sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O epidemiologista digital


Ninguém detecta mais rápido o surgimento e o comportamento de uma epidemia do que um computador

Pedro Doria | O Estado de S. Paulo

Enquanto boa parte do mundo se preparava para celebrar o Ano Novo, pesquisadores da consultoria canadense BlueDot disparavam um alerta para seus clientes. Havia um novo vírus na praça com potencial de se espalhar rapidamente. Os especialistas ainda apontaram para o epicentro: a cidade de Wuhan, na China. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano deu o alerta em 6 de janeiro. A Organização Mundial de Saúde, no dia 9. A diferença entre os competentes organismos tradicionais e a BlueDot é só uma: inteligência artificial.

A BlueDot não foi apenas a primeira a avisar do coronavírus, que ontem fez a OMS declarar que estamos em estado de emergência de saúde internacional. Ela também previu, corretamente, que as primeiras cidades fora da China a perceberem casos do vírus seriam Bangkok, Seul, Taipei e Tóquio.

Já era previsível que este dia ia chegar. A última vez em que um vírus assim perigoso se espalhou foi em 2003 — a epidemia do SARS. O fundador da BlueDot, Kamran Khan, era um especialista em doenças infecciosas que trabalhava em Toronto, naquela época. A revista americana Wired o entrevistou. “Em 2003, percebi como o vírus tomou a cidade e pôs o hospital de joelhos”, ele conta. “Foi um processo de exaustão física e mental.” Ele criou a empresa para que isso não se repetisse.

O que chamamos de inteligência artificial é, na verdade, um tipo específico de IA. Aprendizado de máquina. Quando falamos de Big Data, aqueles grandes bancos de dados em geral desorganizados, apenas um apanhado de informações que não parecem fazer sentido no conjunto, falamos por causa de aprendizado de máquina. São algoritmos que buscam padrões que se repetem. Aí os identificam.

Para fazer um carro andar sozinho, o algoritmo acompanha vários motoristas dirigindo e compara com o que os muitos sensores do automóvel veem. Ao semáforo vermelho captado pela câmera, se os motoristas sempre param, ele aprende que deve parar. Se sempre que o radar detecta uma pessoa em movimento, o motorista pisa no freio — ele também fará isso. O software aprende os padrões dos dados que recebe, sinais dos sensores e comportamentos dos motoristas. Ao fim, criou-se um programa capaz de tornar um carro autônomo.

O que as muitas startups fazem é criar algoritmos de aprendizado de máquina para usos específicos. Como, no caso do doutor Khan, sua preocupação era alertar e prevenir doenças altamente infecciosas, foi para isto que dirigiu sua tecnologia. A BlueDot trabalha com três fontes para alimentar seus bancos de dados. O noticiário publicado por sites jornalísticos em 65 línguas diferentes, tráfego aéreo e relatórios de epidemiologia animal. Cruzando as notícias, às vezes apenas pequenas notas, com os relatórios de doenças infecciosas em animais, são capazes de perceber uma epidemia nascendo. Junte-se ao pacote o ir e vir de aviões e conseguem estabelecer, probabilisticamente, para que lugares estão indo as pessoas que foram expostas ao novo vírus.

O coronavírus não foi sua primeira história de sucesso. A BlueDot também previu o surgimento da zika na Flórida. Mas aquele foi um caso menor, localizado. Mais um teste de caso do que um exemplo comprovado. Agora já dá para dizer: ninguém detecta mais rápido o surgimento e o comportamento de uma epidemia do que um computador.

A partir de agora, será assim. Estas tecnologias estão entrando nas nossas vidas por todos os lados. Os nossos anos 20 que ora começam vão marcar o momento em que nos habituaremos a conviver com inteligências artificiais por toda parte. Muito em breve, vamos nos perguntar: como era mesmo que fazíamos sem?

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