Estou convencido de que as canetas-tinteiro e o papel trouxeram-me uma conexão parcialmente perdida entre meus pensamentos e a linguagem, a elaboração do texto.
por Rodrigo Gurgel*
Tenho a mania terrível de ir na contramão do meu tempo. Na verdade, não é terrível, mas salutar. Há formas de pensar, valores, livros, comportamentos, hábitos que, hoje, começam a ser esquecidos, mas não perderam sua importância. Podem inclusive estar completamente esquecidos por alguns, mas continuam emitindo sinais inquestionáveis de que, se recuperados, têm o poder de melhorar nossa vida.
Sou um aficionado da tecnologia. Um novo software — que esteja ligado, de alguma forma, à escrita ou à leitura — sempre me atrai. E, graças à tecnologia, meu trabalho se tornou, nos últimos anos, menos cansativo, pois pude suprimir etapas que me faziam perder tempo — como copiar, para um arquivo Word, as anotações com que sempre preencho os livros que leio. Leitores de e-books tornaram-se não só úteis, mas indispensáveis.
Entretanto, a onipresença do teclado me incomodava. O distanciamento de uma forma de escrita que me obrigasse a desenhar as palavras pareceu-me, a partir de certo momento, uma perda estética — ainda mais para mim, que sempre apreciei as canetas-tinteiro, a textura dos diferentes papéis, o odor e as cores das tintas. Havia uma perda sensorial que me perturbava.
O que era uma impressão vaga, desconforto impreciso, ganhou corpo quando li o estudo de Pam A. Mueller e Daniel M. Oppenheimer a respeito de como tomar notas em laptops resulta num processamento mais superficial das ideias. No primeiro momento, desconfiei do estudo — não seria mais uma conclusão apocalíptica? Depois, refletindo, comparando as conclusões dos pesquisadores ao que tantos escritores afirmam, comecei a questionar meu julgamento: não, concluí, voltar a escrever com canetas-tinteiro não se tratava apenas de nostalgia, ainda que esse sentimento estivesse presente.
A única forma de descobrir os efeitos da escrita à mão seria voltar aos velhos instrumentos — e quando decidi fazê-lo, percebi que, sim, eu desenvolvia as ideias com mais facilidade, com maior rapidez. O texto brotava com uma celeridade que eu havia esquecido.
Pode parecer pedante, mas reutilizar a caneta-tinteiro, ver o desenho das letras no papel, alimenta uma espécie de prazer. Tudo me parece mais real, mais vivo.1 Estou conectado ao meu próprio eu de uma forma mais clara, mais intensa. A própria cadência da mão sobre o papel, desenhando os sinais que me acompanham desde a infância, quando minha mãe ensinou-me a escrever em pedaços de papel polvilhados de farinha, tudo me torna mais produtivo, mais próximo da minha índole. A escrita deixou ser um ofício, ofício de que me orgulho, para ser também uma forma de aconchego.
Estou convencido de que as canetas e o papel trouxeram-me uma conexão parcialmente perdida entre meus pensamentos e a linguagem, a elaboração do texto. Escrever à mão talvez produza outros tipos de sinapses. Ou talvez eu esteja apenas sonhando. Mas meus escritos, com certeza, agora refletem melhor minha personalidade.
* escritor, editor e crítico literário.
Mesmo sem caneta tinteiro e papel polvilhado, ainda que ambos me remetem a um verter de poesia e inspiração ilimitada, eu não abandono minhas anotações à mão. Sinto-as como uma extensão de minha memória, coisa que não acontece quando simplesmente as digito. Teresa Azevedo - poeta e escritora.
ResponderExcluirA informção digital disponibiliza um grande universo de conhecimentos a população, mas o que se vê atualmente é o uso da Internet para troca de mensagens inuteis e idiotas desperdiçando todas as aulas uteis e disponiveis
ResponderExcluir