quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O livro digital não morreu


por Marina Pastore | Colofão
Imagem: Internet

Os últimos meses foram marcados por uma onda de pessimismo em relação ao desempenho dos livros digitais no mercado: depois de diversas editoras relatarem um crescimento do digital menor do que o esperado em 2015, uma matéria no New York Times concluiu – com razão – que o livro impresso está longe de morrer. Como sabemos, notícias sobre e-books no mercado editorial tendem a ganhar tons apocalípticos: da mesma forma como o Kindle foi anunciado como o assassino do livro impresso – e a notícia de que a Amazon vendia mais livros digitais do que físicos, lá em 2012, foi alardeada como o último prego no caixão do papel –, a desaceleração do crescimento dos e-books nos EUA e no Reino Unido foi encarada por muitos como uma “revanche” do livro impresso. Mas afinal, o que está, de fato, acontecendo no mercado?

É verdade que muitas editoras vêm relatando estagnação ou queda nas vendas de e-books em relação ao ano passado. O último relatório da Association of American Publishers, que reúne dados de mais de 1200 editoras dos EUA, apontou uma queda de 6,7% nos e-books adultos e 30,9% nos infanto-juvenis em julho, em relação ao mesmo mês de 2014. Dados individuais de algumas das maiores editoras americanas – como Hachette, HarperCollins e Simon & Schuster  – sugerem uma tendência semelhante. A participação dos e-books no faturamento das editoras parece ter se estabilizado entre 20 e 30%, uma porcentagem que, embora significativa, é muito menor do que o crescimento acelerado do digital poucos anos atrás permitia imaginar. Dito isso, algumas considerações:

1) Esta relação entre as vendas de livros impressos e de e-books – que, segundo a Nielsen, está em torno de 74% para 26% no mercado americano como um todo – é uma média do mercado, considerando todos os gêneros ou, dependendo da pesquisa, todos os e-books adultos. Dentro deste universo, existem alguns gêneros em que estas porcentagens são bem diferentes; de maneira geral, e-books tendem a ter desempenho melhor na ficção, fazendo com que esta relação possa chegar mais próxima de 50/50 ou até de uma vantagem para o digital em alguns casos. Em outros gêneros, o livro digital já sai em desvantagem simplesmente por ter recursos limitados para reproduzir determinados conteúdos; para livros de arte, por exemplo, o e-book ainda não se compara ao papel em termos de experiência e conforto.

2) Uma das explicações apontadas para a queda de desempenho dos e-books foi a alta dos preços causada pela volta do agency model para a maior parte das grandes editoras, que agora podem estabelecer seus próprios preços, sem descontos por parte das livrarias. Esta é uma hipótese que não se pode descartar: ainda segundo a Nielsen, o preço é um fator importante na escolha de formato para a maior parte dos leitores. A partir destes dados, alguns analistas concluem que o que está encolhendo não é o mercado de e-books, e sim a participação das grandes editoras nele, uma vez que o público, assustado com a alta de preços, tem preferido livros independentes, que costumam ser bem mais baratos. Esta hipótese vai contra os dados da Nielsen, que indicam, entre 2014 e 2015, um aumento da participação tanto dos livros autopublicados (de 14% para 18%) quanto das “Big Five” (de 28% para 37%), às custas das editoras pequenas e médias, que caíram de 58% para 45%. Mas é verdade que os números mais abrangentes que temos, que são os da pesquisa mensal da Association of American Publishers, consideram apenas os números de vendas fornecidos por editoras; os livros independentes são uma parte relevante do mercado que não é considerada nas pesquisas que apontam a queda dos e-books.

3) Outro fator a se considerar é o declínio dos e-readers em favor dos tablets e smartphones. Segundo a última pesquisa do Pew Research Center, a popularidade dos e-readers dedicados nos EUA caiu drasticamente em relação a 2014, com apenas 19% dos entrevistados tendo declarado possuir um, contra 32% no ano passado. Já os tablets e smartphones chegam a 45% e 68% da população, respectivamente. Embora estes últimos também sejam utilizados para leitura – os celulares, inclusive, vêm sendo apontados como a grande tendência para o mercado de e-books nos próximos anos –, eles são dispositivos multifuncionais, nos quais a leitura é apenas uma das muitas atividades possíveis. Considerando que os últimos grandes lançamentos de e-readers, o Kindle Voyage e o Kobo Aura H2O, aconteceram no ano passado, suponho (e dessa vez não tenho dados, é só especulação mesmo) que haja menos pessoas comprando e-readers este ano, o que implica menos leitores empolgados com o novo gadget e dispostos a comprar muitos e muitos e muitos novos e-books para encher suas prateleiras virtuais.

Isso significa que as editoras devem voltar a apostar todas as suas fichas no impresso e que os funcionários de seus departamentos digitais já devem começar a atualizar o LinkedIn em busca de um novo emprego no futuro próximo? Na minha humilde opinião, não. Significa que o mercado está mais maduro e que seus tempos de crescimento de dois ou até três dígitos ao ano chegaram ao fim. Agora, é importante que as editoras se empenhem, por um lado, em produzir e-books de qualidade – evitando que o digital continue a ser encarado simplesmente como um subproduto mais barato do livro físico e que novos leitores voltem correndo para o impresso depois de uma experiência com um e-book ruim –, e por outro, em inovar e aproveitar as vantagens específicas do digital. Dadas as limitações do ePub, esta tarefa nem sempre é fácil, mas, num mercado tão dinâmico, até isso pode mudar. Então, sugiro esperar mais um pouco antes de decretar a morte de qualquer formato.

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