terça-feira, 11 de setembro de 2012

Meio digital é caminho sem volta para jornais



Por Vera Brandimarte e Raquel Balarin
Reproduzido do Valor Econômico

via Observatório da Imprensa
Imagem: Internet

        
Três dias de discussões e apresentações sobre experiências de veículos de comunicação de todo o mundo não deixam dúvida. Os jornais terão de investir mais e mais em inovações em meios digitais, a despeito de os resultados financeiros obtidos até agora nessas plataformas serem insuficientes para compensar as perdas de publicidade e receita de circulação nos jornais. Para dois terços de 150 veículos consultados em todo o mundo pela Associação Mundial de Jornais (WAN, na sigla em inglês), as plataformas digitais respondem por menos de 10% do faturamento com publicidade. O número foi divulgado durante o 64º Congresso Mundial dos Jornais e o 19º Fórum Mundial de Editores, realizados simultaneamente na semana passada em Kiev, na Ucrânia.

A conta dos investimentos em inovação e criação de plataformas e aplicativos de distribuição de conteúdo digital continua sendo paga pelas edições impressas. No ano passado, após um 2010 de declínio, a circulação de jornais (pagos e gratuitos) voltou a crescer. Metade da população adulta do mundo lê ao menos um jornal por dia. São 2,5 bilhões de exemplares diários, em comparação com 600 milhões de edições digitais. Uma análise mais detalhada dos números, porém, mostra que essa expansão está fortemente concentrada na Ásia (Índia e China), enquanto em países de economia madura as vendas de jornais continuam caindo. Na Europa Ocidental e América do Norte a circulação caiu 17% nos últimos cinco anos. Na América Latina, cerca de 3%. As vendas de publicidade em edições impressas também não são animadoras: entre 2007 e 2012, a receita publicitária em jornais caiu de US$ 128 bilhões para US$ 96 bilhões.

A difícil equação entre queda na receita publicitária e de venda de jornais impressos e a necessidade de investimentos maciços em inovação tem levado as empresas de comunicação a mudarem suas estratégias de negócios. O conteúdo, antes gratuito na web, está cada vez mais atrás de muros de pagamento, os chamados paywalls. É uma maneira de equilibrar as receitas entre venda de publicidade – que é muito mais barata nos meios digitais – e venda de assinaturas. No The New York Times, que adotou no ano passado o paywall, inspirado por modelos do The Wall Street Journal e do Financial Times, já são 500 mil assinaturas puramente digitais, em comparação com 700 mil do impresso.

O lado bom

“Estamos chegando a um período em que os jornais não mais serão rentáveis. Em contrapartida, também estamos próximos de um novo modelo de negócio”, afirmou Greg Hywood, principal executivo da Fairfax Media Limited, da Austrália. Essa empresa decidiu reduzir de forma planejada as vendas da edição impressa e fechar a gráfica na qual havia investido US$ 500 milhões, há dez anos, para jogar as fichas na área digital. “Se se consegue aumentar a receita de publicidade e de assinatura digitais e se livrar dos custos de impressão e distribuição, o negócio torna-se viável”, disse Hywood, que prevê o dia em que não será mais rentável imprimir jornais.

A mudança de mentalidade em relação ao conteúdo gratuito nos meios digitais ganhou força com o lançamento do iPad, no início de 2010. O conceito de loja de aplicativos mostrou que há disposição das pessoas em pagar pelo conteúdo. Por outro lado, o tablet trouxe mobilidade de fato à edição impressa. Pesquisa apresentada no congresso da WAN indica, por exemplo, que os leitores veem os aplicativos muito mais como uma extensão do jornal impresso do que como extensão da web. “E quem vê os aplicativos dessa forma está disposto a pagar mais por ele”, disse Florian Bauer, fundador da Vocatus AG, da Alemanha.

