terça-feira, 31 de maio de 2016

União Europeia quer liberar acesso a artigos científicos até 2020. Qual o impacto da medida

Decisão tem potencial de democratizar acesso à ciência e relativizar o poder de grandes editoras privadas

André Cabette Fábio | Nexo

FOTO: BILL DICKINSON/CREATIVE COMMONS
Decisão da União Europeia pode democratizar acesso à ciência

Países-membros da União Europeia decidiram na última sexta-feira (27) que todos os artigos científicos financiados com verbas públicas deverão ser de acesso público até 2020. A meta tem o potencial de diminuir o poder de um seleto grupo de cinco grandes editoras privadas de determinar o que é e o que não é relevante na academia do ponto de vista global.

A decisão foi tomada após um encontro de dois dias em Bruxelas entre ministros de Ciência, Inovação, Comércio e Indústria, e faz parte de um grupo de recomendações chamadas de Open Access, que têm o objetivo de democratizar o acesso a dados científicos.

Atualmente, pesquisadores do mundo inteiro têm como meta pessoal ter seus trabalhos publicados em revistas renomadas cujo acesso se dá por meio de assinaturas pagas.

Esse é um dos mecanismos utilizados por governos para determinar se o dinheiro investido em pesquisa é bem aproveitado. Para os pesquisadores, serve como prova de que seu trabalho é sério e reconhecido pelos pares - e de que eles merecem receber verba para continuar pesquisando.

Como as revistas são pagas, quem não tem acesso a bibliotecas que as assinem tem que gastar para se atualizar com o que há de mais novo na ciência.

O conselho de ministros determinou que as pesquisas bancadas com dinheiro da União Europeia devem ser acessíveis, a não ser que haja razões como questões de direito autoral ou de segurança que justifiquem que o conteúdo permaneça fechado.

Nesse sentido, tal decisão pode vir a relativizar o poder dessas grandes publicações e democratizar o acesso ao conhecimento de ponta. A decisão não tem poder de lei, é vista como ambiciosa e de difícil aplicação por especialistas.

Mas serve como orientação política para os 28 governos que compõem a União Europeia. Ela foi impulsionada pelo posicionamento do governo dinamarquês, que atualmente é o presidente rotativo do bloco europeu.

"O tempo de falar sobre Open Access já passou. Com esses acordos nós vamos alcançá-lo na prática”
Sander Dekker
Secretário Dinamarquês para Educação, Cultura e Ciência, em comunicado


O Nexo selecionou alguns pontos para explicar por que a medida pode mudar o jogo de poder no mundo acadêmico.

Quem decide o que é relevante academicamente no mundo?

O estudo “O Oligopólio das Editoras Acadêmicas na Era Digital”  mostra que cinco grandes editoras privadas, Reed-Elsevier, Springer, Wiley Blackwell, Taylor & Francis e Sage, foram responsáveis pela publicação de mais de metade dos trabalhos científicos mais citados e com maior visibilidade internacional em 2013.

Ele foi realizado a partir da análise de 44 milhões de documentos presentes no banco de dados Web of Science, da agência internacional Thomson Reuters. O Web of Science mapeia as citações que trabalhos científicos recebem no mundo acadêmico, um importante elemento para determinar a relevância de um determinado estudo.

Segundo dados sobre o que foi publicado entre 1973 e 2013, o controle das cinco grandes editoras sobre esses trabalhos mais relevantes só aumentou nas últimas décadas. Mesmo com a ampliação do papel da internet que, em tese, tornaria mais livre o acesso à informação.

Essas publicações não  financiam as pesquisas científicas que divulgam. Contudo, bibliotecas de universidades, pesquisadores e gente interessada do mundo inteiro são obrigados a pagar para elas para ter acesso às informações publicadas.

Um relatório da Associação das Editoras Médicas, Técnicas e Científicas apontou que esse mercado teve receita de US$ 9,4 bilhões em 2011 - o valor total não compreende apenas o arrecadado pelas cinco grandes editoras.

As empresas argumentam que a verba é empregada em manter a qualidade das publicações, com quadros de editores qualificados, por exemplo, que as tornam grandes referências internacionais.

A medida muda o jogo?

Em entrevista ao Nexo, Abel Packer, diretor do programa Scielo, que agrega na internet artigos científicos de publicações brasileiras gratuitas, afirma que a decisão da União Europeia deve diminuir o poder das grandes editoras, mas apenas a médio e longo prazo - caso seja, de fato, colocada em prática.

“Essas revistas vão continuar a ter uma relevância reconhecida por outros. Para obter financiamento para um grande projeto de pesquisa ainda é preciso publicar nesses veículos de prestígio. Para romper com isso, as publicações abertas terão que ganhar relevância, e isso ainda vai demorar muito tempo”
Abel Packer
Diretor do programa Scielo

Como funciona no Brasil?

Em geral, publicações abertas se financiam por meio  de um modelo em que a verba para a publicação é paga pela instituição ou cientista que publica, ou pela instituição responsável pela revista.

Segundo Packer, o Brasil tem hoje cerca de 5.000 publicações científicas. Praticamente nenhuma se mantém pelo modelo de assinaturas, mas com verbas de universidades e da sociedade civil. Entre essas, 280 que são consideradas de alto padrão de qualidade são replicadas no Scielo.

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