segunda-feira, 30 de março de 2015

SciELO Livros: Mais de 34 milhões de downloads depois...

Portal SciELO Livros: "um espaço que favoreça condições de validação do livro científico", segundo o editor executivo da Editora Fiocruz, João Canossa (Foto: Divulgação / SciELO Eventos)


Fernanda Marques | Fiocruz

Ao completar três anos no ar, portal SciELO Livros comemora visibilidade e disseminação do livro acadêmico brasileiro, e se prepara para os desafios de consolidar e expandir o projeto   

Há três anos, em março de 2012, entrava no ar o portal SciELO Livros (http://books.scielo.org/), fruto de uma parceria do SciELO com três editoras universitárias brasileiras: a Editora Fiocruz, a Editora Unesp e a Edufba. Iniciativa sem similar em outros países, o SciELO Livros tinha como objetivo preencher uma importante lacuna: a criação de um sistema nacional de indexação de livros acadêmicos de qualidade, com mecanismos para promover a visibilidade e a disseminação das obras, bem como para avaliar o desempenho dos títulos. Passados três anos, mais seis editoras universitárias do país aderiram ao projeto e o portal já oferece mais de 350 e-books em acesso aberto, que contabilizam cerca de 34,6 milhões de downloads. “O balanço é positivo: tem sido uma experiência de bastante sucesso, o que demonstra que o nosso objetivo é factível, embora ele ainda não tenha sido plenamente atingido”, avalia o coordenador do SciELO, Abel Packer.

Para Packer, o principal desafio do SciELO Livros, hoje, é vencer as dificuldades que impedem não só a adesão de um maior número de editoras universitárias ao projeto, mas também uma participação mais efetiva daquelas que já fazem parte da iniciativa. “O portal precisa oferecer uma cobertura ainda mais ampla, com um volume maior de títulos e livros mais atualizados. Só assim teremos uma massa de dados suficiente para gerar parâmetros comparativos e fazer uma análise consistente sobre o desempenho de nossas publicações”, afirma.

Não faltam argumentos para convencer sobre as vantagens de integrar o SciELO Livros. “Produzir e publicar e-books é uma tarefa que, sozinhas, muitas editoras universitárias brasileiras não conseguiriam operacionalizar”, comenta Packer. A força dessa ação coletiva fica ainda mais evidente quando se observa que os e-books da coleção SciELO já pertencem ao “ecossistema internacional dos livros”, figurando em algumas das mais importantes bases de busca do mundo, como DOAB, ExLibris, EBSCO Discovery e EBSCO A-to-Z.

Destacam-se também Amazon, Google Play e Kobo Books, por meio das quais ocorre a comercialização de e-books da coleção SciELO. São os internautas no Brasil os que mais acessam a coleção SciELO através dessas bases, mas há registros de downloads provenientes de mais de 50 países, como Portugal, Estados Unidos, Itália etc.

“Creio que o momento é o de florescer. Foi feito um investimento de vulto na construção desse ‘ambiente’. O ideal é que agora novas editoras e seus livros e autores se somem. É o que dará sentido ao esforço e é o que garantirá fôlego para o que se quer ao fim e ao cabo: um espaço que favoreça condições de validação do livro científico”, afirma o editor executivo da Editora Fiocruz, João Canossa, atual presidente da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu).

Modelo híbrido

Uma das dificuldades para a expansão do SciELO Livros está relacionada à gestão, especialmente à gestão financeira. As editoras universitárias não objetivam o lucro e contam com recursos orçamentários das instituições às quais são vinculadas. Muitas vezes, porém, esses recursos não são suficientes e as editoras universitárias precisam operar dentro da lógica de autossuficiência ou autofinanciamento, isto é, precisam gerar alguma receita para cobrir parte dos custos de suas atividades. “Nesse contexto, o SciELO Livros só se tornou viável a partir de um modelo híbrido, onde os títulos em acesso aberto convivem com outros em acesso comercial”, explica Packer. Os e-books em acesso comercial têm preços, em média, 40% abaixo do valor do exemplar impresso.

“Para além dos desafios das editoras universitárias, que não são poucos, muitas delas, especialmente as públicas, têm que estar em um espaço público mas com algum nível de inserção na lógica privada (leia-se aí distribuidores e livrarias). Isto é: o desafio não é apenas o da autossustentabilidade; é também o de garantir algum, pequeno que seja, espaço de prateleira em livraria para alcance do leitor. Livro que não chega à mão do leitor perde boa parte de seu sentido de existência”, acrescenta Canossa.

São os títulos em acesso aberto os responsáveis pelo maior volume de downloads. Consideradas as três bases de comercialização – Amazon, Google Play e Kobo Books –, houve um total de 187 mil downloads dos e-books em acesso aberto, contra menos de 3 mil daqueles na modalidade comercial. Segundo Packer, ainda é cedo para dizer se essa diferença representa um melhor desempenho dos títulos em acesso aberto no que se refere a citações e outras métricas de impacto.