A relação do tablet com a edição impressa também foi detectada pelo The Telegraph, que lançou sua primeira versão do aplicativo em setembro de 2010 e uma segunda em maio de 2011, paga. “Nos seis meses em que o aplicativo permaneceu gratuito, oferecido por um patrocinador, fizemos uma extensa pesquisa com os leitores. Eles nos disseram que queriam um produto mais próximo do jornal, que publicasse uma seleção das notícias mais importantes e que tivesse anúncios de página inteira, em vez dos tradicionais banners da internet.”

A análise dos dados de tráfego do aplicativo do Telegraph indica ainda que, no tablet, o hábito de consumo de notícias é diferente. Há um pico pela manhã e outro após as 6h da tarde, com o fim do expediente – um quadro reforçado por vários executivos em apresentações na Ukrainian House, no centro de Kiev. É um horário de leitura mais relaxado, que permite o consumo de textos mais longos e também de produtos anunciados em publicidade.

“Temos que entender como são consumidas as notícias”, afirmou Mario Garcia, CEO da Garcia Media, especializada em design de publicações. “Você vai tomar a sopa, tanto faz se de pé na cozinha ou na sala de jantar. O importante é como você vai apresentar a notícia em cada plataforma”, disse ele. Enquanto na internet e no celular as pessoas querem ler notícias resumidas, pois são plataformas para se ler de forma rápida, o tablet, à semelhança do jornal, é para a leitura de maior reflexão, ou para ler histórias que de alguma forma surpreendam.

O tablet, porém, não é suficiente para indicar que os meios de comunicação encontraram a saída. Um ponto de atenção é o fato de que ele não é exatamente um produto para jovens. A idade média dos leitores do aplicativo de notícias do Telegraph, por exemplo, é de 50 anos, inferior à dos assinantes da versão impressa, mas ainda assim superior à do leitor do site (42) e dos aplicativos de smartphones (35). É por isso que, embora estejam felizes com os resultados que vêm obtendo com os tablets, os publishers estão com seus olhos voltados para os celulares com acesso à internet. Os smartphones são considerados a nova onda da revolução que vem ocorrendo na distribuição de conteúdo noticioso.

Em 2020, cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo estarão conectadas à internet via celulares, segundo Earl Wilkinson, presidente executivo da International Newsmedia Marketing Association (INMA), com base em dados do livro Abundance. Em poucos anos prevê-se que todo cidadão estará conectado com algum tipo de dispositivo móvel. Tor Jacobsen, CEO da VG Mobile, do grupo Schibsted, da Noruega, observa que o celular é muito importante para empresas de mídia porque “ele é de uso muito pessoal, está em todo lugar e é usado o dia todo”. Mas não basta transpor o modelo do tablet para o aplicativo do celular. No tablet, a leitura é mais imersiva. No celular, é de utilidade, de consumo rápido, fragmentado. Por conta dessa fragmentação, há quem acredite que o modelo de paywall não se aplica aos celulares. “Estamos gastando energia em colocar muros em plataformas móveis”, diz Raju Narisetti, editor executivo do americano The Wall Street Journal Digital Network. Mais uma vez, os jornais terão que investir para encontrar o modelo de negócio que pode ser aplicado aos celulares e também para capturar a atenção desse público de consumo de conteúdo fragmentado. O lado bom da história, diz Jacobsen, é que a experiência tem mostrado que os dispositivos móveis também são muito mais efetivos para os anunciantes do que o impresso e a internet.

Arte de montar combos

Com edições impressas, sites, aplicativos para tablets e também para celulares, os veículos de comunicação têm atingido uma audiência cada vez maior. Na Austrália, por exemplo, os produtos da Fairfax são consumidos por 40% da população do país, um recorde absoluto na história da companhia. Gerenciar esses produtos todos, porém, tornou-se muito mais complexo.

