Por Bruno Capelas e Andre Klojda, especial para O Estado de S. Paulo
Lançado em 2007, o Kindle, da Amazon tem 61% do mercado global, segundo a consultoria de mercado Euromonitor
Há mais ou menos uma década, uma profecia amedrontou o mercado editorial: o livro de papel, essa invenção de cinco séculos, estava com os dias contados. Seu algoz seria o leitor eletrônico, o tal e-reader, que faria as pessoas trocarem o folhear de páginas pelo toque em botões num aparelho esquisito: Kindle. Lançado há dez anos pela Amazon, ele não foi o primeiro da categoria, mas virou seu sinônimo. Apesar disso, a profecia apocalíptica daqueles dias parece longe de se cumprir.
A verdade é que o livro tradicional continua aí, firme e forte. Além disso, os e-readers não fazem parte do cotidiano de muita gente. Segundo a consultoria Euromonitor, 131 milhões de aparelhos foram vendidos no mundo desde 2007. Após um pico em 2011, as vendas só caíram (ver gráfico abaixo).
Anticlímax
Após pico, venda de e-readers deve cair nos próximos anos
No Brasil, a base instalada desses aparelhos é quase insignificante: desde 2010, quando começaram as pesquisas no País, só 76,2 mil e-readers foram comercializados por aqui. O ano em que se comprou mais desses aparelhos por aqui foi em 2015, com 16,2 mil unidades – em cinco anos, porém, menos de 10 mil dispositivos serão comprados por brasileiros.
Além disso, segundo dados da Câmara Brasileira do Livro (CBL), os e-books – o conteúdo que motiva a compra desses aparelhos – representaram apenas 1,09% da receita das editoras no País em 2016. Ao todo, 2,75 milhões de e-books foram vendidos aqui em 2016, contra 39,4 milhões de livros de papel.
Tropeços. Há diversos motivos para a revolução prometida pelo Kindle – e seus rivais, como o Kobo, da Rakuten, e o Lev, da Saraiva – não ter acontecido. O primeiro deles é que há leitores que simplesmente não conseguem se acostumar. “O livro de papel tem uma dimensão artística e aspectos sensoriais, como tato e olfato; o e-reader, não”, diz Thiago Salla, professor de Editoração da Universidade de São Paulo.
Além disso, por ser um dispositivo dedicado à leitura, o leitor eletrônico tem um público-alvo reduzido. São poucas as pessoas que topam pagar caro por algo que não vão usar tanto. Nos EUA, a média de leitura é de 12 livros por ano. No Brasil, o cenário é pior: a média é de 4,96 livros lidos por ano. “A falta de leitores é um problema histórico do nosso mercado e não mudou com o livro digital”, diz Luís Antonio Torelli, presidente da CBL.
Outro fator que mudou a rota do e-reader foi o smartphone, que também ganhou impulso em 2007, com o iPhone. Se no início esses aparelhos tinham poucos recursos e telas pequenas, pouco convidativas à leitura, hoje eles se tornaram “canivetes suíços” contemporâneos com telas gigantes de até 6 polegadas.
Para Elton Morimitsu, analista da Euromonitor, os smartphones tornaram os e-readers menos atraentes. “O consumidor está disposto a investir em um aparelho que agrega diversas funções”, diz.
É por isso que hoje, em vez de falarem só nos dispositivos, as fabricantes de e-readers preferem o termo “ecossistema de leitura digital”, que compreende também apps para leitura em dispositivos móveis e nos PCs. Hoje, segundo Samuel Vissotto, diretor da Kobo na América Latina, 75% do tempo gasto pelos leitores da Kobo é no aplicativo, contra 25% nos e-readers.
É evidente que há diferenças de experiência entre o smartphone e o e-reader. “O celular não foi desenhado para a leitura e oferece distrações aos usuários, como redes sociais e jogos”, diz Arthur van Rest, diretor global de Kindle na Amazon. “É a diferença entre a leitura casual e a leitura dedicada.”. A existência do smartphone, porém, permite que os usuários flertem com a leitura digital, sem precisar firmar um relacionamento sério com um leitor eletrônico.
