domingo, 14 de setembro de 2014

Ao infinito e além

Fervoroso  difusor da ideia de liberdade de informação para todos, o co-fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, se diz extremamente orgulhoso com o impacto da enciclopédia virtual na educação mundial e tem como objetivo atual encorajar a mídia a ser mais séria e expandir as páginas em países em desenvolvimento

Pedro Caiado | Revista da Cultura


Fundada em 2001, a Wikipedia introduziu uma ideia ambiciosa: compilar a soma de todo o conhecimento humano em uma enciclopédia online. Graças a colaborações de voluntários, os Wikipedians, a ideia pegou, principalmente após a tragédia das Torres Gêmeas, de 11 de setembro, quando centenas de páginas foram criadas. Passados 13 anos, o site tornou-se referência mundial para qualquer pesquisa. A própria enciclopédia Britannica decretou seu fim em 2012 após 244 anos como referência. Hoje, é praticamente impossível não esbarrar nas páginas da enciclopédia virtual durante uma rápida consulta ao Google. Mas, com tanta informação disponível online, qual seria o impacto da Wikipedia na educação do planeta?

“A cultura da Wikipedia é apresentar material de qualidade. Isso é parte de quem somos e é o que nos faz ser tão orgulhosos”, disse Jimmy Wales, americano de 48 anos cofundador do site, durante entrevista em Londres. Nativo do Alabama, ele é um fervoroso difusor da ideia de liberdade de informação há mais de uma década. Ex-entusiasta do mercado financeiro, Wales investiu em diversos projetos na era da bolha.com (incluindo um site de pesquisas). Um de seus investimentos, a Wikipedia, logo criou vida própria. Administrada pela Fundação Wikimedia, que tem escritórios em 33 países – como Índia e China (mas ainda não no Brasil) – a enciclopédia tem como objetivo atual focar no próximo bilhão de leitores. Como? “Queremos expandir para páginas de línguas nos países em desenvolvimento”, revela Wales sobre o site que tem páginas até em Latim.

Apesar de fundador, Jimmy não é o típico multimilionário do mundo da tecnologia e passa longe de perfis como os de seus colegas Mark Zuckerberg e Larry Page (Facebook e Google respectivamente). Oficialmente, Wales tem uma fortuna estimada em apenas U$ 1 milhão (Zuckerberg e Page têm fortunas estimadas em torno de U$30 bilhões). Entretanto, Wales se orgulha de deixar o dinheiro de lado. “Sou um geek da computação; viajo e faço coisas interessantes. Não sei o que eu faria se tivesse muito mais dinheiro”, confessa modestamente.

Apesar de ter criado o sexto website mais visitado do planeta, ele não recebe salário da fundação que ajudou a criar. A organização sem fins lucrativos Wikimedia vive de doações – U$50 milhões por ano –, que ajudam a manter os servidores das páginas da enciclopédia e um grupo de administradores e pesquisadores. Não há ações nem acionistas. Se a Wikipedia não fosse uma fundação de caridade, certamente teria um valor de mercado que ultrapassaria bilhões de dólares. “Se o site sofrer problemas de arrecadação, eu consideraria incluir alguma publicidade certamente, mas atualmente não precisamos”, explica ele.


Um errinho aqui, outro ali

Um problema constante enfrentado pela enciclopédia virtual é o vandalismo sofrido por certas páginas e a inserção de dados incorretos. “Normalmente, páginas vandalizadas são trancadas e só podem ser editadas por usuários registrados. Mas não gostamos de trancar páginas de assuntos importantes, como a do conflito da Síria, pois achamos que a Wikipedia é um espaço para diálogo inteligente com base em fontes confiáveis.” Wales é também um editor ativo, ajudando na correção de páginas com informações inexatas.

Perguntado sobre o que pensa da atual realidade em que a internet e a Wikipedia podem contribuir como um desserviço para a educação, Wales é enfático: “Não há dúvida de que há muitas informações erradas na internet. Os jovens são incrivelmente apaixonados pela Wikipedia; vejo isso quando faço palestras em escolas. O que me preocupa atualmente é a mudança de comportamento em relação ao consumo de notícias em que leitores se mostram mais interessados em consumir curiosidades bobas”, rebateu. “Tenho preocupação sobre a qualidade do que está disponível online”, disse ele, defendendo que a exatidão das informações na enciclopédia online pode ser comparada com a da enciclopédia de papel.

