por André Porto Ancona Lopez | Metodologia em Ciência da Informação
Não há pesquisador que discorde acerca da importância das fontes de informação para a pequisa científica. Por excelência, tais fontes costumavam ser de natureza bibliográfica e gerenciadas (isto é: armazenadas, classificadas, organizadas acessadas etc.) em uma instituição construída para tais finalidades. Os OPACs, ou catálogos on-line, paulatinamente, foram modificando as atividades dos elementos humanos da relação pesquisador-acervo. O contato direto entre cientista e bibliotecário foi, pouco-a-pouco, sendo intermediada, e até mesmo substituída pelas TICs. O fenômeno agora começa a modificar também o ponto final do acesso do pesquisador; não mais o livro, porém o e-book; não mais a biblioteca, porém repositórios e catálogos de e-books. O profissional da informação, elemento primordial na catalogação (física ou on-line) também começa a deixar de ser essencial para a organização do acesso. Folksonomia, interação 3.0, wikis, social bookmarking etc. são alguns exemplos colaborativos nos quais os próprios interessados finais passam a organizar (ao menos em parte) a informação o modo de recuperação da mesma e, muitas vezes, o próprio acesso. Obviamente não se trata de decretar a extinção de um sistema complexo de guarda e disseminação de informação, já que há muitas coisas que ainda dependem exclusivamente do livro físico, porém de tentar entender a sua inexorável transformação em algo muito mais dinâmico. Veja aqui, post de Rodney Eloy, bibliotecário, sobre o tema.
As práticas bibliográficas da pesquisa científica também modificam-se bastante. Recordo-me do meu tempo de estudante de graduação, no curso de História da USP, no qual boas bibliografias sobre determinados temas eram "disputadas a tapa", para a elaboração dos trabalhos finais. Havia professores que marcavam entrevistas para analisar o levantamento bibliográfico que havíamos feito para selecionar materiais a serem utilizados no trabalho final. A realização de um levantamento desses levava várias sessões de algumas horas em diferentes bibliotecas para: a) pesquisar no catálogo e selecionar obras de interesse potencial; b) solicitar a obra ao atendente (não tínhamos acesso direto); c) esperar 5, 10, 15 min. pela obra ou pela informação de que ela não estava disponível (emprestada, reservada ou, muito comum, extraviada); d) analisar brevemente a obra e conferir se ela estaria no rol de interesse da pesquisa. No frigir dos ovos, a consulta a um simples livro, apenas para analisar sua pertinência na pesquisa, poderia levar até 30mim. Não é por acaso que nessa época (anos 1980) proliferam trabalhos de base bibliográfica bastante similar. A profusão de fotocópias dos materiais objetivavam garantir o acesso àquela informação em uma segunda oportunidade, eliminado a via-Crúcis mencionada.
No mestrado aprendi a consultar dicionários terminológicos, revistas e resenhas para melhor delimitar o universo a ser pesquisado. Mas, em termos gerais, a sistemática era a mesma, porém menos sofrida. As transformações no sistema, aos poucos foram facilitando os passos indicados acima. Um melhor controle da catalogação, do acervo e do acesso, possibilitados por antigas TICs passou permitir o acesso direto. Um sistema mais eficiente reduziu a questão do extravio, além de permitir consolidar informações sobre a existência/disponibilidade da obra em outras unidades do mesmo sistema. De qualquer modo, como uma boa fonte de pesquisa precisa, geralmente, ser acessada várias vezes, habituei-me, então, a manter comigo a informação original na íntegra; seja por meio de fichamentos (há técnicas importantes para isso), compra dos livros em sebo, compra dos livros novos (quando não encontrados em sebos) e fotocópias (quando não encontrada a obra para compra). Tudo isso consumia um tempo de pesquisa considerável. Tempo que não era perdido, pois criava-se o hábito de buscar coisas diferentes e de cotejar autores, conceitos edições, traduções etc.
À época do doutorado os sistemas OPAC das bibliotecas da USP foram de alta utilidade, pois, somados ao uso de buscadores na web para arrolar autores e obras de potencial interesse, permitia otimizar as idas às bibliotecas, chegando lá com as anotações precisas da referência e do acesso das obras desejadas; quase um "pick and go". Gastava-se bem menos tempo para chegar à informação, porém perdia-se muito do processo de analisar e tomar contato com outras obras não tão diretamente ligadas ao foco da pesquisa.
