quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Para o escritor Scott Turow, Google e Amazon representam ‘a lenta morte do autor americano’

O best-seller e advogado é o principal convidado da Pauliceia Literária, evento que será realizado em São Paulo entre os dias 19 e 22 de setembro

André Miranda | O Globo


Scott Turow. O autor já vendeu milhões de cópias no mundo com romances como “Acima de qualquer suspeita” (1987), “O ônus da prova” (1990) e “O inocente” (2010)
Foto: M. Spencer Green / Agência O Globo

Seus livros falam de mortes, acusações, desconfianças e de toda uma elaborada disputa jurídica. Neles, já foram descritos estupros, suicídios e assassinatos, sempre com detalhes de quem conhece bem tanto a arte da narrativa quanto a aridez das histórias policiais. Mas o assunto que ultimamente mais tem tomado o tempo do escritor e advogado americano Scott Turow é diferente das tramas de seus romances. Trata-se de um crime, sim, mas um em que é mais difícil encontrar provas e identificar culpados. É o que Turow chama de “A lenta morte do autor americano”.

Os suspeitos, apontados por ele num artigo que publicou em abril no jornal “The New York Times”, sobre os efeitos da era digital para os escritores, são Google, Amazon, a pirataria na internet e até as grandes editoras. Desde então, o assunto vem sendo motivo de debate para esse americano de 64 anos. E certamente será um dos temas abordados por ele na Pauliceia Literária, evento que será realizado em São Paulo entre os dias 19 e 22 de setembro e do qual Turow é o principal convidado — ele fala no dia 20, às 19h, na Associação dos Advogados de São Paulo, com mediação de Arthur Dapieve, colunista do Globo.

Eu costumo chamar a Amazon de “O Darth Vader do mundo literário”. Com uma política pesada de descontos e até pagando aos editores um valor mais alto do que o valor de venda dos livros, a Amazon está forçando a saída de seus competidores do negócio — afirma Turow, em entrevista por telefone ao Globo, ao exemplificar seus confrontos com algumas práticas do mercado digital. — As livrarias estão fechando, e as que tentam se arriscar nos e-books não conseguem. Para mim, seria natural alguém querer comprar e-books indo até uma livraria, plugando seu celular ou tablet num cabo e escolhendo o seu livro. Mas algo assim não acontece por causa da pressão que a Amazon faz no mercado.

Processo contra o Google
Não à toa, Turow foi eleito em 2010 para a presidência do Sindicato Americano de Autores, o que é extremamente simbólico para um momento de discussão sobre os direitos na internet e os contratos para e-books. Turow não é apenas responsável por celebrados romances jurídicos, como “Acima de qualquer suspeita” (1987) e “O ônus da prova” (1990), ambos publicados no Brasil pela editora Record, mas é também um advogado atuante, sócio de um grande escritório de Chicago. É, portanto, a figura perfeita para dar voz às preocupações de um sindicato que em 2005 entrou com um processo contra o Google para impedir o Library Project, por meio do qual a empresa pretende digitalizar todos os livros do planeta.

— A ação do Sindicato contra o Google parece interminável, o caso já tem oito anos. Quase chegamos a um acordo em certo momento, mas o juiz o rejeitou. Espero que haja um novo julgamento até o fim deste mês. Mas há outros problemas com o Google e outros buscadores. Você encontra neles o caminho para livros piratas, com uma série de links publicitários ao lado. O Google leva o usuário para baixar todos os meus livros ilegalmente e ainda lucra com isso — diz.

No artigo do “New York Times”, Turow disse que “o valor dos direitos autorais está sendo rapidamente depreciado”. Segundo ele, as mudanças no mercado afetariam sobretudo os autores médios, por conta da política das grandes editoras americanas de fixar um limite de 25% no pagamento de royalties aos autores, apesar de o custo com o livro digital ser, em teoria, menor. O autor lembra, ainda, que a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA entrou com uma ação contras as editoras e contra a Apple por fixarem preços para os e-books.

A Apple foi considerada culpada em julho, e, há uma semana, a Justiça americana determinou que a empresa altere seus contratos com as editoras e seja acompanhada por um auditor externo durante dois anos. Mas a Apple vai apelar.

— Não gostei da decisão da Justiça contra a Apple, acho que ela serviu para favorecer a Amazon — diz Turow. — O que as editoras e a Apple fizeram foi criar uma nova estrutura de preços, que realmente tornou os livros mais caros, mas elas fizeram isso para barrar a política de monopólio da Amazon, que vende os livros baratos artificialmente para tirar os concorrentes do mercado. Quando você vê livrarias que não a Amazon perdendo dinheiro ao vender e-books, é sinal de que existe alguma distorção, e essa distorção não foi criada pela Apple.

Novo romance sai este ano nos EUA
Em paralelo às lutas do sindicato, Turow ainda encontra tempo para advogar e escrever. O caso mais recente em que atuou, ele explica, foi como consultor num processo contra um político eleito que nomeou para um cargo público sua empregada doméstica. Mas há algo novo a caminho, bem mais interessante para seus leitores: já está em pré-venda em lojas como a Amazon (ops!) seu 12º livro, chamado “Identical”. A previsão de lançamento no Brasil, também pela Record, é para o ano que vem, e seu título provisório em português é “Idênticos”.

— O livro se passa em 2008 e vai tratar de dois gêmeos idênticos. Um, Paul, está prestes a concorrer a prefeito, enquanto o outro, Cass, será solto da prisão depois de 25 anos de condenação por assassinar sua namorada. A partir daí levanta-se a suspeita de que Paul também pode ter tido algum envolvimento no crime — explica Turow.

Antes, o último livro lançado por Turow foi “O inocente”, em 2010, uma sequência para “Acima de qualquer suspeita”, sua obra mais conhecida e que foi parar nos cinemas em 1990 sob a direção de Alan J. Pakula, com Harrison Ford como protagonista. Nele, assim como em seus outros romances, “Identical” inclusive, a trama se passa no fictício Condado de Kindle, o universo criado por Turow para desenvolver histórias que misturam densos casos judiciais com as relações pessoais de seus personagens. Tudo inspirado na realidade de um advogado que Turow conhece tão bem.

— Sempre me senti dividido entre o direito e a literatura, mas eu não sou esquizofrênico. Escritores e advogados têm muito em comum — diz. — Eu pratico direito criminal, e os clientes que me procuram podem ser divididos em duas categorias. A primeira é a de inocentes; e a segunda, maior, é de pessoas que fizeram algo errado e estão com medo de serem pegas. O meu trabalho como advogado, então, é parecido com o meu de romancista: tentar entender as motivações de um cliente ou de um personagem.

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