terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Washington Post tenta se adaptar ao futuro digital e preservar legado

Com menos funcionários e grande atenção às operações online, jornal é um dos que passa por transformação mais profunda nos EUA


The New York Times | IG


Em um domingo no início do mês de dezembro, Marcus Brauchli, editor-executivo do jornal americano The Washington Post, convocou alguns dos jornalistas mais conhecidos da publicação para um almoço em sua casa, um típico sobrado de tijolos vermelhos no subúrbio de Bethesda, Maryland.


Ele pediu a seus convidados, entre os quais estavam os vencedores do Prêmio Pulitzer Bob Woodward, Dana Priest, David Maraniss e Rick Atkinson, junto com Dan Balz, correspondente-chefe, e Robert G. Kaiser, escritor e editor sênior que trabalha no Post desde 1963, que ajudassem o jornal.


Brauchli queria saber o que eles estavam achando da cobertura que o Post estava fazendo das eleições de 2012 e o que poderia ser melhorado. O jornal, disseram os convidados, precisava equilibrar de maneira mais eficaz o feroz ciclo de notícias quentes, publicadas 24 horas por dia, e outros projetos mais ambiciosos de longa duração. A motivação dos funcionários que trabalham na redação estava baixa e precisava de atenção.


Foto: Getty Images
Cópia do Washington Post é vista à venda em banca de Washington, nos EUA (05/05/2010)


A reunião foi um gesto incomum por parte de Brauchli. Nos quase três anos e meio desde que se tornou o primeiro profissional a ser contratado de fora do jornal para exercer a função em sete décadas, muitas vezes teve de lutar contra a percepção de que era desatento às preocupações dos membros de sua equipe.


Mas Brauchli tem plena consciência da tensão que está no cerne de sua missão - uma tensão a ser enfrentada não apenas pelos jornais, mas por empresas ligadas à música, cinema, livros, revistas e televisão. Ele é o responsável por manter as normas e os legados de uma grande instituição - neste caso, o jornal de Katharine Graham, Ben Bradlee e Woodward e Carl Bernstein – enquanto lida com a dura realidade de que, na era digital, sua grandeza está desaparecendo.


Brauchli se recusa a ser refém do passado."Existem muitas pessoas nostálgicas no campo do jornalismo, que gostam de olhar para trás e analisar como os jornais eram e têm uma visão bastante fixa do que deveriam ser", disse ele em uma entrevista. "Só porque o The Washington Post era de uma determinada maneira não significa que ele tem de ser assim para sempre."


O Post enfrenta os mesmos problemas que outros jornais diários, cujos lucros diminuíram à medida que a internet e as dificuldades na economia afundaram os investimentos em propaganda. Mas em alguns aspectos sua situação é ainda mais assustadora. Diferentemente da maioria de outros jornais nacionais, o Post atende a um mercado puramente local, que durante décadas teve uma concorrência limitada e dependia de anunciantes locais e assinantes que acabaram migrando para a internet.


Embora os administradores da empresa digam reservadamente que o Post é modestamente rentável, a sua divisão de jornal, que também inclui um grupo de publicações comunitárias e o The Herald of Everett, de Washington, divulgou um prejuízo operacional de cerca de US$ 26 milhões (R$ 44,7 milhões) nos três primeiros trimestres do ano passado.


Para piorar, a rede de segurança financeira do Post sofreu um colapso. Durante décadas o jornal pode contar com a Kaplan, empresa dona de uma faculdade com fins lucrativos e cursos preparatórios que comprou em 1984. Mas a Kaplan sentiu a pressão das novas regras federais que colocaram mais limites sobre como faculdades com fins lucrativos devem recrutar e inscrever estudantes de baixa renda.


Antes o negócio de crescimento mais rápido do Washington Post, hoje a Kaplan fica bem atrás. A educação tem se tornado uma fonte de renda menos operacional do que a televisão a cabo e aberta, duas divisões historicamente menos cruciais para seus lucros.


Isso deixou o jornal e outros negócios da empresa expostos. A redação, que já teve mais de mil funcionários, agora está com menos de 640. A seção de cultura do jornal, antes uma das mais cobiçadas no jornalismo americano, passou a ter um quarto dos 100 profissionais contratados anteriormente. Seus escritórios em Nova York, Los Angeles e Chicago foram fechados. Tantos bolos de despedidas foram comprados para os funcionários que deixaram a empresa no verão passado que os editores tiveram que coordená-los de modo que uma despedida não atrapalhasse a outra.


