Os pesquisadores que se dedicam à descoberta e desenvolvimento de novos fármacos acabam de ganhar um importante aliado: foi lançada a primeira base de dados brasileira de propriedades farmacocinéticas.
A base de dados, que contém informações sobre propriedades farmacocinéticas e físico-químicas de mais de 1,3 mil fármacos, foi inteiramente criada por pesquisadores do Laboratório de Química Medicinal e Computacional (LQMC) do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP).
O LQMC faz parte do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural (CBME), um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP.
De acordo com o coordenador do LQMC, Adriano Andricopulo, o termo “farmacocinética” se refere ao caminho que um medicamento faz no organismo, englobando processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção (ADME).
“O cientista que trabalha no projeto de um novo fármaco precisa estudar essas propriedades, mas encontra grande dificuldade, pois há pouca disponibilidade de dados padronizados. Essa base de dados, inédita na América Latina, tem poucas similares no mundo e nenhuma delas tem acesso aberto e gratuito”, disse Andricopulo à Agência FAPESP.
As informações sobre os 1,3 mil fármacos disponíveis na base, batizada de PK/DB (de Database for Pharmacokinetic Properties), incluem mais de 3,2 mil medidas de propriedades farmacocinéticas, entre as quais absorção intestinal, biodisponibilidade oral, ligação às proteínas plasmáticas, metabolismo mediado pelo citocromo P450, volume de distribuição, tempo de meia-vida e permeabilidade da barreira hemato-encefálica.
Segundo Andricopulo, que também é diretor da Divisão de Química Medicinal da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), foram necessários cinco anos de trabalho para reunir e padronizar informações detalhadas sobre uma quantidade tão grande de compostos.
“O resultado é uma base bastante robusta, que permite estudar propriedades de moléculas com grande diversidade química. Com isso, os pesquisadores podem planejar mudanças estruturais na molécula e observar como elas vão afetar as propriedades”, disse. Predição de propriedades
Andricopulo explica que a farmacodinâmica, isto é, o estudo sobre como os fármacos interagem com seu receptor-alvo para exercer sua ação farmacológica, tem sido muito valorizada. Mas sem conhecer as propriedades farmacocinéticas não se pode compreender como o fármaco poderá chegar a seu alvo.
“Para que um fármaco seja administrado por via oral – que é um objetivo fundamental para a indústria farmacêutica – a fase farmacocinética precisa ser profundamente estudada. Eventualmente, uma molécula pode ter excelentes características famacodinâmicas, mas pode não ser solúvel em água, por exemplo, o que inviabilizaria um projeto de medicamento com administração oral”, explicou.
Outra característica importante da base PK/DB é que ela conta com um novo sistema integrado de predição de propriedades, que se baseia em modelos desenvolvidos pelo grupo do LQMC com uma nova tecnologia de fragmentos moleculares especializados.
“Pelo sistema, o pesquisador pode enviar a molécula nova que desenvolveu e nós enviamos a predição das propriedades. Nenhuma base de dados do mundo disponibiliza esse serviço gratuitamente, de forma rápida e eficaz”, disse o pesquisador.
Segundo ele, os modelos inovadores incluem a predição de propriedades de absorção intestinal, ligação às proteínas plasmáticas, permeabilidade da barreira hemato-encefálica, solubilidade em água e biodisponibilidade oral.
Desenvolvido com auxílio da FAPESP no doutorado de Tiago Moda, um dos alunos de Andricopulo no LQMC, o modelo de biodisponibilidade oral teve repercussão internacional. Ele foi descrito em artigo na revista Bioorganic & Medicinal Chemistry e foi destaque, em nono lugar, na lista dos 25 melhores artigos da revista em 2007.
“A biodisponibilidade oral humana se refere à fração do fármaco administrado que chega de fato à via sistêmica, isto é, à corrente sangüínea do paciente, onde poderá encontrar seu receptor-alvo e exercer o efeito terapêutico. Por exemplo, no caso do medicamento de maior sucesso de vendas da história - US$ 12,68 bilhões somente em 2007 -, o redutor de colesterol Lípitor, a biodisponibilidade é de 14%. Por isso, é fundamental ter acesso a esses dados na hora de desenvolver um novo medicamento com propriedades otimizadas”, disse.
De acordo com Andricopulo, a base de dados permite também que o pesquisador faça uma busca por um fragmento de uma molécula, caso trabalhe com uma molécula que não esteja disponível. “É possível encontrar uma imensa quantidade de moléculas. Mas também se pode encontrar, por meio de um fragmento, as propriedades farmacocinéticas aplicáveis ao caso estudado”, destacou.
PK/DB: http://www.pkdb.ifsc.usp.br/
Fonte: Fábio de Castro - Agência Fapesp
"Aquele que nunca viu a tristeza, nunca reconhecerá a alegria."
Khalil Gibran
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