inteiramente, considerando sua existência como meio de recriar aquela reputação antiga, mas um presidente não é um rei, fato este que fora enfatizado pelo levante que desde então derrubara o governo. Se antigamente os Ptolomeus comandavam e o povo obedecia, o regime moderno foi obrigado a enfrentar eleições democráticas e as caricaturas feitas pela mídia internacional. Era um mundo diferente: um mundo que era volátil, manipulativo e inseguro.

Trecho do livro "A Biblioteca Perdida", de A. M. Dean (Prumo)

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