Conhecer quem consome o que, em qual horário, com que tipo de interação e com que resultados para os anunciantes são dados vitais para que empresas otimizem seus recursos e esforços. As áreas de análise desses dados, o data analytics, ganharam novo status nas companhias. As estratégias contribuem para aumentar a audiência e a fidelidade dos leitores, a transformá-los em assinantes e a torná-los consumidores pagantes de vários produtos, de acordo com Laura Evans, chefe da área de análise de dados da Dow Jones nos Estados Unidos. Um de seus trabalhos tem sido olhar os números não apenas para entender o passado, mas para fazer previsões – e estabelecer metas – para o futuro em vários segmentos das companhias de mídia, do editorial ao comercial.

A necessidade de conhecer profundamente seu consumidor para saber pelo que ele se interessa pode parecer óbvia para a maior parte dos setores industriais e comerciais. Para a indústria de jornais, entretanto, é mais uma mudança cultural enfrentada nos últimos anos. Quando o foco era exclusivamente nas edições impressas, a principal fonte de receita era a venda de anúncios. As assinaturas respondiam por uma parte bem menor do faturamento. Conhecer o público, portanto, era uma necessidade para poder vender publicidade. A qualificação do leitor indicava que tipo de anunciante poderia ser atraído. Agora, com o crescimento cada vez maior das assinaturas digitais e de sua importância no mix de faturamento, é preciso entregar exatamente o que ele precisa. O foco passa a ser o leitor e a experiência do usuário.

Conhecer como o leitor interage com o conteúdo, seja ele texto, foto, vídeo, comentário, infografia ou um post em uma rede social, é uma das grandes facetas dessa nova cultura. Mas a mudança vai além. Há consultores que têm ajudado as empresas de comunicação a entender como age psicologicamente um leitor ao escolher uma entre as várias opções atuais de pacotes de assinaturas. Bauer, da Vocatus, por exemplo, citou dados da revista The Economist para mostrar como a psicologia afeta a decisão de compra.

A revista inglesa fez dois testes. No primeiro, ofereceu sua versão digital (e-paper)por US$ 59 anuais, sua versão impressa por US$ 125 e um combo com os dois produtos por US$ 125 anuais. No fim, 84% dos leitores optaram pelo combo, 16% pela primeira opção, do e-paper, e nenhum pela assinatura apenas da edição impressa.

No segundo teste, entretanto, quando se excluiu a opção da edição exclusivamente impressa, já que ninguém havia optado por ela, o resultado foi completamente diferente: 68% dos leitores escolheram ficar com a alternativa mais barata, de US$ 59 apenas para o e-paper. Apenas 32% ficaram com o combo. “Isso mostra como montar os combos, os pacotes, passou a ser um dos principais desafios das companhias”, afirmou Bauer.

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Exemplos bem-sucedidos inspiram novas experiências

Iniciativa isolada de algumas empresas jornalísticas até um ano e meio atrás, a cobrança de assinatura digital, chamada de paywall (muro de pagamento), passou a ser a grande tendência na indústria em todo o mundo. Os bons resultados obtidos por veículos como The New York Times, dos EUA, Die Welt, do grupo alemão Axel Springer, e os jornais econômicos The Wall Street Journal e Financial Times, primeiros a cobrar pelo conteúdo digital, têm inspirado publishers dos cinco continentes.

No FT, as assinaturas digitais somaram 300 mil no fim de junho, ultrapassando as 299 mil assinaturas do impresso, com um aumento de 31% em relação ao fim do ano passado, segundo a publicação Innovations in Newspapers – 2012 World Report. No WSJ, são cerca de 600 mil assinaturas digitais pagas e no NYT, 500 mil. “Nossa meta agora não é aumentar a quantidade de assinantes. É melhorar a receita com as assinaturas digitais e do impresso, assim como ampliar a receita publicitária da web”, disse Michael Golden, vice-presidente do conselho de administração da The New York Times Company.

