Posse de bens digitais é diversa por fatores como impessoalidade e impossibilidade de presentear ou doar uma obra literária
Juliana Domingos de Lima | Nexo
CONSUMIDORES DE LIVROS DIGITAIS TÊM PERCEPÇÃO REDUZIDA DA POSSE DESSE ITENS EM RELAÇÃO À SENSAÇÃO DE TER LIVROS FÍSICOS
Um estudo publicado em maio de 2018 na revista Electronic Markets indica que a experiência psicológica de possuir livros digitais difere da sensação de ter livros físicos.
Feito por pesquisadores da Universidade do Arizona e Universidade Towson, ambas nos Estados Unidos, o estudo “Consumer interpretations of digital ownership in the book market” (Interpretações da propriedade digital pelo consumidor no mercado livreiro, em tradução livre) confirma a percepção já relatada, informalmente, por leitores e profissionais do mercado editorial.
A digitalização de livros e outros produtos de informação transformou a interação de pessoas com esses bens, segundo o estudo.
Com o objetivo de explorar “como consumidores conceituam a posse de bens digitais” (se e-books, no caso, são percebidos como sendo “deles” mesmo sendo imateriais, armazenados em uma “nuvem”), a pesquisa entrevistou grupos focais de consumidores americanos.
Metodologia
Os participantes dos grupos focais foram recrutados com base na utilização de tecnologias digitais e e-books. Foram formados quatro grupos, divididos segundo categorias geracionais.
Um total de 31 pessoas - 26 mulheres e 5 homens - participaram de quatro sessões de uma hora de duração cada. O desequilíbrio no gênero entre os membros foi puramente incidental.
Os dados qualitativos da pesquisa foram extraídos de transcrições das conversas com os grupos.
Os seis temas
A partir dos dados extraídos dos grupos focais, os pesquisadores identificaram seis temas principais que esclarecem o “significado” da posse de bens digitais para as pessoas.
1 Limitações na posse do livro digital restringem sua experiência de uso
A posse de um livro digital possui algumas limitações. Restrições de compartilhamento, por exemplo, são parte da gestão dos direitos digitais do produto, imposta pelas editoras como meio de impedir a perda de receita que seria causada pelo compartilhamento ilimitado do arquivo.
Os participantes relataram frustração e sensação de injustiça relacionados a esse controle. Cientes das limitações jurídicas mas acostumados aos direitos de propriedade normalmente associados à aquisição de bens físicos, não aceitam o fato de não ter plenos direitos sobre um bem após a compra.
Para eles, o custo dos e-books não corresponde ao valor experimentado no uso e na posse desses bens. Deveriam ser mais baratos.
2 Esse controle limitado sobre a posse do e-book prejudica as trocas sociais e o estabelecimento de conexões
Donos de livros digitais não têm a possibilidade de vender, emprestar, doar ou dar esses livros de presente. Pelo menos não com a mesma facilidade com que fariam com um livro físico.
Por inibir as interações sociais mediadas pelo livro, o livro digital acaba levando a uma percepção reduzida da posse, tanto no aspecto psicológico quanto legal.
Embora a Amazon permita o empréstimo de e-books adquiridos na plataforma, participantes argumentaram ser um procedimento mais complicado em relação ao livro físico.
3 Senso de identidade, pertencimento e vínculo são maiores a partir de livros físicos
A imaterialidade dos livros digitais prejudica a habilidade de quem os têm de se relacionar com eles como únicos ou pessoais, impedindo que se crie um senso de identidade a partir deles, de desenvolver apego e sentimento de posse.
Nesse aspecto, o ato de fazer anotações ou grifos em um livro físico foi citado como um meio de torná-lo “seu”. Embora leitores digitais apresentem essas mesmas opções, notas ou destaques digitais não pareceram facilitar o sentimento de personalização relativo ao e-book.
O cheiro, o tato e as informações trazidas pela capa e contracapa dos livros físicos também foram mencionados por participantes. Segundo o estudo, o emprego de diferentes sentidos na interação com o bem em questão realça a percepção de posse.
A exibição de uma coleção de livros foi levantada, ainda, como um fator importante na expressão da identidade do indivíduo, o que só teria sentido com livros físicos.
O caráter temporário e facilmente substituível do livro digital indicam falta de conexão de quem o possui com relação a ele.
4 Estilo de vida minimalista estimula preferência por livros digitais
Apesar de reconhecerem a sensação de posse do e-book como reduzida, alguns participantes veem a posse como um fardo e usam produtos digitais para se livrar do trabalho de manutenção (como tirar pó) e requisitos para o armazenamento (como espaço) associados a livros físicos.
5 Preferência pelo valor de uso estimula uso de livros digitais
E-books oferecem vários benefícios específicos, derivados do uso do produto, e não de sua posse. O acesso facilitado a um grande número de títulos vem ganhando aceitação de consumidores.
Os hábitos de consumo de diversos participantes eram mais próximos do aluguel do que da compra. Outros acessam conteúdo digital de bibliotecas, alternativas que tornam as restrições de propriedade mais aceitáveis no ponto de vista dos consumidores de livros digitais.
6 Jovens não necessariamente preferem o digital A suposição típica de que consumidores mais jovens preferem produtos digitais não foi confirmada pelo estudo.
Os grupos focais do estudo foram divididos de acordo com um critério geracional, com o objetivo de examinar se hipóteses relacionadas à adoção da tecnologia por gerações distintas impactariam a maneira como participantes interagem com seus bens digitais.
Os “millennials” (nascidos entre 1982 e 2000, segundo considerou o estudo), frequentemente descritos como “letrados” em tecnologia, mostraram, no geral, uma atitude mais negativa com relação aos e-books do que o esperado. O grupo etário mais jovem manifestou forte preferência por livros físicos, o que difere significativamente dos grupos mais velhos, nos quais a adoção do e-book pareceu mais difundida, que valorizam funções como a possibilidade de aumentar o tamanho a fonte do texto.
Independentemente da idade, quase todos os participantes se mostraram fortemente apegados aos livros físicos em determinadas circunstâncias e contextos e nenhum se declarou confortável com a ideia de uma experiência de leitura integralmente digital.
Os resultados sugerem que o produto digital poderia se beneficiar da emancipação de seu correlato físico. “Descobrimos que os consumidores que associam o consumo digital aos significados de propriedade tradicionalmente ligados a bens materiais mostraram maiores níveis de frustração [com relação à posse de itens digitais]”, diz o estudo.
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quarta-feira, 6 de junho de 2018
segunda-feira, 4 de junho de 2018
Celular: como dar um tempo
Um plano para se livrar da ansiedade e retomar a sua vida
Dicas práticas testadas para realmente mudar a vida de todo mundo que já sofreu com a ansiedade de ter um smartphone.
Seu telefone é a primeira coisa que você procura ao acordar e a última coisa na qual toca antes de dormir? Você já sentiu ansiedade de passar muito tempo longe do celular — ou muito tempo nos aplicativos dentro dele? Já se viu pegando o seu smartphone apenas para responder uma mensagem e quarenta e cinco minutos depois se assustou ao descobrir quanto tempo se passou? Já disse que gostaria de passar menos tempo com o aparelho, mas não sabe como fazer isso sem perder os benefícios que ele trouxe para a sua vida? Se respondeu sim a qualquer dessas perguntas, este livro é a solução para você.
A premiada jornalista Catherine Price apresenta um plano prático e detalhado de como dar um tempo na relação com o celular - e depois fazer as pazes. O objetivo? Um relacionamento duradouro e livre de anseios no qual você se sinta bem.
Título: Celular: como dar um tempo: o plano de 30 dias para acabar com a ansiedade e retomar a sua vida
Autora: Catherine Price
Páginas: 176
ISBN: 9788584391141
Editora: Fontanar
segunda-feira, 21 de maio de 2018
Queimando livros na era digital
Possuir livro físico que não pode ser rastreado ou hackeado pode ser visto como ato de rebelião
Matt Wasielewski, The New York Times
via Estadão
Num tribunal de Nova York, advogados debatiam as ideias racistas de Atticus Finch. Enquanto isso, livros, incluindo “O Sol é para todos", no qual Finch é o virtuoso herói, eram queimados na televisão numa refilmagem de “Fahrenheit 451.” É algo que lembra meados do século 20, mas esses clássicos americanos ainda ecoam em 2018.
Produzida com 7 milhões de dólares, a adaptação de Aaron Sorkin trazendo para os palcos o romance de 1960, “O Sol é para todos”, que lida com o racismo, deve estrear na Broadway em dezembro após acordos que puseram fim a uma série de processos judiciais este mês.
O patrimônio da autora, Harper Lee, processou a produção, alegando que o rascunho do roteiro era demasiadamente diferente do romance. Mas o principal produtor do espetáculo, Scott Rudin, disse ao Times que não estava disposto a manter alguns dos antiquados pontos de vista do livro a respeito do racismo.
“Não quero e não vou apresentar um espetáculo que, em se tratando de políticas raciais, dê a impressão de ter sido escrito no mesmo ano que o livro", disse Rudin. “O mundo mudou de lá para cá.”
