quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Modelos de negócios para bibliotecas: aquisição perpétua & ebooks
Liliana Giusti Serra | Revolução eBook
Que as bibliotecas desejam – e precisam – incluir ebooks em seus acervos não é novidade. O que tem causado muitas duvidas é como fazer isso, com as mudanças que estamos enxergando no cenário, desde as formas de aquisição até a variedade de modelos de negócios existentes, muitas vezes com cada fornecedor definindo como disponibilizará os ebooks.
Os documentos digitais não são novidade nos acervos – outros materiais já estão presentes há bastante tempo -, mas com os ebooks observamos mudanças significativas, principalmente na forma de aquisição e as possibilidades de disponibilização do acesso ao conteúdo aos usuários. Em decorrência do ocorrido com o mercado fonográfico que precisou se reinventar em decorrência da transformação sofrida com a digitalização e distribuição dos arquivos sonoros pelos consumidores, o mercado editorial mostra-se reticente e conservador, tentando resguardar sua atividade numa atitude sensata de autopreservação. Com isto nos deparamos com grande diversidade de modelos de negócios para a inclusão dos ebooks nas bibliotecas, com os fornecedores experimentando possibilidades comerciais, empregando tecnologia e plataformas proprietárias, ofertando obras e serviços de acordo com seus interesses, sua tradição ou força no mercado. Estas questões estão alterando profundamente a gestão das unidades de informação, uma vez que elas precisam se sujeitar ao que é ofertado, com pouca ou nenhuma possibilidade de negociação. É compreensível o conservadorismo, com os fornecedores estudando as possibilidades existentes, tateando para experimentar o modelo de negócios que seja interessante ao seu mercado e produto, que preserve seu lucro e se resguarde em relação à ampla distribuição de arquivos caracterizada pela pirataria, porém é chegada a hora de definir os modelos de negócios que sejam atraentes a todos os agentes envolvidos, construindo com as bibliotecas as formas de inclusão e emprego das mídias. Existem atualmente diversos modelos de negócios, muitos deles com variações que por si só poderiam ser considerados novas modalidades. Nem todos estão presentes no Brasil. Trataremos neste espaço dos modelos de negócios existentes, suas vantagens e desafios. Os principais modelos de negócios são: aquisição perpétua, assinaturas, Patron Driven Acquisition (aquisição orientada ao usuário ou PDA), Short Term Loan (aluguel por período curto ou STL), pay per view entre outros. Neste texto será apresentada a modalidade de aquisição perpétua e, no decorrer das semanas outros modelos serão abordados.
Aquisição perpétua
Este modelo é o mais tradicional, similar com a aquisição de volumes físicos. Nesta modalidade a biblioteca adquire as obras como se fossem em papel, porém são digitais. É um modelo confortável aos bibliotecários por sua similaridade às formas de aquisição tradicionais, porém existem questões que precisam ser avaliadas. A aquisição é realizada por título ou por conjunto de obras – modelo típico das assinaturas – com a biblioteca adquirindo os títulos que efetivamente deseja incluir no acervo. Alguns fornecedores permitem que sejam adquiridas obras por área do conhecimento, formando pacotes, o que pode baratear a aquisição de acordo com a quantidade de títulos presentes no conjunto.
A modalidade de aquisição perpetua já rendeu algumas controvérsias entre fornecedores e bibliotecas. Uma delas foi o estabelecimento de uma quantidade de acessos que um ebook poderia ter e, uma vez alcançado este número, a biblioteca precisaria comprar um nova licença. A editora HarperCollins definiu este modelo para bibliotecas públicas ao impor que, ao vender ebooks, quando uma obra fosse acessada 26 vezes – numero estimado de empréstimos que um livro físico suportaria – a biblioteca deveria adquirir uma nova licença. Felizmente este modelo não persistiu. Outra controvérsia foi liderada pela Random House ao fixar valores excessivos ao comercializar ebooks para bibliotecas, alcançando variações em até 300% em comparação com as versões impressas. Ainda hoje a política de preços apresenta valores altos para esta modalidade, nem sempre sendo atraente às bibliotecas. Existem casos de fornecedores que recusavam-se a vender ebooks para bibliotecas ou então que ofereciam a versão digital de best sellers apenas após atingir uma quantidade estipulada de exemplares físicos vendidos ou quando finalizasse um período semelhante a uma quarentena, após o qual os livros poderiam ser oferecidos em seu formato digital às bibliotecas.
Ao adquirir um título por aquisição perpétua a mídia pode ser baixada no servidor da instituição ou ficar acessível através de plataforma proprietária do fornecedor. Caso seja baixada no servidor da instituição, a biblioteca passa a contar com novos desafios como espaço de armazenamento (storage), backup, preservação digital, segurança e, com o passar do tempo, conversão dos arquivos na medida em que os formatos vão sendo atualizados. Na maioria dos casos a biblioteca não terá autonomia para realizar uma conversão de formato e deverá adquirir uma nova licença ou adquirir uma atualização das mídias licenciadas afinal ela não tem autonomia para modificar os arquivos adquiridos. Se as mídias forem armazenadas no fornecedor, é necessário preocupar-se com a garantia que o acesso estará sempre disponível, assegurando a permanência de longo prazo daquele título em servidor, com as atualizações de versões de softwares de leitura.
Independente se o arquivo estará no servidor da instituição, com o fornecedor ou nas nuvens, o software da plataforma deverá ser utilizado para acessar o conteúdo. Alguns fornecedores realizam cobrança para utilização de plataformas proprietárias, sendo demandado às bibliotecas a aquisição ou renovação de uso do software de leitura dos ebooks.
