domingo, 2 de fevereiro de 2020

Netflix, Abbey Road, Masp: tecnologia veio ajudar a democratizar a cultura


O acesso à cultura pode ser democratizado com a tecnologia (Pixabay)

Letícia Piccolotto | tilT

O debate sobre o papel e a importância do acesso à cultura tem sido intenso no Brasil e no mundo. Embora pouco se fale sobre o papel da tecnologia na promoção desse acesso, a área cultural tem sido uma das esferas em que mais percebemos essa transformação. Basta refletirmos sobre o modo como consumíamos música ou entretenimento nas décadas de 80 e 90 e como isso mudou radicalmente: a fita VHS deu lugar aos filmes e séries nas plataformas de streaming, como Netflix; os discos, CDs e MP3 foram substituídos por aplicativos, como Spotify e Deezer e os clipes de músicas que antes assistíamos apenas na TV hoje podem ser acessados a qualquer momento em diferentes canais.

É fato também que nos últimos anos as tecnologias têm ampliado o acesso de pessoas aos equipamentos de cultura, como museus e bibliotecas: já não é preciso sair de casa para ler livros e conhecer diversas obras de arte. 

Esse movimento tem estado cada vez mais em evidência: no ano passado, tive a oportunidade de participar do Web Summit, o maior evento de tecnologia do mundo, e lá havia um espaço inteiramente dedicado a discutir como a tecnologia tem transformado o mundo da música. Só para se ter uma ideia do potencial de disrupção, o estúdio mais famoso do mundo – Abbey Road Studio – tem hoje uma incubadora que funciona como um laboratório de inovação musical focado em apoiar startups que queiram repensar o futuro da música. A grande aposta é que a inteligência artificial trará uma nova revolução criativa para a indústria – assim como os sintetizadores anos atrás.

Aqui no Brasil também temos ações interessantes nesse sentido. Em dezembro de 2019, o Museu de Artes de São Paulo (Masp) lançou o aplicativo Masp Áudios para ampliar a experiência de visitantes ao acervo, a partir de realidade aumentada (augmented reality), adicionando informações ao que está sendo visto pelo visitante. Outro exemplo é o da Biblioteca Digital Mundial, um projeto apoiado pela Unesco e que permite o acesso gratuito à publicações históricas e raras de diversos países e instituições.

O papel das startups 

Nesse universo talvez o aspecto mais interessante das aplicações tecnológicas seja a democratização do acesso à cultura e o despertar de interesse do público: qualquer museu ou biblioteca tende a ser muito mais atrativo com a utilização de soluções interativas. E as startups que atuam no universo cultural usam as mais diversas tecnologias: realidade aumentada, gamificação, realidade virtual, experiências sensoriais, entre outras.

Localizada no Museu da Nova Zelândia, a startup Mahuki atuou como um hub de aceleração voltado especificamente para potencializar negócios inovadores em museus e patrimônios culturais. As ArtTechs também estão presentes na Europa, como a Artmo, startup dedicada a conectar o mundo da arte: uma rede social que une o público especializado e interessado, possibilitando o compartilhamento de conteúdo, a troca de experiências e também a compra de obras de arte. 

Nesse universo também há espaço para a atuação das GovTechs, startups que oferecem soluções para enfrentar os desafios do governo.

A Musemio, de Londres, é uma organização dedicada ao ensino cultural de crianças a partir do uso de realidade virtual (virtual reality), possibilitando a interação com os conteúdos de museus de várias nações do mundo.  

Um outro exemplo é a Árvore Educação, startup parceira do BrazilLAB, responsável pela criação da Árvore de Livros, a maior plataforma de leitura digital do Brasil, que conta com um acervo de mais de 30 mil obras on-line

A Tamanduá.Edu, startup selecionada para a 4ª edição do Programa de Aceleração do BrazilLAB, é uma outra iniciativa que contribui para o acesso à cultura, pois possui uma plataforma de conteúdos audiovisuais independentes (filmes, séries, curtas metragens) destinada aos alunos do ensino fundamental e ensino médio. A startup criou uma plataforma colaborativa que também disponibiliza conteúdo pedagógico utilizando os filmes como importante insumo de aprendizado e de ampliação do repertório cultural.  

Mas ainda há caminhos trilhar para garantir que a cultura possa se beneficiar de todo o potencial trazido pela conectividade e pela tecnologia.

Desigualdade ainda prevalece 

Os exemplos de como a utilização de tecnologias tem transformado a forma como se consome, produz e se divulga a arte estão aumentando com o tempo. Por reduzir as barreiras físicas, de custos e de informação, a internet e as tecnologias contribuíram para democratizar e diversificar toda a cadeia de produção cultural. Ainda assim, alguns desafios permanecem.

Primeiro, é preciso garantir infraestrutura adequada para a utilização das aplicações. Entram nessa lista equipamentos (hardware), mas também conexão de internet – um verdadeiro desafio para o Brasil. 

Além disso, é importante transformar o padrão de comportamento e consumo de informações na internet. A pesquisa "Panorama da Transformação Digital no Brasil", realizada pelo BrazilLAB em parceria com o Center for Public Impact (CPI), destaca que, apesar do brasileiro ficar em média 9 horas conectado a internet, este consumo é concentrado em atividades pouco educativas, principalmente o uso de redes sociais. É preciso investir no letramento digital da população e também na ampliação de repertório, incluindo os conteúdos culturais como objeto de consumo. 

Temos também um longo debate em relação à regulação no campo da cultura. Entram nessa discussão as plataformas de conteúdo em streaming, por exemplo. Se por um lado elas democratizam o acesso às produções musicais e audiovisuais, por outro, concentram e canalizam uma pesada audiência para determinados canais e conteúdos.  

A cultura aliada à tecnologia ainda pode ser considerada um fenômeno tímido, mas não há dúvidas de que está em ascensão e que precisa ser priorizado.

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