"A sobrevivência da instituição não é garantida", disse Kaiser em uma entrevista antes do almoço de dezembro. Ao longo de sua carreira de cinco décadas no Post, ele foi estagiário de verão, repórter de trânsito, correspondente internacional e braço direito de Len Downie, antecessor de Brauchli.


"Quando era editor executivo do Washington Post, tudo o que fazíamos era melhor do que qualquer um que estava no ramo", disse ele. "Tínhamos a melhor previsão do tempo, as melhores histórias em quadrinhos, as melhores e mais completas notícias. Hoje existe um concorrente para cada elemento do que fazemos e muitos deles se saem bem melhor do que nós. Perdemos nossa vantagem em alguns aspectos profundos e fundamentais."


Na semana passada o jornal anunciou uma nova rodada de aquisições, num esforço para cortar mais de 20 cargos, no que os gerentes informaram ser parte da triste realidade de que o Post não está ganhando dinheiro suficiente para pagar a equipe que tem.


Brauchli reagiu à agitação ao se oferecer para supervisionar uma das reorientações mais abrangentes e mais pessoais de qualquer redação do país. Os editores agora estão de olho na internet e seguem livremente as regras de seus concorrentes mais ágeis, como os sites Politico e The Huffington Post.


Seus esforços pode resultar em um estudo de caso de alto nível sobre como uma empresa pode promover uma cultura empreendedora digital, mantendo-se fiel à sua herança mais tradicional. Mas a transformação está longe de ser fácil. A redação foi tomada por tensões e houve discussões entre Brauchli e a direção da empresa.


O Post ampliou sua presença na internet, tentando fundir o que havia de melhor no antigo jornal com truques adotados por startups do mundo digital - a criação de novos e interessantes blogs como o "Wonkblog", de Ezra Klein, junto com "Celebritology 2.0" com notícias sobre as irmãs Kardashian e Justin Bieber. Isso tem feito com que muitos dentro da empresa questionem jornal não está pagando um preço muito alto pelos resultados de seu crescimento online.


Há dois anos o Washington Post estava consideravelmente atrás de muitos de seus concorrentes em questão de inovação na internet. Sua operação digital e sua operação impressa eram até em Estados diferentes: o escritório de notícias online ficava localizado do outro lado do rio Potomac, na Virgínia, e era administrado por um conjunto diferente de gestores.


Isso mudou depois que Brauchli e Katharine Weymouth, a publisher do Washington Post, integraram os dois lados no primeiro semestre de 2009. Os jornalistas mais ligados ao site agora trabalham ao lado de repórteres do jornal impresso na sede do Post na Rua 15, no centro de Washington. Sob a direção de Raju Narisetti, um dos dois editores-administrativos contratado por Brauchli, a redação foi reorientada a pensar em um novo objetivo: trazer o maior número de usuários possíveis para o Washingtonpost.com.


Narisetti, que deixou o jornal no mês passado por um novo emprego no The Wall Street Journal, onde ele e Brauchli haviam trabalhado anteriormente, trouxe grandes monitores de tela plana para a redação, que projetam em tempo real os artigos mais populares online. Ele instalou um novo sistema interno de publicação que requer que os repórteres identifiquem palavras-chaves com alto índice de busca no Google antes de as reportagens serem editadas.


Existem 35 diferentes relatórios feitos diariamente que acompanham o tráfego em diferentes partes do site. Editores recebem um alerta de desempenho ao meio-dia, dizendo-lhes se o site está próximo de atingir suas metas de tráfego para o dia. Se parece que o objetivo não será atingido, os editores solicitam conteúdo mais atual.


"Estava almoçando, abri o meu email, liguei para o pessoal e disse: 'Parece que não estamos fornecendo conteúdo suficiente. O que podemos colocar no ar?'" disse Narisetti, em entrevista realizada antes de sua saída.


Os principais editores adotaram a visão de que estudar os padrões de tráfego pode ser útil para determinar onde concentrar os recursos do jornal.


"Vamos supor que você esteja olhando para a sua equipe local e, por causa de certas situações, precisa mudá-las de lugar. Então você acaba dizendo para o editor local: ‘aqui estão os dados, aqui estão as necessidades de negócios do nosso público’", disse ele. "E, em alguns casos, as pessoas acabaram mudando o papel de um editor para um repórter, ou dizendo que estão se reorganizando para cobrir um evento e não irão precisar de quatro pessoas e sim de três para fazer a cobertura."


O tráfego não é o único fator que os editores examinam para determinar se irão continuar ou não com um blog. Eles conseguem visualizar em que lugar os visitantes estão quando leem o site. Se seus computadores têm registros com um sufixo do governo - .gov, .mil, .senate ou .house - os editores então sabem que estão atingindo seu público alvo.