A questão foi complicada pela publicação de “Vá, coloque um vigia", no qual Lee retrata Finch como um velho racista e segregacionista.
“O gênio saiu da garrafa", disse ao Times Joseph Crespino, autor de um livro a respeito de Atticus Finch. “Não podemos ter a figura idealista e descomplicada de Atticus, principalmente quando sabemos que ela estava lutando para compreender o personagem.”
Enquanto Rudin debatia no tribunal o contexto contemporâneo do romance, Ramin Bahrani o estava queimando, juntamente com as obras de Platão, Kafka, Marx e J.K. Rowling.
A versão cinematográfica de Bahrani para “Fahrenheit 451” está em cartaz na HBO. Inicialmente, Bahrani temeu que o alerta de Bradbury mostrando um mundo distópico e sem livros, sem o conhecimento que eles contêm, não ecoaria na cultura contemporânea e sua preferência pelo digital. Mas, nas páginas do Times, ele escreveu dizendo ter percebido que a mensagem do romance continua tão relevante hoje quanto na época de sua publicação, em 1953.
Possuir um livro físico que não pode ser rastreado ou hackeado pode ser visto como ato de rebelião Foto: Pixabay
“Bradbury estava preocupado com o advento da Reader’s Digest. Hoje, temos a Wikipedia e o Twitter", escreveu ele. “O autor temia que as pessoas se limitassem a ler as manchetes. Hoje, parece que os emojis substituíram metade das palavras na internet.”
Bahrani disse que Bradbury previu a ascensão dos “fatos alternativos” numa era da “pós-verdade”. Num mundo digital, possuir um livro físico que não pode ser rastreado, hackeado ou alterado pode ser visto como um ato de rebelião.
A indústria da moda também está reinventando uma relíquia da era pré-digital para fazer uma afirmação contemporânea. Das passarelas às butiques de Paris boutiques, os padrões estampados das colchas são o último grito.
Na loja da Calvin Klein em Manhattan, os fregueses podem escolher a partir de um acervo de colchas estampadas artesanais dos séculos 19 e 20. Em abril, a fabricante de acessórios Loewe apresentou uma coleção de estampas na Feira de Móveis de Milão. E as marcas começaram a oferecer jaquetas masculinas decoradas com tecidos estampados do mesmo tipo.
“Para mim, essa é a relação com a vida doméstica e com as emoções de um consumidor", disse Emily Bode, estilista da Bode, marca de moda masculina que oferece paletós exclusivos com estampas tradicionais a 1,5 mil dólares.
Ela disse que as estampas como as das colchas oferecem uma sensação física e emocional de conforto.
“Tivemos dois fregueses que compraram seus casacos estampados e, no mesmo dia, dormiram usando as peças”, disse ela ao Times.
Com o mundo da moda ligado nos perfis do Instagram, a sensação caseira dessas colchas é um atrativo.
Amelia Peck, curadora de arte decorativa americana no Metropolitan Museum of Art, disse, “O engraçado é que as colchas já foram redescobertas outras vezes”.
Matt Wasielewski, The New York Times
via Estadão
Num tribunal de Nova York, advogados debatiam as ideias racistas de Atticus Finch. Enquanto isso, livros, incluindo “O Sol é para todos", no qual Finch é o virtuoso herói, eram queimados na televisão numa refilmagem de “Fahrenheit 451.” É algo que lembra meados do século 20, mas esses clássicos americanos ainda ecoam em 2018.
Produzida com 7 milhões de dólares, a adaptação de Aaron Sorkin trazendo para os palcos o romance de 1960, “O Sol é para todos”, que lida com o racismo, deve estrear na Broadway em dezembro após acordos que puseram fim a uma série de processos judiciais este mês.
O patrimônio da autora, Harper Lee, processou a produção, alegando que o rascunho do roteiro era demasiadamente diferente do romance. Mas o principal produtor do espetáculo, Scott Rudin, disse ao Times que não estava disposto a manter alguns dos antiquados pontos de vista do livro a respeito do racismo.
“Não quero e não vou apresentar um espetáculo que, em se tratando de políticas raciais, dê a impressão de ter sido escrito no mesmo ano que o livro", disse Rudin. “O mundo mudou de lá para cá.”
A questão foi complicada pela publicação de “Vá, coloque um vigia", no qual Lee retrata Finch como um velho racista e segregacionista.
“O gênio saiu da garrafa", disse ao Times Joseph Crespino, autor de um livro a respeito de Atticus Finch. “Não podemos ter a figura idealista e descomplicada de Atticus, principalmente quando sabemos que ela estava lutando para compreender o personagem.”
Enquanto Rudin debatia no tribunal o contexto contemporâneo do romance, Ramin Bahrani o estava queimando, juntamente com as obras de Platão, Kafka, Marx e J.K. Rowling.
A versão cinematográfica de Bahrani para “Fahrenheit 451” está em cartaz na HBO. Inicialmente, Bahrani temeu que o alerta de Bradbury mostrando um mundo distópico e sem livros, sem o conhecimento que eles contêm, não ecoaria na cultura contemporânea e sua preferência pelo digital. Mas, nas páginas do Times, ele escreveu dizendo ter percebido que a mensagem do romance continua tão relevante hoje quanto na época de sua publicação, em 1953.
Possuir um livro físico que não pode ser rastreado ou hackeado pode ser visto como ato de rebelião Foto: Pixabay
“Bradbury estava preocupado com o advento da Reader’s Digest. Hoje, temos a Wikipedia e o Twitter", escreveu ele. “O autor temia que as pessoas se limitassem a ler as manchetes. Hoje, parece que os emojis substituíram metade das palavras na internet.”
Bahrani disse que Bradbury previu a ascensão dos “fatos alternativos” numa era da “pós-verdade”. Num mundo digital, possuir um livro físico que não pode ser rastreado, hackeado ou alterado pode ser visto como um ato de rebelião.
A indústria da moda também está reinventando uma relíquia da era pré-digital para fazer uma afirmação contemporânea. Das passarelas às butiques de Paris boutiques, os padrões estampados das colchas são o último grito.
Na loja da Calvin Klein em Manhattan, os fregueses podem escolher a partir de um acervo de colchas estampadas artesanais dos séculos 19 e 20. Em abril, a fabricante de acessórios Loewe apresentou uma coleção de estampas na Feira de Móveis de Milão. E as marcas começaram a oferecer jaquetas masculinas decoradas com tecidos estampados do mesmo tipo.
“Para mim, essa é a relação com a vida doméstica e com as emoções de um consumidor", disse Emily Bode, estilista da Bode, marca de moda masculina que oferece paletós exclusivos com estampas tradicionais a 1,5 mil dólares.
Ela disse que as estampas como as das colchas oferecem uma sensação física e emocional de conforto.
“Tivemos dois fregueses que compraram seus casacos estampados e, no mesmo dia, dormiram usando as peças”, disse ela ao Times.
Com o mundo da moda ligado nos perfis do Instagram, a sensação caseira dessas colchas é um atrativo.
Amelia Peck, curadora de arte decorativa americana no Metropolitan Museum of Art, disse, “O engraçado é que as colchas já foram redescobertas outras vezes”.
sexta-feira, 18 de maio de 2018
A França contra os Robôs
"O perigo não está nas máquinas, senão teríamos de sonhar o absurdo: destruí-las pela força, à maneira dos iconoclastas que, ao quebrar as imagens, se vangloriavam de aniquilar também as crenças. O perigo não está na multiplicação das máquinas, mas no número crescente de homens habituados desde a infância a desejar apenas o que as máquinas podem dar." Georges Bernanos
Além de ser contado entre os maiores escritores franceses, Georges Bernanos foi, durante a Segunda Guerra Mundial, desde o seu autoexílio no Brasil, uma voz incisiva na denúncia do colaboracionismo de parte da França com o regime nazista. Perante a derrota de Hitler, sua batalha deveria terminar? De maneira nenhuma: sem concessões em seu antitotalitarismo, ele antevê e se opõe a uma nova ameaça à liberdade, ascendente tanto no mundo capitalista como no mundo comunista - o império da técnica, do dinheiro, do controle mecânico. A França contra os Robôs é uma eloquente defesa da liberdade humana diante do crescente predomínio da tecnologia. Esta edição conta com uma seção de textos inéditos, incluindo correspondências, entrevistas, discursos e anotações de Bernanos concomitantes à escrita do livro.
A França contra os Robôs
Georges Bernanos
É Realizações, 2018
256 páginas
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Adam Alter examina vícios tecnológicos e o que fazer para não se tornar dependente
'Irresistível, Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela', que sai pela Companhia das Letras, explora a dependência comportamental ao longo da história
Lúcia Guimarães, O Estado de S.Paulo
A presidência de Donald Trump inspira comentários frequentes de internautas, especialmente os que trabalham em mídia ou dependem de se manter atualizados online, sobre exaustão noticiosa. Não é possível largar o celular alguns minutos e as crises se multiplicam, reclamam, exaustos. Não é possível ou não é desejável?
