terça-feira, 13 de maio de 2014

Nada substitui a livraria


Toda vez que compro um ebook na Amazon, sinto como se apunhalasse uma pequena livraria nas costas.

André Barcinski | R7

Mas é difícil evitar. Para quem mora no Brasil e compra livros importados, adquirir títulos pelo Kindle, o leitor eletrônico da Amazon, é a opção mais rápida, barata e eficiente.

Dia desses, comprei a versão ebook do clássico romance policial “The New Centurions”, estreia de Joseph Wambaugh, por cinco dólares. Três cliques, e o livro estava à disposição. A versão física, com entrega no Brasil, custaria quatro vezes mais e levaria um mês para chegar.

Por outro lado, sei que a Amazon está exterminando pequenas livrarias mundo afora, oferecendo preços e condições que elas não têm condições de cobrir.

Como balancear a economia e facilidade oferecidas por uma megacorporação como a Amazon, com o necessário apoio a pequenas livrarias? É uma equação que todo leitor precisa fazer.

Da minha parte, tento sempre comprar de lojas menores. No Brasil, uso quase exclusivamente o site Estante Virtual, que reúne milhares de sebos de todo o país. Quando viajo ao exterior, pelo menos duas vezes por ano, encho a mala de livros adquiridos em lojas que não são de redes. Pode custar um pouco mais que comprar na Amazon, mas é um preço pequeno a pagar pela sobrevivência de livrarias que não se interessam só por best sellers.

Até porque a Amazon, que começou há 20 anos como um serviço de vendas de livros pela Internet, não o fez por amor à literatura, mas por ser um caminho mais fácil e eficiente para obter perfis detalhados de usuários e, assim, pôr em prática o plano de se tornar uma líder mundial no comércio online.

O plano deu certo. Usando registros de milhões de compradores de livros, a empresa criou perfis de consumo para cada um, e passou a oferecer os produtos mais variados. Hoje, é o maior vendedor online do mundo, oferecendo de computadores a cuecas, de xampu a sementes de alface.

Mas algumas coisas a Amazon não oferece. E a principal delas, na minha opinião, é um sistema confiável de dicas de produtos.

Faça um teste: vá agora à lista de livros mais vendidos da Amazon e tente achar algum título com uma cotação menor do que quatro estrelas (em cinco possíveis). Alguém acredita que todos os livros na lista merecem, ao menos, nota oito?  Ou vivemos a época mais gloriosa da história da literatura, em que todos os escritores são Shakespeares e Balzacs, ou alguma coisa está muito errada com as avaliações.

Dia desses, li um artigo que dizia que 30% de tudo que é escrito na Internet é propaganda disfarçada. A exemplo da maioria dos grandes vendedores online, a Amazon tem equipes de profissionais que escrevem as críticas que acompanham os livros. Sites que reúnem avaliações de usuários, como o Yelp, acabam indicando sempre o mais popular, e não o melhor.

Quando o leitor busca uma indicação de livro na Amazon, ele escolhe um tema e, na maioria das vezes, é levado a comprar o título mais vendido dentro do assunto pesquisado.

Muito mais eficiente que um sistema informatizado de buscas é um vendedor bem informado, capaz de identificar o tipo de livro que pode agradar ao cliente e sugerir títulos e autores que este não conhece.

Estou em São Francisco, cidade de grande tradição literária e de excelentes livrarias.  E é lindo entrar numa livraria de rua (sim, aqui elas não ficam só dentro de shoppings) e perceber que os títulos em destaque não são best sellers empurrados pelas editoras, mas os preferidos da equipe da loja.

Na Dog Eared Books (900 Valencia Street), adorada livraria da região da Mission, a primeira coisa que o cliente vê ao entrar não é uma gôndola com mil cópias de “Cinquenta Tons de Cinza”, mas uma estante de autores locais. A vizinha Borderlands Books (866 Valencia Street) é especializada em fantasia, ficção-científica, horror e mistério. Dá vontade de levar tudo.

Na pouco falada Bird and Beckett (653 Chenery Street), loja charmosa que vende discos de jazz e livros, o vendedor indicou seus títulos prediletos de um autor que eu sempre quis ler, mas ainda não conhecia, o satirista Carl Hiaasen. Na Green Apple Books (506 Clement Street), a seção em destaque é a de “Escolhas do Staff”. Dos vinte e tantos livros expostos, eu não havia lido nenhum e nunca tinha ouvido falar de mais de metade dos autores.

Agora, emocionante mesmo é subir ao terceiro andar da mitológica City Lights, ponto de encontro dos beats e uma das grandes livrarias independentes dos Estados Unidos, e ver a coleção de títulos sobre o movimento beat e a contracultura, ou descer ao subsolo e babar com a seção de música. Só a estante de biografias de artistas de blues tinha cerca de 200 livros. A de biografias de jazzistas era duas vezes maior. A seção de “Surrealismo” tinha oito títulos sobre Marcel Duchamp. A seleção da loja privilegia pequenas editoras, que ficam escondidas no sistema das imensas lojas online.

A função de uma livraria não é só vender os livros que o cliente deseja, mas expandir os horizontes do leitor para o que ele não conhece. E ainda não inventaram uma maneira melhor de descobrir coisas novas do que explorar estantes de verdade, e não virtuais.

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