Para pesquisador espanhol, o importante para garantir navegação segura é mediar e restringir os conteúdos acessados e não o tempo de uso. Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que bebês tenham acesso a dispositivos digitais só depois dos 18 meses
AP Ana Paula Lisboa | Correio Braziliense
Ana Lúcia Durán, fonoaudióloga clínica e educacional, pós-graduada em psicomotricidade
Às vezes, parece que as novas gerações nascem conectadas. Com poucos meses, bebês se interessam pelo brilho, pelas cores, pelos sons e pelos movimentos em telas de celulares, tablets, computadores, televisões. Antes do primeiro aniversário, meninos e meninas conseguem usar smartphone sozinhos, “escolher” um vídeo para assistir e até pular para o próximo caso se cansem. O uso das ferramentas precede saber ler ou escrever. Por um lado, as novas tecnologias são fonte de entretenimento e informação; por outro, trazem riscos em termos de privacidade e de conteúdos inadequados para crianças pequenas. Na primeira infância, período até 6 anos, a preocupação com a internet precisa ser ainda maior, visto que, nessa fase, há menos consciência e autonomia para lidar com as ameaças da rede. Para piorar, falta regulação efetiva por parte dos pais e do sistema de educação.
É no que acredita o espanhol Lucas Ramada Prieto, estudioso de ficção digital para crianças e jovens. Ele defende a vigilância em termos de conteúdo e não de tempo de acesso. “O importante não é limitar quantas horas a criança poderá usar a rede. A Associação Americana de Pediatras, por exemplo, disse, em 2010, que era preciso limitar e, em 2016, voltou atrás. Normas rígidas de quantidade de uso não levam em conta o contexto”, comenta ele, que veio ao Brasil esta semana para participar, em São Paulo, do seminário internacional Arte, palavra e leitura na primeira infância, evento organizado pela Fundação Itaú Social e pelo Serviço Social do Comércio (Sesc).
Já a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem recomendações diferentes de acordo com a faixa etária na primeira infância: proibição do uso até os 18 meses e limitação de até duas por dia até os 6 anos. Fátima Guerra, doutora em educação infantil e professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB), pondera que só observar o período gasto na rede não basta. “Estabelecer quantos minutos ou quantas horas se pode usar não resolve a questão, porque a criança ainda poderia ver algo inadequado. O ideal é que cada um estabeleça o próprio limite baseado com confiança mútua entre pais e filhos.”
No entanto, a pedagoga chama a atenção para a importância de não generalizar. “Não dá para universalizar, cada faixa etária, cada contexto, é diferente. Se o menino ou a menina começa a abusar ou descumprir o combinado, às vezes, é o caso de tirar totalmente. Criança precisa de limites e não só na questão da internet”, defende. “Não se deve ficar o dia inteiro on-line, pois há outras coisas do universo infantil igualmente importantes, como sair ao ar livre, tomar sol, brincar, relacionar-se fora da escola”, diz. “Não existe receita de bolo. Cada criança é diferente”, defende.
Lucas Ramada Prieto alerta para o perigo de pensar que há problema no uso apenas da internet. “As telas fazem parte do ecossistema de ficção, arte e cultura — que envolve livros, jogos, músicas. Estar muito imerso em uma tela é como estar muito imerso em um livro e, se vemos uma criança lendo muito, provavelmente não acharíamos ruim ou perigoso”, compara o doutor em didática da literatura pela Universidade Autônoma de Barcelona, onde é professor e membro do Gretel (Grupo de Pesquisa de Literatura Infantil e Educação Literária).
“Não é tão importante definir períodos de uso. Não há sentido, porque se trata mais de ensinar a crianças que não se pode ficar todo o tempo fazendo uma coisa só, seja usar o celular, jogar futebol, ler, seja assistir a novela. Limitar só porque é on-line não faz sentido”, argumenta.
O principal para um uso saudável da rede mundial de computadores, na visão da professora Fátima Guerra, é estabelecer uma relação de confiança com os filhos. “Não deve ser algo de cima para baixo. Acessar a internet também não deve ser usado como prêmio, punição ou chantagem — se você fizer isso, deixo brincar no celular”, ensina a mestre em psicologia. “Tem muito pai que dá o tablet ou o celular quando quer que o filho fique quieto num restaurante ou avião. Não deveria ser esse o uso”, orienta. Outro tema polêmico é conciliar privacidade e supervisão. “O acesso paterno tem de ser conversando, olhando junto”, aconselha. Tantos aspectos complexos deixam claro para a professora da UnB que educar na era digital é muito mais difícil. “A saída é o diálogo e, se você não estabelece o diálogo e a relação de confiança desde muito cedo, não é na adolescência que conseguirá fazer isso”, aponta.
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