Um livro lançado esta semana no Brasil e já publicado em 24 outros países examina nossa dependência digital e sugere algumas saídas. Em 'Irresistível, Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela' (Companhia das Letras), Adam Alter, professor de marketing e psicologia da Stern Business School da Universidade de Nova York, explora um novo campo de estudo, o vício comportamental e examina o comportamento dependente ao longo da história.
Adam Alter Foto: Karsten Moran/The New York Times
Ao me receber em sua sala, Alter aparenta ser mais jovem do que seus 37 anos, sugere um geek que poderia passar horas grudado em alguma tela. Este australiano de Sidney está, há alguns anos, preocupado com a tecnologia e seu efeito evolucionário. Afinal, o iPhone só foi lançado há onze anos, o iPad há sete e não temos uma geração de adultos e profissionais para saber o significa crescer, como ele argumenta, com um apêndice do corpo na forma de um gadget.
A indústria cultural sempre dependeu de atrair nossa atenção. Mas, na era pré-digital, havia ponto final na leitura de um livro, de um jornal de papel. Telenovelas ocupavam uma hora do nosso tempo e voltavam no dia seguinte. Todo nosso consumo de mídia hoje é oferecido num loop contínuo. Os algoritmos do Facebook, Instagram, Google são destinados a manter o internauta grudado na plataforma. A Netflix oferece binge watching, com episódios recarregados automaticamente. Há uma clínica de reabilitação em Seatle, reStart, especializada em gamers que não conseguem parar de jogar.
Alter admite a tarefa inglória que é conversar com o público sobre os excessos da era digital. “Podemos recomendar que um alcoólatra fique longe de bares,” lembra, “mas não podemos prescrever abstinência tecnológica a ninguém no século 21.”
O livro abre com um segredo mal guardado do Vale do Silício. Seus grandes inventores e empresários mantêm os próprios filhos longe de gadgets. Matriculam as crianças em escolas caras que aplicam o método Waldorf, conhecido por banir tecnologia até os doze anos.
Steve Jobs admitiu que seus filhos não tinham acesso a iPads. Pergunto a Alter se vamos ver uma nova fronteira de desigualdade e ele concorda: à medida que crianças com menos acesso à educação privilegiada ficam mais vulneráveis aos excessos de uso de celulares e horas improdutivas online, elas estarão em desvantagem.
Alter cita um estudo que revela alguma forma de comportamento dependente em metade da população dos países desenvolvidos. Cada vez mais, a dependência não é de drogas e sim expressada em comportamento compulsivo. Ele usa o exemplo dos veteranos do Vietnã - cem mil voltaram da guerra tendo experimentado heroína pura. E 95% - um índice altíssimo, no caso de opioides - abandonaram a droga quando foram positivamente reinseridos na sociedade. “Nem toda dependência química é herdada ou fruto de uma personalidade propensa,” afirma Alter, sobre o vício comportamental.
Uma recomendação feita por Alter se refere à arquitetura do comportamento. “Como um arquiteto projeta uma casa, nós podemos projetar a distribuição da tecnologia no nosso ambiente,” sugere. “Podemos deixar os celulares mudos numa gaveta durante as refeições.”
Enquanto médicos não começarem a perguntar numa consulta, além de “Você fuma?” , “Quanto tempo você passa diante da tela?” Alter acha que o vício tecnológico, “um problema de saúde pública,” deve ser encarado na trincheira doméstica. “Os pais é que têm o poder,” diz. “A criança acompanha o olhar dos pais. Quer saber porque a atenção se afastou dela e não sai da tela do celular. E vai desejar a tela.”
A tecnologia pode ser uma janela maravilhosa, diz o autor. Mas ela deve servir para aumentar o mundo real, não se tornar o substituto.
IRRESISTÍVEL. POR QUE VOCÊ É VICIADO EM TECNOLOGIA E COMO LIDAR COM ELA
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Editora: Companhia das Letras (296 págs.; R$ 49,90)
Lúcia Guimarães, O Estado de S.Paulo
A presidência de Donald Trump inspira comentários frequentes de internautas, especialmente os que trabalham em mídia ou dependem de se manter atualizados online, sobre exaustão noticiosa. Não é possível largar o celular alguns minutos e as crises se multiplicam, reclamam, exaustos. Não é possível ou não é desejável?
Um livro lançado esta semana no Brasil e já publicado em 24 outros países examina nossa dependência digital e sugere algumas saídas. Em 'Irresistível, Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela' (Companhia das Letras), Adam Alter, professor de marketing e psicologia da Stern Business School da Universidade de Nova York, explora um novo campo de estudo, o vício comportamental e examina o comportamento dependente ao longo da história.
Adam Alter Foto: Karsten Moran/The New York Times
Ao me receber em sua sala, Alter aparenta ser mais jovem do que seus 37 anos, sugere um geek que poderia passar horas grudado em alguma tela. Este australiano de Sidney está, há alguns anos, preocupado com a tecnologia e seu efeito evolucionário. Afinal, o iPhone só foi lançado há onze anos, o iPad há sete e não temos uma geração de adultos e profissionais para saber o significa crescer, como ele argumenta, com um apêndice do corpo na forma de um gadget.
A indústria cultural sempre dependeu de atrair nossa atenção. Mas, na era pré-digital, havia ponto final na leitura de um livro, de um jornal de papel. Telenovelas ocupavam uma hora do nosso tempo e voltavam no dia seguinte. Todo nosso consumo de mídia hoje é oferecido num loop contínuo. Os algoritmos do Facebook, Instagram, Google são destinados a manter o internauta grudado na plataforma. A Netflix oferece binge watching, com episódios recarregados automaticamente. Há uma clínica de reabilitação em Seatle, reStart, especializada em gamers que não conseguem parar de jogar.
Alter admite a tarefa inglória que é conversar com o público sobre os excessos da era digital. “Podemos recomendar que um alcoólatra fique longe de bares,” lembra, “mas não podemos prescrever abstinência tecnológica a ninguém no século 21.”
O livro abre com um segredo mal guardado do Vale do Silício. Seus grandes inventores e empresários mantêm os próprios filhos longe de gadgets. Matriculam as crianças em escolas caras que aplicam o método Waldorf, conhecido por banir tecnologia até os doze anos.
Steve Jobs admitiu que seus filhos não tinham acesso a iPads. Pergunto a Alter se vamos ver uma nova fronteira de desigualdade e ele concorda: à medida que crianças com menos acesso à educação privilegiada ficam mais vulneráveis aos excessos de uso de celulares e horas improdutivas online, elas estarão em desvantagem.
Alter cita um estudo que revela alguma forma de comportamento dependente em metade da população dos países desenvolvidos. Cada vez mais, a dependência não é de drogas e sim expressada em comportamento compulsivo. Ele usa o exemplo dos veteranos do Vietnã - cem mil voltaram da guerra tendo experimentado heroína pura. E 95% - um índice altíssimo, no caso de opioides - abandonaram a droga quando foram positivamente reinseridos na sociedade. “Nem toda dependência química é herdada ou fruto de uma personalidade propensa,” afirma Alter, sobre o vício comportamental.
Uma recomendação feita por Alter se refere à arquitetura do comportamento. “Como um arquiteto projeta uma casa, nós podemos projetar a distribuição da tecnologia no nosso ambiente,” sugere. “Podemos deixar os celulares mudos numa gaveta durante as refeições.”
Enquanto médicos não começarem a perguntar numa consulta, além de “Você fuma?” , “Quanto tempo você passa diante da tela?” Alter acha que o vício tecnológico, “um problema de saúde pública,” deve ser encarado na trincheira doméstica. “Os pais é que têm o poder,” diz. “A criança acompanha o olhar dos pais. Quer saber porque a atenção se afastou dela e não sai da tela do celular. E vai desejar a tela.”
A tecnologia pode ser uma janela maravilhosa, diz o autor. Mas ela deve servir para aumentar o mundo real, não se tornar o substituto.
IRRESISTÍVEL. POR QUE VOCÊ É VICIADO EM TECNOLOGIA E COMO LIDAR COM ELA
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Editora: Companhia das Letras (296 págs.; R$ 49,90)
quarta-feira, 18 de abril de 2018
Cientista da vida eterna cria buscador que responde a questões profundas com base em livros
“Como eu faço para parar de pensar e conseguir dormir?” é uma das perguntas que o novo mecanismo de busca semântica se propõe a responder com base em mais de 120 mil livros
Gazeta do Povo
Um novo tipo de busca online chega ao universo do Google graças às pesquisas de linguística do futurologista Ray Kurzweil, cientista da computação e autor de livros influentes sobre inteligência artificial. Ele também é famoso pela crença no prolongamento eterno da vida, o que o leva a tomar cem pílulas por dia.
“Como eu faço para parar de pensar e conseguir dormir?”, escreveu Kurzweil no Talk to Books, num teste ao vivo para a audiência do TED, evento de palestras que aconteceu em Vancouver na semana passada.