Recentemente, alguns casos trouxeram a Wikipedia à frente do noticiário, como o da edição de páginas de jornalistas, feitas de computadores de dentro do Planalto e a controversa selfie de um macaco. O fotógrafo do famoso selfie entrou em disputa com a Wikipedia por direitos autorais – ele afirma que a Wikipedia se recusou a remover a imagem do macaco, levando-o a perdas de direitos autorais. A Wikipedia afirma que a imagem é de domínio público, pois foi fotografada pelo macaco. Wales rebate: “As notícias informando que a Wikipedia afirma que detém os direitos da foto são falsas. Nós não falamos. Os jornais inventaram a notícia. Espero não estar fazendo parte disso. Nós queremos informação de qualidade. Vamos encorajar a mídia a ser mais séria”.

E, para os jornalistas, ele manda um recado: “Está na hora de eles perceberem a importância das notícias que produzem. Muitas delas serão usadas como fontes na Wikipedia. É hora de parar de produzir conteúdo sem sentido, somente para entretenimento passageiro, e olhar de uma maneira séria, pois esse conteúdo será referência para milhões de pessoas por um longo período”. Entretanto, pode-se apontar que a Wikipedia contribuiu também para um ciclo, em que jornalistas se baseiam em seu conteúdo para publicar artigos e frequentemente propagam erros do site  também na mídia tradicional. “Deveríamos ficar preocupados com isso, mas temos que alertar as pessoas para serem mais críticas quanto às fontes.”

As causas de Wales

A batalha atual do fundador da enciclopédia virtual é a expansão em países em desenvolvimento. “O número de pessoas conectadas atualmente nestes locais é incrível. Mas ainda há muito problema para acessar páginas online em seus idiomas, pois há poucas informações em algumas delas e esse é o desafio da comunidade. Esse é o desafio mais excitante para mim no momento.”

A recente lei europeia que dá direto ao cidadão de pedir ao Google para apagar informações que julgam errôneas na internet é também uma luta pessoal de Wales. “Essa lei é insana! Nós temos uma situação típica em que políticos incompetentes escreveram uma legislação incoerente sem consideração aos direitos humanos e à parte técnica.” Os pedidos de remoção de dados sob a lei que entrou em vigor em maio deste ano são, na maioria, de pessoas comuns. Desde então, o Google anunciou a criação de um comitê para avaliar a genuinidade destes pedidos, do qual Wales fará parte. “Nós não vamos decidir sobre pedidos de indivíduos, mas vamos emitir recomendações”, disse ele, sem especificar quais.

Hoje, a Wikipedia conta com aproximadamente 35 mil colaboradores voluntários e um número crescente de colaboradores digitais, os bots – programas criados para procurar e sugar conteúdo de outras fontes. Um deles, criado na Suécia por um professor, é responsável por 2,7 milhões de artigos, e muitos deles catalogam espécies de plantas. Atualmente, o site tem 4,5 milhões de páginas em inglês, 835 mil em português e 285 mil em outras línguas. Algumas, como no checheno, tem apenas 50 mil páginas. A língua nigeriana Igbo tem apenas mil, e páginas escritas em latim estão em torno de 100 mil.

9 entre 10 colaboradores são homens

A Wikipedia tem sofrido uma debandada nos últimos anos: o número de voluntários sofreu uma queda de um terço desde 2007, resultando na falta de atualização e criação de páginas. Outro problema é a maioria masculina de voluntários – atualmente em torno de 90%. Páginas como estrelas da pornografia ou do personagem Pokémon são extensas, ao contrário de páginas sobre escritoras famosas ou lugares da África subsaariana, que são ainda restritas. A jornalista de 34 anos Oona Castro é uma das editoras e defensoras da Wikipedia no Brasil. Ela sustenta que a enciclopédia precisa de mais mulheres editoras para aumentar a presença feminina, tanto originária do Brasil quanto do restante do mundo. “É difícil explicar por que há poucas mulheres contribuindo para a Wikipedia. Verbetes sobre mulheres são eliminados por falta de referência externa”, explica. “Mas, ainda assim, acho que o site consegue produzir uma variedade de conhecimento muito maior do que a da mídia tradicional”, afirma.

A Wikipedia em números

454 milhões de leitores no mundo
20,6 milhões de verbetes
13,6 bilhões de páginas vistas por mês
8.371 novos verbetes por dia
100 mil editores voluntários
282 idiomas
573.568 doadores

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