Resistência. Nesse cenário complexo, impressiona o lançamento de novos modelos de leitores eletrônicos todos os anos. A explicação está no fato de que o usuário do e-reader é um bibliófilo – capaz de ler (e comprar) muitos livros. Isso faz as empresas ganharem não com hardware, mas com conteúdo.
Segundo a Kobo, quem tem e-reader compra o dobro de e-books que aquele que só usa o aplicativo da empresa. Na Saraiva, quem tem um Lev compra 20% mais livros de papel e e-books. Já na Amazon, quem navega entre diferentes formatos consome três vezes mais livros. “O mercado tinha receio do digital canibalizar o livro físico. Aconteceu o contrário: eles se complementam”, diz Gustavo Mondo, gerente de e-commerce da Saraiva.
Epílogo. No futuro, o e-reader parece ter dois caminhos. Ou segue vivo, como um objeto de nicho, mas rentável o suficiente para se manter de pé; ou será “morto” pelo smartphone. “Ainda acho que o e-reader tem seu tempo de vida, mas a curva de inovação nos smartphones e suas telas pode mudar esse jogo”, diz Vissotto, da Kobo. “Se eu tiver um celular com tela realmente boa de leitura, que não canse a vista, e uma configuração para desligar notificações, a experiência será bem parecida com o e-reader.”
Em entrevista ao Estado em 2010, o filósofo Umberto Eco defendeu que o livro de papel seria um objeto eterno, como a colher, o machado e a tesoura. Na época, foi bastante criticado, mas hoje, sua visão integrada (e nada apocalíptica) parece mais próxima da verdade. Por ironia do destino, quem deveria “matar” o livro de papel pode, na verdade, morrer primeiro que ele. Sinal dos tempos.
Leitura digital divide brasileiros
Há quem não troque o livro físico, mas também pessoas que não ficam mais sem o leitor digital
Por Andre Klojda, especial para O Estado de S. Paulo
Júlia migrou do papel para o digital e só lê livros de papel quando pega emprestado
Mesmo entre os jovens, ainda há quem não dispense ter o livro em mãos. É o caso do advogado Caio Felippe: após uma breve experiência com um leitor digital emprestado por uma amiga, há pouco mais de um ano, ele logo voltou ao papel. “A tela remete muito ao celular, à televisão, e isso geralmente não prende tanto a minha atenção quanto o livro”, diz.
Ao analisar os aspectos que o fizeram abandonar o dispositivo, o jovem de 23 anos ressalta a questão do brilho da tela – mesmo sendo ajustável, diz preferir a luz ambiente – e as funcionalidades de manuseio do aparelho, como o mecanismo de passagem de páginas. “Não que não seja uma ferramenta eficiente, mas, para mim, foi uma questão de adaptação”, conta.
Já a analista de produtos Júlia Bandeira, de 24 anos, relata ter feito a migração do papel para o leitor digital. “Só uso livros físicos quando me emprestam, não costumo comprar”, afirma. Por causa da área em que atua, ela conta estar acostumada a lidar com novas tecnologias e não sente falta da relação afetiva com o impresso.
Usuária do Kindle desde 2011, Júlia também considera importante o fato de a opção digital prescindir da produção de papel e enfatiza a facilidade de “carregar uma biblioteca inteira num único lugar”.
Essa praticidade também faz com que Felippe não descarte uma nova tentativa com os leitores eletrônicos: “Pode ser que, no futuro, desenvolvam um que me atraia mais. Mas, hoje em dia, meu posicionamento é a favor do livro físico”, afirma.
Meio a meio. Entre aqueles totalmente adaptados à leitura digital e os que ainda não abrem mão do impresso, existem também os que adotam os dois meios, a depender da circunstância.
A estudante de letras Mariana Fortes, de 22 anos, declara-se adepta dos leitores digitais há cerca de cinco anos, apesar de certa resistência inicial. “Acho que quem tem relação afetiva muito forte com o livro sempre quer tê-lo na estante. Mas o leitor digital também tem vantagens”, afirma.
Pelo lado positivo, Mariana, assim como Júlia, destaca aspectos práticos: ela o considera o leitor eletrônico mais fácil de manusear e carregar no ônibus e metrô, possibilitando melhor aproveitamento da leitura em seu trajeto diário. “Além disso, há livros que quero ler, mas que não faço tanta questão de ter no formato físico”, acrescenta ela.
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