Embora não tenha sido o primeiro a adotar o muro de pagamento, o NYT é o jornal que mais tem despertado a atenção da indústria por seu tamanho, alcance internacional e por não ser um veículo de nicho, como o são WSJ e FT. A pergunta que os executivos se fazem é se há espaço para cobrar por notícias gerais, commodities que estão à disposição de todos. “Apenas de 5% a 17% das notícias publicadas nos meios digitais são exclusivas ou notícias urgentes e importantes. Para se cobrar pelo resto, é preciso melhorar a experiência do usuário”, disse Dietmar Schantin, fundador do Instituto de Estratégias para a Mídia, da Áustria.

Raju Narisetti, do The Wall Street Journal, tem a mesma opinião. Para ele, ter excelente conteúdo não é suficiente para ganhar a briga pela conquista de leitores. É preciso assegurar que o leitor terá uma experiência boa quando entrar em contato com esse conteúdo. Por conta disso, muitas redações têm absorvido programadores e designers digitais, como é o caso do NYT e do Today India Group. O Innovation Media Consulting Group, do Reino Unido, sugere que os desenvolvedores trabalhem dentro da redação, pensem e ajam como jornalistas, reportem-se aos editores, e não à área de tecnologia, produzam animações multimídia todos os dias e sejam parceiros de jornalistas e designers. “Nós dizemos que produzir conteúdo é simples e a arte está no código (programação dos sistemas). Os jornalistas veem o contrário”, disse Narisetti. (RB e VB)

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Mudanças requerem novo perfil de profissional

Se os desafios para que empresas jornalísticas se mantenham rentáveis no futuro são grandes, não são menores os dos profissionais que atravessam essa transição. Antes, boa formação intelectual, bom texto e argúcia eram atributos suficientes para qualificar o bom jornalista. Agora, é preciso ter novas habilidades, como o domínio de novas tecnologias e da produção instantânea de conteúdo. Foi-se também o tempo em que, depois de apurar e escrever suas matérias, o jornalista esperava para ver seus textos no jornal do dia seguinte. Hoje, ele produz e edita textos e vídeos em múltiplas plataformas e em tempo real, recebe a imediata reação dos leitores em comentários e interage com eles em redes sociais.

Uma das grandes dificuldades dos jornais está na contratação desse pessoal adequado, segundo conferencistas que participaram dos eventos da WAN em Kiev, na Ucrânia. A reação à produção de conteúdo para múltiplas plataformas começa nas próprias redações. Para Mario Garcia, da Garcia Media, quem está na redação segue planejando seu dia como fazia há 20 anos. “Não estamos fazendo jornalismo para web. Seguimos fazendo a notícia para jornal e depois as publicamos na web”, afirmou Raju Narisetti, editor-executivo do The Wall Street Journal Digital Network.

Um caminho que vem sendo trilhado por várias companhias de mídia é o de atrair talentos mais jovens e integrá-los às redações. Mas, para Earl Wilkinson, presidente da International Newsmedia Marketing Association, isso é bom, mas não é suficiente. É preciso dar treinamento interno e externo e mais acesso a informações sobre a própria indústria jornalística.

Companhias como a SUP Media, da Rússia, por exemplo, ensinam que a interação de jornalistas com redes sociais é importante porque elas se tornaram grandes distribuidoras de conteúdo, além, é claro, de fontes de informação. O jornalismo construído com a ajuda das redes sociais cria ainda laços com o leitor. Um tweet não pode ficar sem resposta, afirmou John Henley, redator do britânico Guardian, embora a mensagem recebida nunca deva ser retransmitida para a rede sem que ela seja checada.

A relevância das redes sociais para o jornalismo, entretanto, não é um consenso. Para Ryaad Mynty, chefe para mídias sociais da TV Al Jazeera, todos os cidadãos são produtores de notícia e as empresas têm de criar a cultura da participação. “Os meios não são os primeiros a dar as notícias; são as pessoas. Nós as recolhemos, organizamos e distribuímos para todo mundo.” A opinião, que reserva ao jornalista um papel secundário, não encontrou muito respaldo na plateia. (VB e RB)

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[Vera Brandimarte e Raquel Balarin, do Valor Econômico em Kiev (Ucrânia)]

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