terça-feira, 13 de agosto de 2013

O lugar que guardava livros

Importante pensador do futuro das bibliotecas, Matthew Battles defende ‘curadoria’ da informação digital e participação do cidadão nos acervos

Maurício Meireles | O Globo

Visitantes na biblioteca pública de New York New York Times

Matthew Battles era um homem que tomava conta dos livros. De responsável pelas obras raras da biblioteca da Universidade de Harvard ele passou a um dos principais pensadores do futuro das bibliotecas diante dos avanços tecnológicos. Hoje, dirige o MetaLab, centro de pesquisas de Harvard sobre a influência da tecnologia nas artes e ciências humanas. No laboratório, é um dos colaboradores da Digital Public Library of America, biblioteca digital que une vários acervos dos Estados Unidos. Ele conversou com O Globo, por telefone, antes de vir ao Rio para a série “Múltiplos e contemporâneos: a literatura .com”, que começa nesta quarta-feira com sua palestra “Biblioteca do futuro”, às 18h30m, no Centro Cultural Banco do Brasil — e terá uma mesa por mês, até dezembro.

O senhor já escreveu um livro sobre a história cultural das bibliotecas (“A história conturbada das bibliotecas”, editora Planeta, 2008). Como elas vão mudar daqui em diante?
A biblioteca já existia antes de haver o livro como o conhecemos, um produto comercial. Ao longo do tempo, as bibliotecas foram reconhecidas mais pela sua forma do que pelos livros guardados nelas. Portanto, são um conceito aberto, com espaço para mudança. Elas terão um papel importante no futuro, mas o que fazemos dentro delas e os objetos com os quais interagimos vão mudar.

Que novos materiais a biblioteca passará a guardar?
Conforme os livros passem a ocupar o reino digital, a biblioteca vai virar um local para interagir com tais objetos, criando novas experiências de significado a partir deles. Os e-books são maravilhosos, mas seu modelo de consumo é baseado sobretudo no iPod e no download de músicas — que ouvimos em fones de ouvido, de forma privada. A leitura já é um ato bastante privado, então precisamos de formas de dividir essa experiência uns com os outros. Caso contrário, ela vira uma província em que só há interação do consumidor com um varejista da internet. As bibliotecas podem ajudar nisso ao dar acesso a outras fontes de informação, como ferramentas de visualização, mecanismos de edição, salas interativas — e outras mídias caras demais para o leitor ou estudante médio. Além disso, a biblioteca vai ajudar o leitor a se ver como criador de cultura. E auxiliá-lo a preservar peças do seu passado que tenham a ver com nossa história comum.

As bibliotecas costumam guardar os chamados efêmeros, como jornais e documentos oficiais. Elas vão continuar a guardá-los? Como fazer com a informação das redes sociais?
Um amigo meu tem uma coleção enorme de fanzines, que ele acaba de doar para a biblioteca de obras raras da Universidade de Iowa. Esse tipo de acervo é precioso, e as bibliotecas vão continuar a organizá-lo. Mas mais interessante é a informação digital — desde mensagens de e-mail e das redes sociais até dados da vida urbana e de saúde pública. Hoje, muito da nossa interação com o mundo produz informação. As bibliotecas precisam entender as vastas fontes de informação da sociedade moderna como um fenômeno que precisa de curadoria.

Para preservar o acervo, é comum que o acesso a ele seja dificultado. Como encontrar o equilíbrio entre preservação e necessidade de interação?
As ferramentas digitais ajudam. Já faz um tempo que digitalizamos livros e material iconográfico. O próximo passo é permitir que os usuários da biblioteca tenham acesso a dados que conectem esses livros e outras fontes uns aos outros. Como encontrar todos os livros que mencionam o Rio de Janeiro? Como descobrir quantas vezes uma obra foi traduzida ao longo da História, com um mapa de sua leitura no mundo?

O senhor pode dar algum exemplo de iniciativas que fazem isso?
Várias cidades americanas já divulgam dados civis que documentam tudo, desde a origem dos alimentos até dados de trânsito. Muitas bibliotecas já digitalizaram seus acervos, mas essas fontes de informação são meio esotéricas, difíceis de encontrar e usar. É preciso criar programas para ajudar o cidadão a interagir com eles. Um grande exemplo é a Digital Public Library (projeto do historiador Robert Darnton de digitalização e acesso aos acervos das bibliotecas americanas) e a Europeana (biblioteca digital da União Europeia). Essas iniciativas permitem que programadores independentes interajam diretamente com ele, criando programas para lidar com a informação.

Qual a sua colaboração com a Digital Public Library?
A Digital Public Library vai reunir acervos de várias bibliotecas. Depois, será feito um catálogo de catálogos. A ideia é que os arquivos conversem entre si. Estamos criando ferramentas para interagir com esse acervo de acervos. Mais à frente, a ideia é ajudar as pessoas a incluir seu próprio material.

Um dos obstáculos para digitalizar acervos diz respeito aos direitos autorais. O Google Books tentou e não conseguiu. Como resolver isso?
As pessoas têm mais consciência da importância de compartilhar a informação cultural. Com o tempo, as leis também devem mudar. O próximo passo da digitalização deve ser pessoas comuns contribuírem para arquivos históricos e culturais. Perdemos muito da Antiguidade clássica porque autores como Cícero e Horácio, por exemplo, não escreviam sobre o cidadão comum. Seus manuscritos só refletem parte da vida naquele tempo. Já nas ruínas das casas, há registros de recibos, poemas, cartas de amor.

No Brasil, há muitas bibliotecas vazias por conta da dificuldade de atrair o público. Como mudar isso?
Todo mundo está virando bibliotecário. A biblioteca precisa apelar para a sensação de alegria das pessoas de descobrir algo novo e dividir com os outros. É o que já fazemos nas redes sociais. O desafio é fazer essa lógica funcionar no espaço físico, por meio da tecnologia, que nos permita interagir não só com os livros, mas uns com os outros

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