Os resultados aparecem em negrito em trechos de livros, com seus títulos e páginas, e Kurzweil acredita que poderiam ser usados como respostas naturais numa conversa. O cientista, que trabalha com uma equipe de 40 engenheiros, disse que usou bilhões de linhas de diálogo para ensinar o software de inteligência artificial como funciona uma conversa real.
Apesar de os resultados para algumas perguntas mais práticas não serem muito diferentes do que uma busca tradicional (em vez de sites, leva para livros), tal tecnologia já vem sendo aplicada em produtos do Google.
No Gmail, por exemplo, os usuários ganharam opções de respostas curtas automáticas ao final de cada e-mail.
Níveis humanos
Kurzweil acredita que máquinas com inteligência artificial (IA) chegarão a níveis humanos por volta de 2029. “Todos nós vamos virar predominantemente IA. Já somos bem misturados, nunca saímos de casa sem nossos IAs”, disse, referindo-se a celulares. “E eles serão muito mais intimamente integrados com a gente daqui para frente.”
E não só: essas máquinas terão consciência. “Debatemos hoje sobre consciência dos animais. E vamos debater isto sobre IA também [...] Nós vamos querer acreditar que eles têm consciência porque serão tão espertos e vão ficar bravos se duvidarmos.”
Durante o TED, o autor de A Singularidade Está Próxima (2005) lançou o livro ilustrado Danielle, mistura de ficção com não ficção, sobre uma jovem heroína que resolve desafios do mundo com tecnologias avançadas, como problema de água na África ou cura do câncer.
“Não existe problema que não possa ser resolvido com inteligência coletiva e tecnologia que temos hoje”, falou.
Kurzweil, 70, também comentou sobre suas ideias de “extensão radical da vida”. Além das iniciativas que podem ser tomadas agora, como as cem pílulas que ele ingere por dia (em 2005, eram 250), o cientista acredita na biotecnologia e reprogramação genética.
“Uma outra fase seria a aplicação de nanotecnologia para estender seu sistema imunológico. Há cenários de acabar com todas as doenças e processos de envelhecimento”, disse. “Vai acontecer no mundo desenvolvido em uma década. E acho que estarei lá. Mas, claro, você sempre pode ser atingido por um ônibus amanhã.”
terça-feira, 13 de março de 2018
O livro digital não foi o boom que se apregoou
Indagações quanto ao futuro do varejo, ainda falando em livrarias, passam também pela aparição de novas mídias, que modificaram os produtos que costumávamos vender no nosso mix de mercadorias. Tememos o caso dos livros eletrônicos. Nós nos preparamos para a era dos e-books, com todo aquele estardalhaço que sem fez em torno do formato digital (e, claro depois do fiasco que foram os CD-ROMS...). Fizemos em 2012 uma parceria com a Kobo, empresa de origem canadense comprada pela japonesa Rakuten, quando então passamos a oferecer o seu tablet com exclusividade no Brasil. Foi uma parceria importante, no momento adequado - Amazon, Google e Apple já estavam disputando o mercado de livros eletrônicos, tanto em conteúdo como em aparelhos de leitura, os e-readers. A Rakuten, bem menor que os três concorrentes, crescia também em conteúdo, já alcançando 2,5 milhões de títulos em seu catálogo digital. Fora isso, o seu tablet lia todos os e-readers, menos o da Amazon, que era protegido. Assim, firmamos uma parceria que nos pareceu oportuna. Vejo hoje que o livro digital não foi o boom que se apregoou e até parece entrar em declínio - de novo, as pitonistas que anunciaram, pela enésima vez, a morte do livro impresso tropeçaram no engano. Há outros exemplos de como as novas mídias alteraram produtos que imaginávamos ter vida longa - falarei disso a seguir. Contudo, cabe aqui a perguntinha básica: se ainda há motivos para acreditar no livro em formato tradicional, de papel, por que uma livraria deveria temer pelo seu futuro?
Trecho do livro "O livreiro", de Pedro Herz (Planeta, 2017)
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
As pessoas e seus livros
Não consigo evitar esse sentimento egoísta de amar prateleiras gorduchas
Ruth Manus | O Estado de S. Paulo
Lembro que logo que entrei na faculdade de direito, os olhos do meu pai brilhavam ao me ver perambulando com aquelas dezenas de livros que eu mal compreendia. Francesco Carnelutti, Cândido Dinamarco, Maria Helena Diniz, Franco Montoro, Dalmo Dallari. O simples fato de ver os livros ao meu lado já parecia ser quase suficiente para alegrar aqueles olhos de pai professor, que, no fundo, sabia que frequentemente eu lia sobre teoria geral do direito civil pensando seriamente se meu açaí seria com banana ou com morango.
Até que um dia aquele olhar risonho foi tomado por uma nuvem negra e a expressão pacífica do pisciano ganhou ares de assombro. Ele não podia acreditar no que estava vendo. Ele não queria acreditar que a própria filha, tão Manus e tão alérgica a wasabi quanto ele, pudesse estar cometendo tamanha atrocidade. Ele se aproximou lentamente, como quem estica o pescoço assustado para observar uma vítima de acidente ou um animal selvagem, e me perguntou o que eu estava fazendo.
“Estudando”, eu respondi, um pouco desconcertada com a existência de dúvida perante uma cena tão autoexplicativa. Então ele disse aos solavancos com os olhos arregalados “VO. CÊ. ES. TÁ. GRI. FAN. DO. O. LI. VRO. COM. CA. NE. TA?”. Eu, cada vez mais desnorteada, respondi que sim, estava grifando com marca texto laranja e fazendo anotações com a caneta azul, afinal, o livro era meu, não era da biblioteca. Certo?
Foi então que eu descobri que as pessoas têm relações absolutamente distintas com seus livros. O que parece normalíssimo para alguns, parece um verdadeiro sacrilégio para outros. Temas como emprestar ou não emprestar, doar ou não doar, anotar ou não anotar, dobrar ou não dobrar, tornam-se dilemas tão shakespearianos quanto ser ou não ser.
Eu confesso que realmente adoro anotar coisas nos meus livros. Puxar setas, grifar frases, colocar asteriscos. E não tenho qualquer problema em fazer isso a caneta. Até com caneta vermelha, se for preciso. Meus livros frequentemente se parecem com a bandeira do orgulho gay. No entanto, tenho a mais profunda aversão a pessoas que dobram a pontinha da página para marcar algo que julguem relevante. Isso sim me tira do sério.
Minha mãe faz algumas anotações, mas sempre a lápis. Meu pai é absolutamente incapaz de interferir nas linhas. Quando muito, coloca seu nome na primeira página. Minha tia compra o livro, lê e doa. Acho a coisa mais linda do mundo. E não tenho a menor capacidade de fazer o mesmo. Preferiria doar dinheiro vivo para bibliotecas públicas do que doar meus livros. Simplesmente não consigo evitar esse sentimento egoísta de amar prateleiras gorduchas.
Outro dia minha irmã me perguntou por que eu não tinha um Kindle. Eu, antes de lembrar daquele aparelho para ler livros digitais, confundi Kindle com kinder e me perguntei por que minha irmã achava que eu deveria ter ovos de chocolate recheados com surpresas nessa fase da vida. Mas depois que entendi, respondi, quase ofendida, “Ué Nina, porque eu gosto de livros!”. Ela me olhou com aquela cara de administradora hi-tech e disse “os livros não deixam de ser livros por serem digitais”. Até hoje não sei bem o que pensar, me mantendo no conservadorismo do papel.
Soma-se a isso a traumática experiência de emprestar livros. Quantos livros foram e não voltaram? Quantos livros ficaram nas nossas prateleiras sem que saibamos exatamente quem nos emprestou? Trata-se de uma prática cujos índices de insucesso rondam os 98%.
Ninguém dá atenção para esse assunto, mas a relação das pessoas com os seus livros é tão íntima quanto uma vida de casal. Há pormenores, traumas, manias. Há sutilezas, pânicos, bloqueios. Prefiro que mexam no meu queijo do que mexam nos meus livros. Eu hein, vai que dobram a pontinha da página.
Imagem: Internet
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Nos EUA, livros impressos continuam subindo enquanto que os digitais caem
País é o sexto mapeado pela série #PubMagNet em 2018. Por lá, as vendas de livros impressos cresceram 1,9% na comparação com 2016. Já os digitais tiveram queda de 4,4% só no primeiro semestre de 2017
Publishnews
No fim de janeiro, um grupo de jornalistas e analistas da indústria global de livros se reuniu em Oslo para a primeira reunião da PubMagNet de 2018. Como resultado desse encontro, o PublishNews vem publicando desde o início deste mês uma série com os principais destaques de cada um dos países representados na reunião da Noruega. O sexto mercado mapeado pela série PubMagNet 2018 é o dos EUA. Andrew Albanese, editor da Publishers Weekly, foi quem esteve na reunião e analisou a performance do País do Tio Sam no que diz respeito a livros em 2017.
