segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Prazeres instantâneos


Ao preencherem a necessidade dos jovens da era digital por fotos palpáveis e duráveis, as velhas  polaroides foram resgatadas para virar fetiche e itens de celebração coletiva 

Amanda Capuano | Veja

O CASAMENTO dos atores Thaila  Ayala e Renato Góes foi uma festança  como se espera das bodas de celebridades. Realizado há três semanas em  Olinda, o evento reuniu 400 convidados que vararam a madrugada se refestelando em torno de uma mesa que aludia à Última Ceia. Mas era o bolo que  captava o “espírito instagramável” reinante: em vez dos bonecos na forma  dos noivos, a iguaria era decorada com  duas fotos de polaroide do casal, capturadas na cerimônia. Os convidados  também podiam posar para polaroides  ó e levá-las para casa. Atualmente em alta em casórios e afins, esse tipo de celebração atesta um novo fenômeno da  era millennial: a volta apoteótica das  velhas fotografias instantâneas.  

Surgida nos Estados Unidos na década de 40, a máquina que produz registros instantâneos ou seja, impressos na hora no clássico filme com bordas brancas ó se tornaria um fetiche  nos anos 1970 e 1980. Na virada do  século, a praticidade oferecida pelas  máquinas digitais (e pelas câmeras  dos smartphones) levou a fotografia  analógica a um cenário insustentável. 

De queridinha por gerações, a Polaroid caiu no ostracismo. A empresa ó cujo  nome virou sinônimo de seu produto ó  faliu duas vezes e teve três donos entre  2001 e 2009. O caminho do ocaso parecia ser o destino inevitável também  de sua rival, a japonesa Fujifilm. Até  que uma notável mudança geracional  veio resgatar os instantâneos do limbo.  

Nos últimos quatro anos, as câmeras Instax, linha instantânea da Fujifilm, registraram aumento de 160%  nas vendas globais. Só em 2019 já foram comercializados 10 milhões de  unidades. O número é espantoso para  um mercado que quase deixou de existir ó e cujo ponto de virada se deu em  2009, quando a última fábrica da Polaroid, na Holanda, foi comprada por  um fã disposto a resgatar seu glamour,  o empresário austríaco Florian Kaps.  

À maneira da ressurreição do vinil,  o retorno da Polaroid tem a ver com a  nostalgia ilimitada dos jovens millennials  que sentem saudade de coisas  que nem viveram de fato. Esse apelo  vintage explica o burburinho em torno  de obras como Linda McCartney: The  Polaroid Diaries, volume recém-lançado de fotos familiares registradas  por três décadas pela ex-mulher do  beatle Paul McCartney, morta em  1998. A adesão de celebridades, de Madonna a Bruna Marquezine, turbinou a  tendência. Taylor Swift elaborou a  identidade visual de seu álbum 1989,  lançado em 2014, com polaroides. O resultado foi tão positivo que Taylor foi  creditada como salvadora da marca pelo então CEO da empresa. A concorrência não titubeou: a Fujifilm criou uma  versão da Instax assinada pela cantora.  

O retorno da fotografia instantânea  espelha a necessidade que a juventude  de hoje sente de preencher certa lacuna  deixada pela revolução digital. Com  sua mania de clicar tudo o tempo inteiro para publicar no Instagram, ela viu a  fotografia perder seu caráter único para se tornar um ato trivial. Com sede de  diferenciação, os jovens acharam na  velharia uma maneira de dar identidade a seus registros ó tornando-os não  só únicos, mas duráveis e palpáveis em  meio à cacofonia de imagens virtuais.  “As câmeras digitais democratizaram  o simples, a foto perfeita. Mas as fotos  instantâneas proporcionam ao fotógrafo o desafio, o significado especial”,  disse a VEJA Oskar Smolokowski, CEO  mundial da Polaroid. A opinião do executivo vai ao encontro do que diz Livia Camargos, estudante de 20 anos e fã  típica: “A gente acaba tirando fotos à  toa, sem perceber que fotografia é uma  arte. A câmera instantânea ajuda a  lembrar que precisamos pensar antes  de apertar o botão”.  

Como nem os millennials são de ferro, as marcas têm investido em inovações para fundir o apelo das polaroides  às facilidades das câmeras digitais.  A Instax lançou uma linha de impressoras de fotos instantâneas. Já a Polaroid tem um dispositivo que transforma fotos de smartphone em fotografias  físicas ó faz espécies de fotos analógicas das fotos digitais. “Todo mundo  gosta de polaroide porque é como se  você aplicasse um filtro do Instagram à  foto mas não soubesse como vai ficar”,  diz o fotógrafo Antonio Barros, que já  fez instantâneos de celebridades como  Rihanna e Karl Lagerfeld. Nada mais  eterno que um prazer instantâneo.


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