terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Dados e cultura


por Gilberto Paschoal | Revista e

Ao proporcionar interatividade em escala, a internet se estabeleceu como o grande fenômeno de comunicação contemporâneo, tendo criado novas lógicas de relações sociais e econômicas facilmente exemplificadas pelo aparecimento e disseminação das mídias sociais e de toda estruturação do mercado digital.

Um fato consolidado entre as novidades trazidas na esteira dessas transformações é o enorme volume de informações sobre os usuários captadas em suas interações no ambiente online. Nesse contexto, o conceito de Big Data, que expressa um volume gigantesco de dados disponíveis para análise, se associa ao de Business Intelligence (inteligência de mercado), que consiste na depuração desse amontoado de informações para geração de conhecimentos e insights a respeito de algum tema. Esses mecanismos vêm sendo usados como norteadores da distribuição segmentada de produtos, serviços e mídia, viabilizando novas formas de planejamento estratégico para qualquer tipo de ação – digital ou não.

Suas aplicações no âmbito da cultura ainda se restringem a alguns casos exemplares, mas já trazem questões relevantes sobre a ética da informação no ambiente digital e seu papel no âmbito da criação e da difusão artística. Grandes estúdios de Hollywood têm feito uso de estruturas de Big Data e BI para determinar a melhor época para lançar filmes com características e públicos específicos, bem como para avaliar a participação de determinados artistas em cada projeto pelo prisma de seu impacto mercadológico. Já é sabido que a série House of Cards foi construída com base em análise de dados que refletiam as preferências dos usuários do Netflix, culminando na escolha da temática, atores e diretores com a maior probabilidade de sucesso. Parece ter funcionado.

Outra forma de uso de dados dos usuários, ainda que mais discreta, é a implementação de algoritmos de recomendação de conteúdo por parte das plataformas de distribuição. Por conta do enorme volume de conteúdo, além dos serviços refinados de busca, os algoritmos se prestam a uma espécie de editoria eletrônica baseada em tendências distinguidas a partir de dados de navegações prévias. Seu papel no ambiente online tem se tornado tão importante que serviços de streaming musical como Spotify e Apple Music têm equipes inteiramente dedicadas a esse estudo, de modo que a reação dos usuários às recomendações é monitorada constantemente e ajustes são realizados muitas vezes em tempo real a partir de estatísticas de Big Data.  E para além desses usos específicos para recomendações, as grandes empresas de tecnologia investem pesadamente em estruturas de inteligência artificial capazes de tirar conclusões a partir de dados não estruturados. Softwares de análise preditiva já são capazes de triunfar em programas televisivos de perguntas e respostas, tendo também realizado descobertas científicas baseadas na assimilação de grandes volumes de estudos acadêmicos sobre temas diversos.

Num momento em que os bens culturais digitais apresentam índices de produção, veiculação e alcance jamais experimentados, cabe aos gestores e produtores culturais encontrar o papel adequado para os dados do público num contexto que se pretenda democratizante e emancipador. Não se trata, evidentemente, de bisbilhotar a vida de indivíduos ou de terceirizar responsabilidades curatoriais transferindo-as para máquinas e softwares; mas de lidar de forma transparente, crítica e propositiva com ferramentas e informações cruciais para a compreensão dos hábitos e valores culturais contemporâneos.

Um comentário:

  1. Muito bem colocado. Sensibilidade e clareza na adoção das ferramentas métricas digitais e suas leituras na definição democrática de conteúdo, com ética e liberdade consciente passam a ser determinantes. Grato pelo post!

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