"Esse é o nosso público influente", disse Narisetti. "Se um blog não está tão bem assim de audiência, mas tem muitos usuários com esses endereços, não nos preocupamos tanto assim com ele."


Os funcionários do Post são regularmente instruídos sobre como lidar com o tráfego na web. Em memorandos para a equipe, Brauchli costuma citar termos como número de visualizações de página, visitantes únicos e encaminhamentos para redes sociais da mesma maneira que citaria uma conquista jornalística. No início do mês, ele começou assim um email para a redação: "Janeiro foi um mês excelente para nós digitalmente. Superamos todos os nossos registros anteriores. Batemos nossos recordes mensais de visualizações de páginas em 9%, visitas em 14% e visitantes únicos em 12%."


Ele acrescentou: "Esse crescimento geral é um sinal de que estamos nos adaptando de maneira eficaz ao que os nossos leitores querem."


Os esforços do Post estão sendo recompensados. Recentemente sua página teve uma média de 19,6 milhões de visitantes únicos por mês, de acordo com a comScore, tornando-o o segundo site de jornal mais visitado nos Estados Unidos, atrás apenas do  The New York Times.


Narisetti e Brauchli foram parceiros na reinvenção da redação para a era digital, mas a sua relação se tornou tensa até chegar ao fim. Em uma briga testemunhada por repórteres em dezembro, Brauchli confrontou Narisetti na redação sobre um post equivocada em um blog que dizia que Mitt Romney estava usando uma linguagem da Ku Klux Klan em seus discursos. O acontecimento forçou o jornal a emitir uma errata citando "múltiplos e graves erros factuais”.


Em uma entrevista antes de sua partida, Narisetti foi questionado sobre se acreditava que a redação teria o mesmo tamanho até o final deste ano.


"Uma coisa que nenhum editor de uma redação neste país pode evitar dizer é que ela será menor", disse. Ele acrescentou que, se seus chefes lhe perguntassem de quantas pessoas ele precisaria para fazer o jornal ser publicado, "provavelmente não poderia dizer que precisaria de 630 pessoas."


Apesar da ênfase na distribuição digital, o Post continuou a prosperar por medidas mais convencionais. Brauchli aponta para as distinções jornalísticas sob sua administração, incluindo cinco prêmios Pulitzer e artigos como uma pesquisa feita sobre a seguradora AIG e seu papel no colapso econômico de 2008.


"O Washington Post não precisa cobrir tudo", disse ele. "Mas o que ele cobre, irá cobrir bem. Acho que a equipe de qualquer redação hoje certamente entende que estamos em uma indústria em rápida mudança, enfrentando a pressão competitiva constante, significativos desafios econômicos e grandes oportunidades para repensar a maneira como abordamos as coisas."


Alguns dos que estavam por perto quando a missão do Post era cobrir tudo disseram que entendem o quão difícil é o trabalho de Brauchli, e que acreditam que ele nem sempre recebe o mérito que merece.


"Não importa o que seja dito a respeito do Post ou da situação na qual ele se encontra hoje: este é um momento confuso para todos os jornais", disse Woodward. "Mas temos uma pessoa muito competente e especializada em notícias na liderança, que realmente tem a clareza, o zelo e a motivação de Bradlee."


Ninguém é mais responsável em carregar o peso do legado de Katharine Weymouth, 45, Publisher do jornal e quinto membro de sua família a manter esse título no Post. Sua avó era a querida matriarca do jornal, Katharine Graham.


Seu tio é Donald E. Graham, ex-editor e presidente da empresa. Uma prova da estima dos empregados do jornal por Donald Graham é que eles ainda o querem muito bem, apesar dos tempos difíceis.


Donald Graham, que se formou em Harvard e foi convocado para a Guerra do Vietnã, entrou para o departamento de polícia de Washington antes de aceitar um emprego como repórter no Post. Katharine, que cresceu no Upper East Side de Manhattan, frequentou a Escola Brearley e depois Harvard, seguindo um caminho um pouco diferente até chegar ao Post. Depois de se formar na Faculdade de Direito de Stanford, ela se mudou para Washington para trabalhar como uma advogada corporativa.


Foto: Getty Images
A sede do Washington Post na capital americana (01/05/2009)


Weymouth aceitou o cargo de assistente legal na empresa em 1996 e foi nomeada editora em fevereiro de 2008, época de recessão. Em uma de suas primeiras importantes decisões, ela surpreendeu a redação ao buscar um profissional de fora da organização, Brauchli, que pediu demissão do seu outro emprego como administrador do The Wall Street Journal, jornal que tinha um novo proprietário, Rupert Murdoch.