Hoje a pesquisa bibliográfica assume uma outra faceta, apesar de ainda ser pautada nos mesmos passos. Parece desnecessário arrolar como os e-books e o acesso direto às fontes de informação otimizam e facilitam o processo. Como há profusão de materiais disponíveis on-line, há uma tendência natural a desprezar, ou não consultar, aquilo que demandará um deslocamento físico a uma biblioteca. O antigo fichamento, no qual (se feito corretamente) poderia permitir a localização rápida de determinadas passagens na obra que estivessem relacionadas a determinados conceitos é substituído por buscadores de termos e por anotações virtuais à margem dos textos. O acesso automático às determinadas partes do texto vem acompanhado de uma evidente superficialidade na segunda leitura (ou ausência dela). Em nome do pragmatismo e da eficiência perde-se parte do processo de maturação da leitura do texto. Não lemos mais textos completos porém excertos eficientemente acessados e replicados. O antigo exercício da citação sempre era acompanhado por uma atividade de cópia, caractere a caractere, do texto original. Esse processo, inevitavelmente levava à reflexão do que estava sendo copiado e à busca de passagens sucintas de alto significado. Hoje é cada vez mais comum o exercício do recorta-e-cola apenas para "encher linguiça", sem uma necessária reflexão.
A automação do acesso aos textos científicos representa uma enorme (gigantesca mesmo) eficiência nas práticas de pesquisa dos migrantes digitais, mas, e essa me parece ser a grande questão de fundo dos dias atuais, quais os impactos que trará para os jovens pesquisadores, nativos digitais? Uma geração não habituada à reflexão crítica das fontes (para ela wikipaedia, sites de jornalismo, revistas têm o mesmo valor se propiciarem a resposta desejada), não-habituada à frustração de dedicar horas para uma fonte que se revela não adequada (o hábito de "googlar" e ir clicando nos primeiros retornos de busca e descartar imediatamente os que aparentam não ter serventia). Mencionado por Eloy, Umberto Eco, fascinado pelo i-Pad, que lhe poupou esforços de mula de não ter que carregar 20 livros, certamente sabe realizar a crítica interna e externa dos documentos, apregoada por Langlois e Seignobos em 1898, sem cair na armadilha da neutralidade positivista, mas será que os novos pesquisadores, que estarão sendo forjados no universo da informação sem suporte físico aparente saberá?
Em tempo: além de escavar em minha memória a obra "Introdução aos estudos históricos" de Langlois e Seignobos, paro o exemplo do parágrafo acima, recorri a cópia xerox que tenho dela (a última edição brasileira data de 1946). Será que o nativo digital que queira consultá-la, mesmo que só por curiosidade, irá encontrá-la na web (não achei nenhuma versão on-line em língua portuguesa)? Ou apenas matará a curiosidade por meio das inúmeras "explicações" sobre o método positivista, facilmente encontráveis em um simples "googlar". Está lançado o desafio!
As bases metodológicas sobre a organização de fontes empíricas para a pesquisa em história estão lançadas naquela obra, de mais de um século. A heurística, caracterizada como a busca de documentos para a História, terá importantes desdobramentos nas demais áreas das humanidades e traz conceitos fundamentais que serão apropriados parcialmente pelas ciências sociais aplicadas. Quantos são os arquivistas formados hoje que passam a ter um visão meramente panorâmica e preconceituosa sobre o positivismo histórico (o tópico é recorrente nas ementas de "Introdução à História", disciplina típica da graduação em Arquivologia) que jamais leram na íntegra (mesmo que traduzidos) textos de Langlois, Seignobos, Comte, Ranke etc.? Quantos são os Bibliotecários que, assumidamente ou não, defendem um modelo de pesquisa positivista sem nunca terem ido além dos populares manuais de pesquisa, fartamente disponibilizados na web, sem terem tido o prazer da leitura crítica de um clássico? Sera que os novos cientistas da Informação irão apenas se contentar com manuais sobre práticas de pesquisa ou será que irão se dar ao trabalho de buscar também os clássicos, mesmo que virtualmente inatingíveis?
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Valeu :)
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