Ele ressaltou que, como já virou mantra por lá, nenhum novo título chegou a vender mais de um milhão de cópias impressas durante 2017. Apesar disso, houve um crescimento de 1,9% na venda desse formato na comparação com o ano anterior. O Bookscan (ferramenta da Nielsen que monitora cerca de 85% do mercado norte-americano) reportou a venda de 678,3 milhões de unidades no ano passado versus 674,1 milhões vendidas em 2016. Andrew lembra que isso já se tornou uma tendência consolidada, já que desde 2013, as vendas de livros impressos têm crescido por lá. No entanto, ressalta que, apesar do aumento no volume, o faturamento não acompanhou e fechou 2017 estável.
O único segmento que apresentou uma discreta queda (-1%) foi o de Ficção Adulta. Os dois livros mais vendidos em 2017 foram Extraordinário, de R.J. Palacio e Outros jeitos de usar a boca, de Rupi Kaur que foram publicados original e respectivamente em 2012 e 2015. Entre os livros mais vendidos publicados em 2017, destaca-se Diário de um banana - apertem os cintos, cujas vendas somaram mais de 990 mil cópias.
Albanese observa que os audiolivros apresentaram crescimento impressionante de 24,6% na comparação com 2016, mostrando que esse formato tem sido a bola da vez por lá (também). Na contramão disso, os e-books continuam em baixa. “Depois de alguns sugerirem que o declínio nas vendas de e-books estava prestes a atingir o fundo, esse fundo mostrou-se mais fundo e a queda continuou em 2017”, comentou. De acordo com estatísticas da Associação Americana de Editores (APA), as vendas de e-books caíram 4,4% só no primeiro semestre. Em julho, nova queda de 16% e em agosto, de 9,6%. Os números do fim do segundo semestre ainda não foram apurados. Andrew lembra que isso não é motivo de alarme. Não pelo menos nas grandes casas editoriais e lembrou que Markus Dohle, CEO global da Penguin Random House, declarou na última edição da Feira de Frankfurt que vê uma “coexistência saudável” dos mercados de livros impressos e digitais e que estima que esse equilíbrio chegará a 80% de impressos e 20% de digitais.
Além disso, alguns movimentos já no início de 2018 mostram que há muito o que percorrer com os e-books. Entre eles, Albanese destaca a parceria entre Kobo e Walmart através da qual a grande varejista passou a comercializar e-books da nipo-canadense e a notícia de que a Apple está investindo para voltar à luta contra a Amazon pelos livros digitais.
Albanese ressaltou que continua sendo muito difícil mapear e medir o mercado de autopublicação, mas há estimativas que consumidores gastaram US$ 1,25 bilhão com livros autopublicados. Isso representa cerca de 300 milhões de cópias; 43% de todos os dólares gastos com livros digitais nos EUA ou 24% daqueles gastos com livros (não importando aqui os formatos). “Apesar disso, as principais editoras não mostram nenhum interesse (ou habilidade) para entrar nesse mercado de forma significativa. E isso deixa esse mercado para a Amazon operar praticamente sozinha”, analisa.
Um exemplo disso veio da Macmillan. A gigante comprou a Pronoun, uma plataforma de autopublicação fundada originalmente como Vook. À época, a direção da Macmillan dizia que estava interessada nos dados da plataforma e em como ela poderia impactar a sua linha editorial. No entanto, em novembro passado, a Macmillan jogou a toalha alegando que “não havia um caminho para um modelo de negócios rentável”.
Livrarias
Albanese avaliou que a direção da Barnes&Noble continua trocando os pés pelas mãos. “Foi outro ano caótico e preocupante”, disse o editor sobre a rede de livrarias dos EUA. Em abril, a varejista chegou a trocar o seu CEO, mas ainda assim fechou o ano fiscal no vermelho e teve suas vendas de fim de ano decepcionantes.
Na contramão disso, as livrarias independentes tiveram outro ano de crescimento. De acordo com relatório da Associação Americana de Livrarias (ABA), há cinco anos, esse canal tem crescido de forma sustentável. “Mas os desafios persistem - não só políticos, mas também com relação ao poderio da Amazon”, ressalta Albanese.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2018
Livro discute o uso do Whatsapp no ensino
Lançado recentemente, o livro da Editus - Editora da UESC, com co-edição da EDUFBA, põe em foco a discussão do uso de aplicativos enquanto recursos pedagógicos. "Whatsapp e educação: entre mensagens, imagens e sons" foi organizado por Cristiane Porto, Kaio Eduardo Oliveira e Alexandre Chagas, contando com 13 artigos de diferentes pesquisadores do Brasil e de outros países.
A obra discute a utilização do aplicativo Whatsapp enquanto aliado no processo de ensino e aprendizagem no contexto atual da cibercultura. Os capítulos que o compõem apresentam experiências de pesquisadores, propostas de ensino e aprendizagem, e outras formas de ensinar e aprender que têm o Whatsapp como mediador do processo.
Sumário
quarta-feira, 9 de agosto de 2017
Biblioteca de SP cria clube de leitura com apoio das redes sociais
A Biblioteca de São Paulo (Av. Cruzeiro do Sul, 2.630 - São Paulo / SP) vai realizar uma atividade inédita a partir deste mês. Trata-se do Clube de leitura para jovens, que contará com o auxílio de blogs e redes sociais para incentivar o hábito de ler e aproximar o público teen da literatura. Serão realizados quatro encontros presenciais de agosto a novembro. No primeiro, que acontece no dia 26, das 14h30 às 16h30, será apresentado o livro Os meninos da biblioteca, do escritor João Luiz Marques, que também será o mediador das oficinas na biblioteca. Após cada encontro, a oficina continua na internet, porém, com mediação do personagem fictício Heitor, que acaba de completar 14 anos e de tanto gostar de ler recebeu o apelido de Le (de leitor). O bate-papo é pelo blog do Le-Heitor. Lá, será possível tirar dúvidas e pegar dicas de livros. O trabalho inédito realizado na Biblioteca de São Paulo é uma atividade de fomento à leitura e formação de novos leitores juvenis que demonstra o crescimento desse nicho. As inscrições para o clube devem ser feitas até 11 de agosto pelo e-mail agenda@bsp.org.br ou pessoalmente no balcão de atendimento da instituição.
quarta-feira, 19 de julho de 2017
O fim do fim do livro
Rui Campos, finalmente, já está 'à vontade para comemorar a certeza do fim do fim do livro'
Rui Campos | Publishnews
Quantos psicólogos são necessários para se trocar uma lâmpada? Basta um! Mas a lâmpada precisará “desejar” ser trocada!
Pois é. O desejo move montanhas. Com a leitura também é assim.
A pessoa pode passar a vida sem leitura. Certamente uma vida menos ilustrada. Mas não morrerá de inanição ou sede como se abstivesse de comida ou água.
Cultura, cultivo... a leitura precisa ser cultivada. Precisamos cultivar o desejo de conhecimento, o desejo de leitura.
A grande ferramenta que possibilita a leitura é o livro, seja em que suporte for.
Durante séculos, o impresso veio sendo cultuado, reverenciado, aprimorado, adornado com design espetacular, belas capas, papel leve e de tom confortável, orelhas inteligentes, rosto encantador. Um produto multissensorial.
Seus autores tratados como estrelas, seus editores reverenciados. E seus locais de encontro com o leitor, as livrarias (físicas ou virtuais), locais frequentados e amados por toda gente. Verdadeiros pontos de encontro, praças, bibliotecas! Pois afinal, ali é possível manusear os livros, lê-los e até mesmo leva-los para casa por módicas quantias.
O livro impresso, como o garfo e a faca, disse Umberto Eco, são objetos definitivos.
Algumas poucas inovações surgiram através dos tempos.
Recentemente, surgiu o aparelho eletrônico para leitura. Trouxe uma série de alternativas e de facilidades para os leitores: capacidade de armazenamento, acesso rápido e remoto, entre outras. Bem-vindas novidades.
Mas os donos do negócio tinham pressa. Uma pressa que se mostrou um tanto desconectada. Seria mais rápido destruir o que já havia. Varrer o concorrente do mapa. Acabar com o livro impresso.
Esses donos do negócio são poderosos. Nada menos do que algumas das maiores corporações mundiais.
Logo toda uma campanha contra o livro impresso se iniciou. Segundo essa distopia, ele seguiria moribundo. Discutia-se a data final. O avanço do e-book seria exponencial. Nesse ano de 2017, já só restariam cinzas de livros e livrarias. Saudosas livrarias. Morreriam em 2015!
Claro que sempre restaria um nicho: gente saudosista e antiquada, a cultivar fósseis e colecionar relíquias. Ludistas.
As editoras também: essas faleceriam por volta de 2014. Por absoluta obsolescência.
Os editores? Dispensáveis. Cada autor se autopublicaria. Uma nova “Geração Mimeografo” high tech!
Para atingir rapidamente o objetivo dos novos poderosos, muita gente embarcou nessa canoa: tantas previsões, estatísticas, artigos jornalísticos visionários dos “Evangelizadores Tecnológicos”!
