quarta-feira, 18 de março de 2015

Entrevista com William Gibson


O escritor fala sobre os 30 anos de 'Neuromancer' e o lançamento de seu último livro 'The Peripheral'

por Evandro Furoni | Galileu

Um homem invade uma base de dados virtual para descobrir informações secretas de grandes organizações e acaba perseguido por todo o sistema. Poderia ser a sinopse de um novo filme ou mesmo um boletim do Jornal Nacional (oi, Snowden), mas é, na verdade, a base da obra do escritor canadense William Gibson — especialmente de Neuromancer, clássico que já antecipava elementos da internet atual quando foi lançado em 1984. 

Considerado um dos autores mais influentes da ficção científica, Gibson lança no Brasil o livro que encerra a trilogia Blue Ant, História Zero, e conversa com Galileu sobre sua nova obra, The Peripheral, lançada em outubro do ano passado nos EUA e que deve chegar por aqui em 2016, pela Editora Aleph. E, apesar de evitar destacar o caráter visionário de sua obra, ele não esconde a alegria de ver mais uma das suas previsões virar realidade: o fato de que países emergentes, como o Brasil, se tornam cada vez mais importantes no cenário internacional.

P: Você já disse que o passado descrito pelas pessoas agora não reflete necessariamente como a sociedade se via na época. Qual é a diferença entre a sua visão de mundo hoje comparada com a que tinha quando escreveu Neuromancer?
Neuromancer é um produto do fim da Guerra Fria. Eu estava tentando imaginar um mundo que de algum modo tivesse conseguido evitar uma guerra nuclear que na época parecia inevitável. Hoje, a ameaça de uma guerra nuclear está praticamente esquecida, e a resolução foi muito simples se comparada com a complexidade sistêmica imposta pelo aquecimento global, por exemplo.

P: Incomoda ser chamado de visionário e pai do cyberpunk?
De fato eu tive algumas visões de algo vagamente parecido com o que a internet acabou se tornando, mas elas não estavam 100% corretas. Já o rótulo de “cyberpunk” não foi minha ideia, apesar de minhas ideias serem possivelmente muito cyberpunks. Na época, eu estava apenas procurando alternativas para revitalizar a ficção científica como algo pop.

P: Em um mundo em que WikiLeaks e Edward Snowden são debatidos constantemente, você acha que aumentou o interesse pelas histórias que você escreveu 30 anos atrás?
Eu gosto de pensar que contribuí de algum modo para construir uma literatura capaz de examinar essas tendências da nossa sociedade de modo um pouco mais realista.

P: Você acha que países como Brasil, Índia e China têm uma relação diferente com a ficção científica do que os Estados Unidos?
Sim, definitivamente, e eu fico muito feliz com isso. Um dos meus objetivos com Neuromancer era encorajar a publicação de ficções científicas em outros locais que não eram, por definição, os EUA.

P: Na sua obra, é comum que personagens e incidentes de histórias anteriores retornem. É mais difícil contar uma história em um universo que vai ficando mais complexo com o tempo?
Não, na verdade é mais fácil, já que minimiza o problema da “tela em branco”. As narrativas existentes parecem produzir mais narrativas por sua própria vontade.

P: Com a revolução tecnológica no início deste século, você vê um interesse na ficção científica semelhante ao visto nos anos 70 e 80?
Nos dois períodos, nós vemos a linguagem da imaginação científica como um elemento da cultura popular. Mas eu tenho dúvidas sobre o quanto esse interesse realmente recuou depois da Revolução Industrial. De fato, existem picos em vários momentos, mas tenho a sensação de que o interesse nunca desapareceu completamente. 

P: É um desafio para os escritores implementar nas narrativas as possibilidades das novas tecnologias de leitura, como os tablets?
Dada a ênfase que havia nos anos 80 sobre o futuro do hipertexto, eu acho notável, visto que vivemos agora em um mundo que consiste basicamente de hipertextos, que a maioria das histórias se mantenha no formato tradicional.

P: Você tinha abandonado a ficção científica na trilogia Blue Ant. Por quê? E o que fez você voltar para ela em sua nova obra, The Peripheral?
Eu há muito tempo assumi que quando estava escrevendo ficção científica, estava na verdade usando os mecanismos da ficção científica para entender e mostrar uma realidade contemporânea. Estas últimas três tentativas de livro são, digamos assim, “romances especulativos de um passado muito recente”, enquanto The Peripheral é um experimento um pouco mais tradicional: uma tentativa de escrever ficção científica no século 21.

ENTRE FILMES E VIDEOGAMES
Três obras de ficção científica influenciadas por William Gibson


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