Caso a instituição opte por não utilizar a plataforma de leitura dos ebooks, normalmente é estipulado por contrato que o fornecedor deve entregar o conteúdo adquirido em meio digital como o CD, por exemplo.
Algumas plataformas condicionam a abertura dos arquivos em um único dispositivo, impedindo que o mesmo livro seja aberto ora no computador, ora no tablet, e-reader ou smartphone. Estas restrições são observadas, inclusive, pelos leitores que adquirem seus ebooks nas livrarias, o que resulta em muitas reclamações e iniciativas para “quebrar” o DRM.
Ao adquirir livros eletrônicos, a biblioteca precisa ter ciência que existem restrições, com os arquivos através de aplicação de DRM (Digital Rights Management ou gestão de direitos digitais). O DRM determinará como será o acesso, possibilidade de cópia ou reprodução do conteúdo, distribuição a terceiros, impressão (total ou parcial) e modificação do conteúdo. O DRM controla o uso que será feito do arquivo podendo, inclusive, não permitir que o mesmo seja acessado. O DRM roda no servidor do provedor do ebook e não nos dispositivos de leitura, que se não possuir o software não permitirá o acesso ao arquivo. A aplicação ocorre com a utilização de software compatível com o esquema de DRM utilizado no ebook. Analisando sob a ótica do fornecedor, o DRM representa um custo para implementação e não representa segurança robusta quanto a má utilização que pode ser feita de um ebook, principalmente no que tange a distribuição não autorizada.
Caso a biblioteca queira proporcionar acesso simultâneo de um ebook a seus usuários ela deverá comprar “exemplares” do livro eletrônico. Ao adquirir um ebook, imagina-se que o arquivo eletrônico poderá ser aberto de forma simultânea, fazer download diretamente no site da biblioteca, imprimir, encaminhar etc., mas nem sempre isso é possível. Na maioria das vezes a aquisição perpétua funciona no padrão monousuário: uma mídia, um acesso, simulando o livro físico. Se a biblioteca quer ter mais acessos, precisará comprar mais mídias, passando a ter exemplares digitais em seus servidores, o que acarreta em uso excessivo de armazenamento, ocupando espaço para guardar arquivos iguais caso a mídia esteja sob a responsabilidade da instituição que adquiriu o ebook. Também deve ser observado que alguns fornecedores permitem o acesso aos arquivos em aplicações on line, obrigando o usuário a ter uma conexão com a internet para consultar e realizar a leitura. Opções mais atraentes permitem que o usuário da biblioteca faça o checkout do ebook e realize a leitura em ambiente off line.
As bibliotecas públicas tem sido mais afetadas pelas restrições do mercado editorial referente a aquisição de ebooks enquanto a situação apresenta-se mais estabelecida nas bibliotecas universitárias. Este fator é decorrente do emprego de recursos digitais há mais tempo nas bibliotecas universitárias, primeiramente com os periódicos, depois com a produção acadêmica e, finalmente com os ebooks. As bibliotecas universitárias sempre representaram vendas volumosas aos editores, impelidas pela necessidade de atualização dos acervos e projetos de pesquisa. A demanda por informação e fontes de referencia impulsionam a inclusão dos livros eletrônicos nos acervos, atendendo à necessidade de informação de estudantes e professores. Aqui no Brasil também foram observados avanços com o INEP (Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) passando a admitir a existência de livros eletrônicos nos acervos das instituições de ensino avaliadas, a partir de normativa de 2012.
De acordo com pesquisa publicada na Library Journal de 2012, 93% das bibliotecas universitárias norte-americanas optam pela aquisição perpétua, com a modalidade de assinatura respondendo por 79% das aquisições. Isto pode ser explicado pela necessidade da biblioteca universitária em realizar a curadoria de seu acervo digital, garantindo que determinados títulos façam parte do acervo, independente de renovações de licenças ou assinaturas. Nas bibliotecas públicas, mesmo com as restrições existentes, a aquisição perpétua responde por 80% das compras enquanto o modelo de assinatura representa 63% das aquisições. Quando a biblioteca é responsável pela guarda dos arquivos (self hosting), os números caem para 18% para universitárias e 13% nas bibliotecas públicas, ou seja, uma diferença significativa. Este fato é explicado pela dificuldade da biblioteca em realizar a guarda e controle dos objetos digitais ou devido ao fato que nem todos os fornecedores permitem que a biblioteca tenha a guarda do arquivo. Nem sempre as bibliotecas possuem servidores para armazenamento de ebooks, sem contar que a manutenção e, principalmente, a obsolescência de mídias e softwares, demandam alto investimento de aquisição e manutenção. Delegar ao fornecedor que ele seja responsável pela guarda do arquivo é confortável às bibliotecas, cabendo apenas a atenção de incluir a garantia de acesso a longo prazo nos contratos, resguardando a biblioteca de limitações de acesso às obras adquiridas.
O modelo de negócios de aquisição perpétua é oferecido no Brasil, porém a inclusão de ebooks aos acervos brasileiros tem ocorrido – a exemplo do que ocorreu com os Estados Unidos e a Europa – prioritariamente nas bibliotecas universitárias.
Questões técnicas e práticas da produção de ebooks serão discutidas por especialistas da área na Conferência Revolução eBook, que acontece dia 25 de outubro de 2013, em São Paulo. Confira aqui mais informações e inscrições.
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