Muito espaço na mídia escrita, falada e principalmente eletrônica foi utilizado na blitz iconoclasta visando limpar rapidamente o espaço para a chegada triunfal do livro eletrônico. Muito dinheiro, público inclusive, foi investido e perdido.
Uma busca por tudo o que foi escrito sobre o tema pode render um interessante retrato desses tempos insensatos.
O fato é que as coisas foram se acomodando. A sociedade se manifestou. O livro eletrônico vai ocupando seu lugar. Modesto, embora ainda com perspectivas de crescimento.
O livro impresso, livrarias e editores sofreram.
Hoje as notícias são de retomada no crescimento de vendas, surgimento de novas livrarias pelo mundo afora.
Evidencias da manifestação da sociedade e do seu desejo pelo sagrado objeto multissensorial, o livro!
Dos formuladores e divulgadores das previsões atrevidas e catastróficas que causaram prejuízos e mal-estar ao mercado livreiro não adianta esperar reparação ou pedido de desculpas pelo estrago.
Um editor estrangeiro me confidenciou recentemente: “Concedi hoje uma entrevista para a Revista Wired que foi muito desagradável. Eles queriam saber sobre nossos planos para edições eletrônicas de livros de arte. Mas eu não tinha o que dizer pois abandonamos completamente esses projetos. Mas tive que dissimular e enrolar pois não poderia admiti-lo!”.
Lembro-me especificamente da capa de uma das nossas principais revistas semanais onde Paulo Coelho, nosso maior best-seller, uma verdadeira lenda do mercado livreiro mundial, segurava um tablete com a seguinte manchete: “O último livro que você vai comprar!”
Forte, não é? E muitos números, power points, gráficos divulgados sobre o fim do nosso nobre objeto de leitura.
Do meu ponto de vista, o ponto de vista dos livreiros, contamos perdas, mas agora já estamos à vontade para comemorar a certeza do fim do fim do livro!
quinta-feira, 27 de abril de 2017
A Vingança dos Analógicos
Por que os objetos de verdade ainda são importantes
Com a revolução digital vieram os prognósticos apocalípticos de que todos os suportes físicos seriam destruídos por seus correspondentes digitais. As câmeras nos aparelhos celulares, os serviços de vídeo e de música por streaming e os livros eletrônicos já são realidades consolidadas no mercado, mas contra todas as avaliações iniciais, não só não soterraram os filmes analógicos, os discos de vinil e os livros físicos, como oxigenaram a sua existência, criando novas formas de consumir esses objetos. Com base no renascimento da importância dos produtos analógicos, o jornalista canadense David Sax criou A vingança dos analógicos - Por que os objetos de verdade ainda são importantes, livro que documenta a trajetória de empreendedores que investiram no caminho oposto ao dos negócios digitais.
Seja acompanhando a maior fábrica americana de vinis, a United Record Pressing, ou livrarias independentes e de bairro como a Book Culture, em Nova York, Sax demonstra que o reavivamento dos artefatos analógicos não pode ser reduzido apenas a um surto de nostalgia, mas apresenta-se como um fenômeno muito mais complexo, que aproxima as pessoas nas lojas de discos, na cultura dos diários em cadernos de papel ou nos cafés com jogos de tabuleiro. Os espaços de venda dos produtos físicos são pontos de interação humana que não podem ser menosprezados.
David Sax desmistifica a ideia de que a volta dos analógicos é motivada pela busca das gerações anteriores pelos objetos de sua juventude e mostra como os jovens que cresceram no ambiente digital estão encantados com as câmeras Polaroid e são o motor do crescimento anual impressionante das vendas de discos de vinil.
O livro foi escolhido como um dos dez melhores lançamentos de 2016 no mercado americano pela crítica Michiko Kakutani, do jornal The New York Times, por seu estilo de livro-reportagem abrangente, que documenta a consolidação de uma cultura analógica que convive em paralelo ao ambiente eletrônico, mas que parece estar baseada em suas características complementares de experiência e interação, fundamentais para o entendimento do consumo na cultura pós-digital.
O Autor
David Sax é escritor e jornalista, especializado em negócios e cultura. Colabora regularmente com as revistas New Yorker e Businessweek, além de outros veículos. É autor de Save the Deli, vencedor do James Award, e The Tastemakers. Vive em Toronto.
Ficha técnica
A Vingança dos Analógicos: Por que os objetos de verdade ainda são importantes
Autor: David Sax
Editora: Anfiteatro
Tradução: Alexandre Matias
Páginas: 304
ISBN: 978-85-69474-22-7
sexta-feira, 10 de março de 2017
Um lento carro de boi
Existe algo estranho num país de 200 milhões de habitantes em que a primeira edição de um livro é de apenas 2 mil exemplares
por Rodrigo Gurgel | Gazeta do Povo
O modelo das megalivrarias está falido ou em vias de acabar? Notícias esparsas têm indicado que as grandes redes nacionais enfrentam diversos problemas: em resumo, no fim do mês, as contas não fecham.
Ao mesmo tempo, a Amazon não para de crescer e diversificar seus negócios: na ofensiva há anos, quando se trata de vendas on-line, a empresa começou testes para lojas de conveniência nos EUA, mas segue modelo atraente, de alta tecnologia, que dispensa os caixas - o que significa ausência de filas, menos tempo perdido para os clientes. A Amazon também aposta agora nas livrarias físicas, com wi-fi de altíssima velocidade e livros organizados segundo uma lógica simpática: as capas são voltadas para o cliente, que não é obrigado ao desconforto de se inclinar e ficar virando o pescoço para este ou aquele lado. Sob cada livro, um cartão oferece brevíssima resenha e a posição que o título ocupa no ranking da Amazon.com.
Quando leio tais notícias, lembro-me de minha adolescência, entre as décadas de 1960 e 70, que passei frequentando livrarias de pequeno ou médio porte em São Paulo - como a velha Mestre Jou, ou a Teixeira, na Rua Marconi, ou a antiga Brasiliense, na Barão de Itapetininga, ou a Duas Cidades, sem esquecer a pequeníssima Belas Artes, na Avenida Paulista. Quem não viveu aquele tempo não entenderá minha afirmação: hoje não existem mais livrarias.
O Brasil precisa aprender muitas coisas - mas seria ótimo se reaprendesse o que é uma simples e boa livraria
Enquanto professor de escrita criativa, crítico literário e autor de três livros, estou na outra ponta do sistema: sou um produtor de conteúdo, não um comerciante. Mas minha formação teria sido imperfeita sem os livreiros que me atenderam bem, que me indicaram as melhores edições, mostraram-me erros de tradução, chamaram minha atenção para uma brochura esquecida e empoeirada que tratava exatamente do meu tema predileto.
O Brasil precisa aprender muitas coisas - mas seria ótimo se reaprendesse o que é uma simples e boa livraria. Apesar do espaço exíguo, se comparado às lojas de hoje, a diversidade de títulos impressionava. Aqueles livreiros desconheciam a palavra preconceito, não estavam à esquerda ou à direita do espectro político - e, se estavam, isso era apenas uma escolha pessoal, jamais interferiria no relacionamento com os clientes ou nas escolhas para compor o acervo da loja. Não eram apenas comerciantes, mas cenobitas dedicados ao amor pelo conhecimento.
Fadadas ao insucesso ou não, as grandes redes de hoje romperam com a possibilidade dessas experiências - exatamente o que a Amazon parece querer recuperar: no mínimo, a sensação de aconchego, a possibilidade de, por alguns minutos, alhear-se da loucura e do movimento incessante dos centros urbanos, folheando livros e conhecendo novos autores numa atmosfera de intimidade e silêncio.
À parte qualquer saudosismo, a crise das megalivrarias revela também aspectos da nossa economia e da nossa cultura: existe algo estranho num país de 200 milhões de habitantes em que a primeira edição de um livro é de apenas 2 mil exemplares. Poucos percebem o que se esconde sob tal número, mas o comércio livreiro jamais se firmará enquanto não tivermos leitores - ou enquanto o principal comprador de livros for o governo. Nada pode dar certo se permanecemos submetidos a regras que jamais apostam no que o capitalismo tem de melhor: liberdade para inovar e diversificar negócios. O sucesso da Amazon escancara nossa realidade: somos uma vasta propriedade rural - ou melhor, um lento carro de boi cruzando desgastada, empobrecida monocultura.
Rodrigo Gurgel, professor de escrita criativa e de literatura, é crítico literário do Jornal Rascunho e da Folha de S.Paulo e autor de Crítica, literatura e narratofobia.
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Quero ler em papel
Livro impresso sobrevive em plena era digital, apesar dos maus presságios motivados pelo surgimento do ‘e-book’, em 2007
Joseba Elola | El País
A elegia fúnebre para o papel terá que esperar. Os maus presságios sobre a morte iminente do livro impresso, esse veículo de ideias que mudou a história da humanidade, o mais poderoso objeto do nosso tempo, conforme clamam alguns, não se cumpriram. O e-book não o enterra, pelo menos por enquanto. Persiste o cheiro de papel, de tinta, de cauda; o totem continua vivo, meio abalado, mas ainda se agita.
