quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A nova indústria dos ebooks


Embora seja uma mina de ouro, há várias dúvidas sobre os rumos que esse tipo de atividade deve tomar nos próximos anos.

Eliseu Barreira Junior | Exame

A história do mercado editorial está prestes a ganhar um novo capítulo. Inspiradas em serviços como Netflix e Spotify, startups de tecnologia estão desenvolvendo plataformas que permitem aos leitores acessar uma infinidade de ebooks – quando e onde quiserem – em troca de uma assinatura mensal.

Mais que criar um novo padrão de consumo de conteúdo, essas empresas estão abrindo uma promissora fronteira de negócios para a indústria de livros. Elas pretendem vender informações sobre nossos hábitos de leitura para autores e editoras produzirem best-sellers.

Com base na análise de grandes volumes de dados, será possível responder a perguntas como: Quanto tempo as pessoas levam para ler um clássico de Machado de Assis? Pulamos capítulos para conhecer logo o assassino numa história de Agatha Christie? Qual passagem provoca o abandono de um título de Paulo Coelho? Retardamos a leitura do último volume de Harry Potter porque sabemos que não haverá sequência?

A nova indústria dos ebooks já conta com duas empresas – a Scribd, baseada em São Francisco, e a Oyster, de Nova Iorque. Por uma mensalidade de cerca de 10 dólares, o assinante pode navegar numa biblioteca digital com mais de 100 mil obras e ler quantos ebooks desejar em diferentes dispositivos. Os serviços repassam parte desse valor para os publishers de acordo com a porcentagem de leitura de cada livro. No caso da Oyster, se mais de 10% da publicação for lida, a editora é remunerada.

Segundo uma reportagem do The New York Times, o estudo do comportamento dos leitores por essas startups ainda está em fase inicial. Mas alguns insights obtidos, e revelados por elas ao jornal, dão uma amostra do potencial da iniciativa. Num futuro próximo, será possível escrever um livro totalmente adaptado aos gostos do público.

Eis as principais descobertas das empresas: quanto mais longo for um livro de mistério, maiores serão as chances de ocorrer um salto para os capítulos finais. As pessoas leem até a última página mais biografias do que publicações sobre negócios. Os leitores são 25% mais propensos a terminar ebooks divididos em partes menores. A velocidade de leitura de livros eróticos é maior do que a de romances e títulos religiosos.

Embora seja uma mina de ouro, há várias dúvidas sobre os rumos que esse tipo de atividade deve tomar nos próximos anos. Uma delas passa pelo direito à privacidade. Apesar de prometer o anonimato, as políticas de uso desses serviços preveem a coleta, transferência, manipulação, armazenamento e divulgação de informações com o consentimento dos leitores. Estamos dispostos a nos expor sem ganhar nada em troca?

Existe também um forte questionamento sobre a perda do processo criativo dos autores. O alinhamento cego aos desejos do público poderia nos privar do surgimento de obras-primas da literatura. Abriremos mão da escrita intuitiva e emocional em nome de uma produção técnica, baseada em algoritmos?

Por fim, a subordinação dos publishers a essas plataformas é motivo de preocupação. Detentoras dos dados, elas ganhariam força para determinar quais livros seriam produzidos e o valor da comissão das editoras. O mundo literário quer se render a esse modelo disruptivo?

Até agora, as editoras estão divididas. HarperCollins e Smashwords já fecharam com Oyster e Scribd, mas Penguin Random House e Simon & Schuster estão longe de um acordo, diz o The New York Times.

Nesse cenário, Amazon e Barnes & Noble correm por fora. Hoje, as duas empresas coletam várias informações dos usuários de seus e-readers e mantêm a propriedade sobre elas, diferentemente do que as startups pretendem fazer.

Isso pode mudar em breve: a Amazon estaria planejando o lançamento de um serviço semelhante ao das concorrentes. Por um valor mensal, teríamos acesso a um gigantesco catálogo de livros – e as editoras receberiam relatórios sobre nossos hábitos de consumo.

A nova indústria dos ebooks mostra que ferramentas nos moldes da Netflix estarão em alta em 2014. Depois do cinema, da música e da literatura, o jornalismo deve surfar nessa onda. A assinatura pela consulta ilimitada a acervos de conteúdo e a venda de dados dos usuários serão fontes de receita alternativas para organizações de mídia na Internet.

Esse quadro representará uma enorme quebra de paradigma para empresas acostumadas a comercializar produtos individualmente. Poderemos assinar um pacote de revistas sobre esporte, economia, moda e política, por exemplo, pelo mesmo valor cobrado por apenas uma delas hoje. Um novo tipo de experiência, totalmente virtual, pautará as redações e a publicidade que veremos.

As oportunidades são animadoras para indústrias em luta pela sobrevivência no meio digital. Só ficará para trás quem não quiser enxergá-las.

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