sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Uma distopia digital


Não é à toa que muitos consideram dados equivalentes ao petróleo; para Morozov, no entanto, o novo petróleo não são os dados, mas a inteligência artificial.

Pedro Doria | O Estado de S. Paulo
Imagem: Internet (Evgeny Morozov)

Há uma nova teoria circulando a respeito de para onde a internet nos leva. Segundo esta leitura, algumas poucas empresas estão construindo sistemas de inteligência artificial que se tornarão rapidamente fundamentais para a vida. Todos os governos, organizações da sociedade civil e indústrias dependerão desta tecnologia. Que será controlada por um oligopólio. Estamos assistindo ao nascimento de monstros.

Sempre que alguém apresenta um cenário distópico assim, não custa dar uns passos atrás.

Para muitos no Vale do Silício, Evgeny Morozov é um neoludita. Alguém com medo irracional de tecnologia. Esta semana, a revista americana Politico o anunciou em sua lista de 28 pessoas que farão diferença em 2018. 

Nascido na Bielorrússia, criado na Bulgária, morador de Barcelona – 33 anos. É escritor. Foi professor visitante em Stanford, a universidade no coração do Vale. Teve uma bolsa do Yahoo para estudar em Georgetown. TED Fellow. E está terminando o doutorado em Harvard. Não se trata do currículo típico de um ludita. Mas ele desconfia do Vale.

Na sua visão, por exemplo, o Grande Firewall da China não é apenas um instrumento de censura do governo. Tem também este papel.

Mas é, antes de tudo, um recurso protecionista. Impede a entrada de tecnologia americana no País do Centro, enquanto sua própria indústria se desenvolve. Esta semana, aliás, o governo americano intercedeu perante uma operadora de celular para que os aparelhos topo de linha da Huawei não sejam vendidos, pois são equivalentes a Motorola e Apple. A guerra pelo futuro da tecnologia entre os dois países está oficialmente aberta.

Morozov questiona a ideia, amplamente difundida, de que dados são, para o século 21, o que o petróleo foi para o século 20.

Dados alimentam os produtos tecnológicos e sustentam a indústria. A Amazon armazena e analisa todo nosso comportamento na loja virtual. A partir do conjunto de todos seus clientes, faz cálculo de preços, decide o que apresentar a cada indivíduo, define logística. O Google usa dados de motoristas para oferecer o melhor caminho pelo Waze, compreende nossas inúmeras escolhas em buscas para produzir resultados melhores. O Facebook, e seu já famoso algoritmo, é também este imenso banco de dados no qual cada reação ao que vemos é armazenada para tornar o serviço mais eficiente.

E dados, evidentemente, são usados para veicular publicidade.

Não é à toa, portanto, que muitos consideram dados equivalentes ao petróleo. Se guerras foram travadas para garantir o combustível que ergueu economias, hoje são dados que alimentam a nova economia. Para Morozov, no entanto, esta é uma ilusão.

O novo petróleo não são os dados, mas a inteligência artificial.

Na fase pela qual passamos, as grandes massas de dados estão ensinando complexos algoritmos de inteligência artificial. Sim, dados são cruciais. Porque é o big data, este grande volume, que permite aos sistemas avaliarem as muitas possibilidades de comportamento. É enxergando padrões se repetirem que sistemas de IA aprendem a prever.

E aí está o pulo do gato: a inteligência artificial está sendo treinada e sofisticada por empresas, como Amazon, Google, Facebook, Microsoft, IBM. Aos poucos, aplicações surgem. Para todas as indústrias: do varejo à saúde, da educação ao transporte, energia, mineração. Governo. Democracia. Publicidade. Tudo será muito mais eficiente com inteligência artificial. A um ponto tal que, quem não tiver, estará muito atrás. Serão poucos vencedores.

Daí: desigualdade. Na leitura de Evgeny Morozov está nascendo um novo oligopólio. 

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