Por mais que a imprensa tradicional e os sites falemos do que é novidade, do que está por chegar, do último gadget tecnológico, as estatísticas estão aí, com toda a sua teimosia. E são bem claras, tanto na Espanha quanto nos Estados Unidos. Duas de cada três pessoas continuam lendo seus livros principalmente em papel.
O deslumbramento que os novos aparelhos eletrônicos de leitura produziram se estabilizou. Deixaram de ser moda e se tornaram, é verdade, um fato, um fenômeno que veio para ficar. A ameaça que muitos editores viam no e-book no começo deste século mudou de aspecto. Esconde-se dentro do celular. É a mudança de hábitos. Mas recordemos, antes de mais nada, como tudo começou.
O enterro antecipado do livro impresso ganhou forma na virada do século. “O livro está morto, longa vida ao livro”, proclamava em maio de 2006, ufanista, o guru Jeff Jarvis, apóstolo da revolução digital que atacava os livros por serem unidirecionais, por não abrirem portas, por não incluírem links, por serem longos demais. Palavras idênticas utilizava Jeff Gómez, divulgador da revolução do e-book, na capa de um livro que publicou em 2007: Print Is Dead: Books in Our Digital Age (“o impresso morreu: livros na nossa era digital”).
O entusiasmo digital já dominava àquela altura os altos executivos do setor, como Alberto Vitale, à frente da Random House no começo do século. No ano 2000, Vitale apregoava o fim do papel no 26º Congresso da União Internacional de Editores, conforme recorda um ilustre editor espanhol. O fantasma do livro eletrônico já pairava sobre aquele evento. A inquietação na entidade setorial era palpável.
O biênio 2007-2008 foi do Kindle e do Lehman Brothers, uma dobradinha letal para o setor editorial tradicional, que precipitou as visões apocalípticas, o clima de velório. As vendas começaram a cair sucessivamente, a ponto de reduzirem os lucros do produto em papel em 30% com relação a antes da crise. O livro eletrônico adquiria ares de verdugo.
Mas a narrativa do alardeado e supostamente inapelável desaparecimento do livro impresso apresenta fissuras. E, embora não se possa falar de uma grande mudança de tendência, é hora de arquear as sobrancelhas. Por mais ultrapassado, old school e voluntarista que esta colocação pareça.
As cifras da Nielsen BookScan sobre os Estados Unidos antecipam possíveis cenários futuros no resto do mundo. Em 2015 foram vendidos 571 milhões de livros impressos, 17 milhões a mais do que no ano anterior. E, segundo a consultoria Forrester Research, no ano passado foram vendidos nos EUA 12 milhões de e-books, contra 20 milhões em 2011.
O prognóstico de que o livro digital engoliria metade do mercado não se cumpriu. Domina 25% das vendas - isso nos Estados Unidos. Na Espanha, o livro digital, segundo os dados da Federação de Grêmios de Editores, representa apenas 5,1% do faturamento total do setor.
A cifra de negócio das editorias espanholas cresceu 2,8% em 2015, chegando a 2,26 bilhões de euros (8,15 bilhões de reais) e confirmando o tímido crescimento apontado em 2014. A venda de volumes em livrarias tradicionais cresceu 5,6%.
Ler é sexy, proclama uma revista na sua capa. Novas livrarias independentes, muitas delas do tipo boutique, e bares abrem suas portas. Editam-se livros que são um canto ao papel, como Paper. Paging Through History (“papel - folheando a história”, Norton, 2016), onde Mark Kurlansky afirma que o papel nos guiará no decorrer de todo o século XXI (e recorda que ele chegou à Europa cristã em meados do século XII, pela Espanha). Ou um canto ao próprio livro, como The Book: A Cover-to-Cover Exploration of the Most Powerful Object of Our Time (“o livro: uma exploração capa a capa do objeto mais poderoso do nosso tempo”), lançado em agosto deste ano, no qual Keith Houston homenageia este totem estrutural da cultura.
Deixando de lado todo o hype e o impulso (ou o respiro na queda), parece que o papel resiste ao vendaval digital. Como isso é possível em meio a tudo o que está acontecendo?
Os editores de livros, que neste mês têm dois grandes eventos (a feira Liber, de 12 a 14 de outubro em Barcelona, e a Feira de Frankfurt, a mais importante do mundo, de 19 a 23), afirmam que a recuperação das cifras se deve ao fato de a crise econômica ser menos aguda agora do eu que 2008. E, claro, há a questão do papel.
A retenção do conteúdo é muito melhor quando se lê um livro impresso, apontam alguns cientistas (outros não são tão taxativos). O artigo Why the Brain Prefers Paper (“por que o cérebro prefere o papel”), publicado pela Scientific American em outubro de 2013, relata que as telas (tablets, computadores, celulares) podem inibir a total compreensão do texto, pois distraem o leitor. A pesquisadora Maryanne Wolf, da Universidade Tufts, em Massachusetts, sustenta que o papel apresenta grandes vantagens e propicia uma maior memória visual.
Armazém de Machado Sistribuidora em Boadilla, Madri, onde se armazenam entre cienco e seis milhões de livros.
Entre estudantes universitários, 92% se concentram melhor lendo em papel. É o que concluiu, depois de entrevistar 300 alunos de universidades dos Estados Unidos, Japão, Alemanha e Eslováquia, Naomi S. Baron, professora de linguagem da Universidade Americana, que apresentou seu trabalho no livro Words on Screen: The Fate of Reading in a Digital World (“palavras na tela: o destino da leitura no mundo digital”), publicado pela Oxford University Press em 2015. Álvaro Bilbao, neuropsicólogo, autor de Cuidar el Cerebro (“cuidar do cérebro”), argumenta que a possibilidade de tocar, cheirar e sentir o peso do livro e a sensação de avançar à medida que se viram as páginas podem ser mais prazerosas. “Essas coisas que despertam nossos sentidos ativam o hemisfério direito do cérebro, que está mais relacionado com o mundo das emoções”.
O fetichismo, a beleza do objeto, esse prazer tão datado de percorrer a livraria, as livrarias. A lista de motivos que levam o papel a continuar vigente cresce à medida que se conversa mais com leitores, editores, escritores. O prazer de colecionar, as notas à margem, as flores secas ou os cartões de embarque servindo como marcadores de páginas, sua utilidade estética na sala de casa, a dedicatória que trazem quando são um presente...
A resistência do papel também se explica, talvez, por estarmos apenas no começo da revolução digital. “O ritmo das mudanças tecnológicas sempre é mais lento do que as pessoas tendem a acreditar”, afirma Michael Bashkar, editor da área digital da Profile Books e autor de The Content Machine (“a máquina do conteúdo”), livro no qual descreve um futuro em que os intermediários desaparecem e as tecnologias conectam os autores diretamente aos leitores. “Não acredito que vejamos o fim dos livros impressos”, acrescenta. “São objetos materiais, desejáveis, estarão sempre aí. Sou viciado em livros, tanto impressos como eletrônicos.”
A televisão não matou o rádio. O papiro e o pergaminho coexistiram durante séculos no antigo mundo mediterrâneo. Ao final, tudo aponta para uma coexistência de formatos, para um ecossistema no qual o audiolivro agora irrompe com força. O papel aloja melhor o universo fechado prometido por um grande romance; o tablet (que pouco a pouco vai acuando o livro de bolso) é porta de entrada cada vez mais habitual para a literatura de gênero, romântica, erótica, para os autoeditados.
A ameaça para o livro impresso não é, portanto, como se pensava há dez anos, o livro eletrônico. Os concorrentes viajam no celular, e o problema é a mudança na nossa forma de vida.
Nos ônibus e no metrô, vemos pouca gente lendo um livro. O humano viaja com a cabeça baixa, olhando sua tela, visualizando as fotos pela enésima vez, compartilhando-as, comentando-as, trocando mensagens, interagindo. Assim se sente acompanhado, acolhido a cada instante, assim se vacina a golpes de teclado contra a (cedo ou tarde inescapável?) solidão.
Instagram, Twitter, Facebook. Essas plataformas é que vieram a ocupar o tempo livre (e o de trabalho). Uma das vítimas colaterais é o livro, o velho amigo. “As redes sociais são, de fato, um inimigo claro da leitura”, diz sem rodeios o editor Luis Solano, da Libros del Asteroide.
Vamos a toda pressa, de um lado para o outro. A leitura repousada e atenta casa cada vez menos com os novos ritmos. A complexidade de certo tipo de vida contemporânea, a do urbanita hiperconectado, a velocidade a que vivemos como consequência da agilização das comunicações, que multiplicam a vida social, a troca de ideias (e de bobagens?), entre muitas outras coisas, deixaram um espaço menor para o recolhimento que um livro exige. Mas esse velho objeto, coisas da vida, continua vivo.
Afinal de contas, como dizem que dizia Groucho Marx (e embora haja sérias dúvidas sobre a autoria da frase, ela sem dúvida exala o odor do seu charuto): “Fora o cachorro, o livro é o melhor amigo do homem. E dentro do cachorro é escuro demais para ler”.
