quinta-feira, 22 de maio de 2014

Crise no jornalismo estimula aumento de blogs científicos

Avaliação foi feita em painel sobre o uso de mídias sociais na comunicação da ciência durante a 13th International Public Communication of Science and Technology (foto: blog Diálogos c/ Ciência)

Elton Alisson | Agência FAPESP 

A crise pela qual passa o jornalismo mundial, causada em parte pela convergência para novas plataformas digitais, tem afetado a cobertura jornalística de ciência e estimulado o surgimento de blogs científicos em diversos países, inclusive no Brasil.

A avaliação foi feita por Juliana Santos Botelho, pesquisadora e coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Científica (CCC/Cedecom) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um painel sobre o uso de mídias sociais na comunicação da ciência durante a 13th International Public Communication of Science and Technology (PCST), realizada entre os dias 5 e 8 de maio em Salvador, na Bahia.

Com o tema central “Divulgação da ciência para a inclusão social e o engajamento político”, o encontro ocorreu pela primeira vez na América Latina e reuniu pesquisadores de mais de 50 países para debater práticas e estratégias de comunicação e divulgação científica adotadas em diferentes partes do globo.

“Há um crescimento do número de blogs de ciências no mundo, especialmente nos países que falam inglês, e a crise no jornalismo mundial tem contribuído para esse aumento”, disse Botelho, que também mantém, o blog Diálogos com Ciência e realizou um estudo sobre 150 blogs no Brasil.

De acordo com dados apresentados pela pesquisadora, a crise no jornalismo mundial tem causado um alto número de demissões em massa e a redução do número de jornalistas em atuação nas redações dos grandes veículos de imprensa em todo o mundo, incluindo os do Brasil.

Uma das principais consequências desse processo, na avaliação dela, é um número cada vez menor de jornalistas cobrindo um número cada vez maior de assuntos.

Em razão disso, a cobertura de ciência nos grandes veículos perdeu espaço editorial nas páginas dos grandes jornais e no noticiário das emissoras de rádio e de televisão.

“Essas mudanças têm causado impactos na cobertura de ciência feita pelos grandes veículos de comunicação, em termos de qualidade, em todo o mundo”, avaliou Botelho.

De acordo com a pesquisadora, outra consequência sensível do impacto da crise do jornalismo na comunicação da ciência é a homogeneização cada vez maior da cobertura jornalística do assunto.

Com a redução do número de jornalistas nas redações, os veículos de comunicação de diversos países têm recorrido cada vez mais a materiais jornalísticos padronizados sobre ciência produzidos por agências de notícias internacionais, apontou Botelho.

O problema é que os veículos recebem o mesmo tipo de material que seus concorrentes, que também compram das agências de notícias, e fazem pequenas adaptações.

Na maioria das vezes, as matérias sobre ciência produzidas pelas agências de notícias internacionais são relacionadas à produção científica de países do hemisfério Norte, ressaltou Botelho.

“Os pesquisadores brasileiros não aparecem na maior parte das matérias sobre pesquisas científicas publicadas no Brasil, por exemplo. E, quando aparecem nas notícias sobre ciência, é para comentar os resultados de estudos que foram publicados por pesquisadores de países do hemisfério Norte”, avaliou.

Crescimento dos blogs

A fim de suplantar a perda de espaço editorial dedicado à ciência, especialmente na mídia impressa, e aumentar a divulgação de resultados de pesquisas realizadas por cientistas brasileiros, tem aumentado o número de blogs de ciência no Brasil, apontou Botelho.

O número de blogs de ciência brasileiros, contudo, ainda é bem menor do que o número de blogs nos Estados Unidos e na Europa. E as políticas editoriais para os blogs ainda são muito incipientes no Brasil, destacou a pesquisadora.

“No Brasil não temos políticas editoriais muito estruturadas para blogs em geral e para os blogs científicos como as implementadas por veículos de imprensa e instituições universitárias de países como os Estados Unidos e Reino Unido”, comparou Botelho.

Segundo a pesquisadora, alguns veículos de comunicação têm optado por cientistas (ou pessoas de outras áreas que nunca tinham usado blogs) para serem seus blogueiros colaboradores.

Outras especificidades dos blogs de ciência brasileiros, de acordo com Botelho, é que eles são bastante independentes. Em sua maioria, não estão ligados a empresas de comunicação ou instituições.

O volume de notícias publicadas pelos blogs científicos brasileiros presentes nos veículos de comunicação também é menor do que o de outros blogs independentes no país. A publicação nos blogs da imprensa é constante, mas não é muito frequente. O que mais chama a atenção da pesquisadora nos blogs de ciência no Brasil, contudo, é a falta de interatividade.

“Isso pode ser uma característica cultural do Brasil”, avaliou Botelho. “Geralmente as pessoas se sentem mais à vontade para postar seus comentários em redes sociais, como o Facebook e o Twitter, mas não nos blogs”, disse Botelho.

A pesquisadora ressaltou, no entanto, que, apesar da importância dos blogs científicos para aumentar a difusão da comunicação de ciência, eles não devem substituir a cobertura jornalística de ciência pelas mídias tradicionais, como jornal, rádio e televisão.

Isso porque esses meios de comunicação já possuem público cativo e abordam assuntos científicos com maior frequência do que os blogs científicos, apontou Botelho.

“Os blogs científicos possuem um papel muito importante de experimentação de novos formatos de publicação e de estilos de escrita. Mas não devem, de forma alguma, substituir a cobertura jornalística sobre ciência e sim complementá-la”, afirmou. 

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