O coordenador do SciELO aponta outros caminhos possíveis para o incentivo ao acesso aberto. Um deles seria publicar os livros, inicialmente, em formato eletrônico e acesso aberto e, depois, selecionar aqueles que seriam impressos e comercializados. Outra alternativa seria prever financiamento para a publicação de livros desde a concepção dos projetos de pesquisa, de modo que os livros acadêmicos deixassem de ser encarados como subprodutos circunstanciais ou acidentais e as editoras universitárias não fossem mais vistas como meras instâncias burocráticas. “É preciso resgatar o protagonismo dessas editoras na cadeia de produção do conhecimento científico”, defende Packer.

“O acesso aberto está na ordem do dia. E, cá pra nós, como diz a garotada, demorou! Há tempos a Editora Fiocruz se preocupa com a questão, tanto que foi uma das primeiras a ter em seu site livros em acesso aberto de forma experimental. Depois partimos para o SciELO, onde, atualmente, temos praticamente metade do catálogo depositado, parte em acesso totalmente livre, a outra em acesso bem facilitado (o que não deixa de ser uma forma importante de acesso, não podemos esquecer)”, afirma Canossa.

Avaliação acadêmica

Uma análise a partir da coleção SciELO Periódicos revela que, em determinadas áreas do conhecimento, a produção e citação de livros ainda é muito importante. Entretanto, no atual modelo de avaliação acadêmica, fortemente baseado na produtividade, a presença e percepção do valor do livro sofreram um duro golpe. Em comparação ao artigo em periódico, o livro teve uma importante perda de prestígio no sistema nacional de avaliação.

“É notório que o nosso livro acadêmico precisa ser mais bem agasalhado, protegido... Ele está carente de uma política de inovação nos âmbitos federal e estaduais”, alerta Packer. O SciELO Livros é justamente uma proposta de inovação. “Contribuir para a revalorização do livro acadêmico é o que queremos, inclusive na perspectiva de estabelecer mecanismos de avaliação. Talvez esse seja o principal argumento em defesa da adesão ao SciELO Livros”, resume.

“A Abeu tem estado atenta aos movimentos do mercado e da sociedade em geral. Precisamos garantir políticas de Estado para o livro, para a leitura, para a formação de leitores – e, preferencialmente, de leitores plenos. Cansamos de correr atrás, resolvemos sentar juntos, e nos colocamos em diálogo com as entidades do livro, para fortalecer a cadeia produtiva e distributiva e, por conseguinte, defender aqueles que nos são caros”, comenta Canossa.

Editora Fiocruz no SciELO Livros

Dos 34,6 milhões de downloads do SciELO Livros, 20 milhões foram de títulos da Editora Fiocruz, uma das precursoras do projeto. O número de livros baixados vem aumentando ano após ano: 856 mil em 2012, 7,2 milhões em 2013 e 11 milhões em 2014. Só nos dois primeiros meses de 2015 já foram contabilizados 950 mil downloads.

“Os números são muito democráticos. Dependendo da perspectiva, sempre uma editora diferente estará em posição de destaque. A Editora Fiocruz, por exemplo, é a que tem o maior número de livros baixados no geral. Por sua vez, a EDUEPB é a que tem mais livros em acesso aberto baixados a partir da base Google Play. Todas as demais participantes – Edufba, Editora Unesp, Eduel, EdUFSCar, FAP-Unifesp, Eduem e Editora Mackenzie – têm seus destaques”, sublinha Canossa.

Os três e-books mais baixados da Editora Fiocruz – O Recém-Nascido de Alto Risco: teoria e prática do cuidar, Animais de Laboratório: criação e experimentação e Filosofia, História e Sociologia das Ciências: abordagens contemporâneas – são uma pequena amostra da diversidade de temas encontrados na coleção SciELO Livros. Juntos, esses três títulos já tiveram mais de 6,8 milhões de downloads.

O desempenho de um livro como o Filosofia, História e Sociologia das Ciências é bastante ilustrativo. Ele foi um dos primeiros títulos lançados pela Editora Fiocruz, em 1994. Esgotado, ganhou duas reimpressões, uma em 1998 e outra em 2002, igualmente esgotadas. Fora de circulação há anos, ganhou novo fôlego a partir de 2012, quando foi incluído na coleção SciELO Livros. Desde então, já ultrapassou a marca de 1 milhão de downloads, número bastante significativo, sobretudo quando comparado à média de tiragem da Editora Fiocruz, que é de mil exemplares impressos.

“Não só democráticos, os números são também reveladores ou inspiradores”, avalia Canossa. “Se mais de 20 milhões de downloads não indicam ser esse o caminho e, pelo menos por enquanto, o futuro, quais indicadores serão?”

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