Ela viu em Brauchli o tipo de líder que poderia ser um forte parceiro na elaboração da estratégia de negócios da empresa para a próxima geração. "Acho que ele entrou com os olhos bem abertos", disse ela em uma entrevista.


Brauchli também se dispôs a assumir a tarefa indesejável de ter que reduzir o número de jornalistas na redação. "É um trabalho que Ben Bradlee não teve que fazer e que Len Downie só fez parcialmente”, disse ela, referindo-se aos últimos dois editores executivos do jornal.


Katherine estuda cuidadosamente a história de sua família, mesmo quando diz que seu legado não é algo em que pense muito a respeito. "Simplesmente não posso pensar assim", disse ela.


Seu mandato teve um começo difícil. No verão de 2009, Katherine teve de pedir desculpas depois que se tornou público que o Post estava planejando cobrar lobistas e outros por acesso a exclusivos "salões" em sua casa. Procurando um novo fluxo de renda, a empresa queria criar uma série de eventos com jornalistas do Post que iria atrair patrocinadores. Embora algumas revistas promovessem conferências similares, parecia algo indigno para uma instituição tão estimada como o Post. E as consequências seriam muito ruins.


Embora Brauchli sempre tenha entendido que seu trabalho era o de publicar um jornal diariamente e administrar um site ativo 24 horas com recursos reduzidos, alguns de seus editores disseram ter notado que sua relação com a publisher esfriou.


Um funcionário de longa data disse que Braunchli descreveu estar em "uma luta constante" com a editora sobre a necessidade de outros cortes na equipe. Em um ato que passou despercebido pelo jornal, Brauchli se recusou a aceitar um bônus, acrescentou.


Embora tal gesto, que aconteceu em um momento no qual o jornal estava dispensando um grande número de funcionários, possa ter ajudado a levantar a motivação da equipe, Brauchli optou por não torná-lo público. Quando Katherine escreveu um memorando de fim de ano para a equipe louvando suas realizações o nome de Brauchli ficou curiosamente de fora, levando muitos funcionários a acreditar que ela o havia esnobado. Na verdade, o nome de Brauchli tinha sido mencionado na primeira versão, mas ele pediu que fosse retirado.


Muitos no Post ainda estão tentando se adaptar à vida sob um novo regime, no qual recebem parabéns em sua caixa de entrada juntamente com as planilhas de audiência mais recentes, e no qual o estilo de gestão de Bradlee e Downie está cada vez mais distante. Os funcionários muitas vezes não gostam do fato de que Katherine e Brauchli não circulam o suficiente na redação. E a própria Katherine diz que não tem uma grande afinidade com a redação, ao contrário de seu tio Don.


Na noite da eleição de 2008 ela levou sua filha para a redação para mostrar como os jornalistas do Post fariam a história edição da eleição de Barack Obama. Repórteres e editores ficaram surpresos, porém impressionados com um ato que diz muito a respeito do compromisso de Katherine com o jornal.


"Espero que eles me vejam como uma defensora das notícias. Faço o meu melhor", disse ela, acrescentando que não visita a redação "tanto quanto gostaria”. "Ou estou presa em reuniões ou estou viajando. Gostaria de poder estar mais presente."


A resposta de Brauchli para a crítica foi parecida: "O jornalismo é onde quero passar a maior parte do meu tempo, é a minha paixão. Mas há uma série de outras questões que exigem a minha atenção."


Recentemente a Reuters, uma das empresas de notícias mais importantes do mundo, tentou trazer Balz para o seu time. Brauchli e o editor nacional, Kevin Merida, relutaram em perdê-lo - não apenas pelo profissional que é, mas também por causa dos potenciais danos à motivação da redação por se tratar de um profissional reverenciado e muito querido.


Eles enviaram um jovem repórter político, Philip Rucker, de Michigan, para o local onde Balz estava de férias, considerando a oferta da Reuters. Rucker apareceu na porta do hotel carregando uma cesta com queijos e vinhos e um livro que tinham escrito chamado “Campaign Crescendos: The Election-Night Writings of Dan Balz” (Nota de Campanha: Textos da Noite Eleitoral por Dan Balz, em tradução livre). Editores e repórteres haviam assinado o livro, pedindo para que ele ficasse.


Ele recusou a proposta da Reuters.


"Para mim, o Post foi e é um grande jornal", disse Balz. "É um lugar diferente do que era antes? Claro. Mas ainda é um ótimo lugar para se encontrar um ótimo jornalismo."


Por Jeremy W. Peters

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