Joseba Elola | El País
A elegia fúnebre para o papel terá que esperar. Os maus presságios sobre a morte iminente do livro impresso, esse veículo de ideias que mudou a história da humanidade, o mais poderoso objeto do nosso tempo, conforme clamam alguns, não se cumpriram. O e-book não o enterra, pelo menos por enquanto. Persiste o cheiro de papel, de tinta, de cauda; o totem continua vivo, meio abalado, mas ainda se agita.
Por mais que a imprensa tradicional e os sites falemos do que é novidade, do que está por chegar, do último gadget tecnológico, as estatísticas estão aí, com toda a sua teimosia. E são bem claras, tanto na Espanha quanto nos Estados Unidos. Duas de cada três pessoas continuam lendo seus livros principalmente em papel.
O deslumbramento que os novos aparelhos eletrônicos de leitura produziram se estabilizou. Deixaram de ser moda e se tornaram, é verdade, um fato, um fenômeno que veio para ficar. A ameaça que muitos editores viam no e-book no começo deste século mudou de aspecto. Esconde-se dentro do celular. É a mudança de hábitos. Mas recordemos, antes de mais nada, como tudo começou.
O enterro antecipado do livro impresso ganhou forma na virada do século. “O livro está morto, longa vida ao livro”, proclamava em maio de 2006, ufanista, o guru Jeff Jarvis, apóstolo da revolução digital que atacava os livros por serem unidirecionais, por não abrirem portas, por não incluírem links, por serem longos demais. Palavras idênticas utilizava Jeff Gómez, divulgador da revolução do e-book, na capa de um livro que publicou em 2007: Print Is Dead: Books in Our Digital Age (“o impresso morreu: livros na nossa era digital”).
O entusiasmo digital já dominava àquela altura os altos executivos do setor, como Alberto Vitale, à frente da Random House no começo do século. No ano 2000, Vitale apregoava o fim do papel no 26º Congresso da União Internacional de Editores, conforme recorda um ilustre editor espanhol. O fantasma do livro eletrônico já pairava sobre aquele evento. A inquietação na entidade setorial era palpável.
O biênio 2007-2008 foi do Kindle e do Lehman Brothers, uma dobradinha letal para o setor editorial tradicional, que precipitou as visões apocalípticas, o clima de velório. As vendas começaram a cair sucessivamente, a ponto de reduzirem os lucros do produto em papel em 30% com relação a antes da crise. O livro eletrônico adquiria ares de verdugo.
Mas a narrativa do alardeado e supostamente inapelável desaparecimento do livro impresso apresenta fissuras. E, embora não se possa falar de uma grande mudança de tendência, é hora de arquear as sobrancelhas. Por mais ultrapassado, old school e voluntarista que esta colocação pareça.
As vendas de obras impressas voltam a crescer após anos de quedas. As dos livros eletrônicos caem nos Estados Unidos. O que está acontecendo?
As cifras da Nielsen BookScan sobre os Estados Unidos antecipam possíveis cenários futuros no resto do mundo. Em 2015 foram vendidos 571 milhões de livros impressos, 17 milhões a mais do que no ano anterior. E, segundo a consultoria Forrester Research, no ano passado foram vendidos nos EUA 12 milhões de e-books, contra 20 milhões em 2011.
O prognóstico de que o livro digital engoliria metade do mercado não se cumpriu. Domina 25% das vendas - isso nos Estados Unidos. Na Espanha, o livro digital, segundo os dados da Federação de Grêmios de Editores, representa apenas 5,1% do faturamento total do setor.
A cifra de negócio das editorias espanholas cresceu 2,8% em 2015, chegando a 2,26 bilhões de euros (8,15 bilhões de reais) e confirmando o tímido crescimento apontado em 2014. A venda de volumes em livrarias tradicionais cresceu 5,6%.
Ler é sexy, proclama uma revista na sua capa. Novas livrarias independentes, muitas delas do tipo boutique, e bares abrem suas portas. Editam-se livros que são um canto ao papel, como Paper. Paging Through History (“papel - folheando a história”, Norton, 2016), onde Mark Kurlansky afirma que o papel nos guiará no decorrer de todo o século XXI (e recorda que ele chegou à Europa cristã em meados do século XII, pela Espanha). Ou um canto ao próprio livro, como The Book: A Cover-to-Cover Exploration of the Most Powerful Object of Our Time (“o livro: uma exploração capa a capa do objeto mais poderoso do nosso tempo”), lançado em agosto deste ano, no qual Keith Houston homenageia este totem estrutural da cultura.
O biênio 2007-2008 foi dominado pelo Kindle e o Lehman Brothers, uma dobradinha letal para o setor editorial tradicional, que precipitou as visões apocalípticas, o clima de velório
Deixando de lado todo o hype e o impulso (ou o respiro na queda), parece que o papel resiste ao vendaval digital. Como isso é possível em meio a tudo o que está acontecendo?
Os editores de livros, que neste mês têm dois grandes eventos (a feira Liber, de 12 a 14 de outubro em Barcelona, e a Feira de Frankfurt, a mais importante do mundo, de 19 a 23), afirmam que a recuperação das cifras se deve ao fato de a crise econômica ser menos aguda agora do eu que 2008. E, claro, há a questão do papel.
A retenção do conteúdo é muito melhor quando se lê um livro impresso, apontam alguns cientistas (outros não são tão taxativos). O artigo Why the Brain Prefers Paper (“por que o cérebro prefere o papel”), publicado pela Scientific American em outubro de 2013, relata que as telas (tablets, computadores, celulares) podem inibir a total compreensão do texto, pois distraem o leitor. A pesquisadora Maryanne Wolf, da Universidade Tufts, em Massachusetts, sustenta que o papel apresenta grandes vantagens e propicia uma maior memória visual.
Armazém de Machado Sistribuidora em Boadilla, Madri, onde se armazenam entre cienco e seis milhões de livros.
Entre estudantes universitários, 92% se concentram melhor lendo em papel. É o que concluiu, depois de entrevistar 300 alunos de universidades dos Estados Unidos, Japão, Alemanha e Eslováquia, Naomi S. Baron, professora de linguagem da Universidade Americana, que apresentou seu trabalho no livro Words on Screen: The Fate of Reading in a Digital World (“palavras na tela: o destino da leitura no mundo digital”), publicado pela Oxford University Press em 2015. Álvaro Bilbao, neuropsicólogo, autor de Cuidar el Cerebro (“cuidar do cérebro”), argumenta que a possibilidade de tocar, cheirar e sentir o peso do livro e a sensação de avançar à medida que se viram as páginas podem ser mais prazerosas. “Essas coisas que despertam nossos sentidos ativam o hemisfério direito do cérebro, que está mais relacionado com o mundo das emoções”.
“O ritmo das mudanças tecnológicas sempre é mais lento do que as pessoas tendem a acreditar”, afirma Michael Bashkar, editor da área digital da Profile Books
A resistência do papel também se explica, talvez, por estarmos apenas no começo da revolução digital. “O ritmo das mudanças tecnológicas sempre é mais lento do que as pessoas tendem a acreditar”, afirma Michael Bashkar, editor da área digital da Profile Books e autor de The Content Machine (“a máquina do conteúdo”), livro no qual descreve um futuro em que os intermediários desaparecem e as tecnologias conectam os autores diretamente aos leitores. “Não acredito que vejamos o fim dos livros impressos”, acrescenta. “São objetos materiais, desejáveis, estarão sempre aí. Sou viciado em livros, tanto impressos como eletrônicos.”
A televisão não matou o rádio. O papiro e o pergaminho coexistiram durante séculos no antigo mundo mediterrâneo. Ao final, tudo aponta para uma coexistência de formatos, para um ecossistema no qual o audiolivro agora irrompe com força. O papel aloja melhor o universo fechado prometido por um grande romance; o tablet (que pouco a pouco vai acuando o livro de bolso) é porta de entrada cada vez mais habitual para a literatura de gênero, romântica, erótica, para os autoeditados.
A ameaça para o livro impresso não é, portanto, como se pensava há dez anos, o livro eletrônico. Os concorrentes viajam no celular, e o problema é a mudança na nossa forma de vida.
Nos ônibus e no metrô, vemos pouca gente lendo um livro. O humano viaja com a cabeça baixa, olhando sua tela, visualizando as fotos pela enésima vez, compartilhando-as, comentando-as, trocando mensagens, interagindo. Assim se sente acompanhado, acolhido a cada instante, assim se vacina a golpes de teclado contra a (cedo ou tarde inescapável?) solidão.
Instagram, Twitter, Facebook. Essas plataformas é que vieram a ocupar o tempo livre (e o de trabalho). Uma das vítimas colaterais é o livro, o velho amigo. “As redes sociais são, de fato, um inimigo claro da leitura”, diz sem rodeios o editor Luis Solano, da Libros del Asteroide.
Vamos a toda pressa, de um lado para o outro. A leitura repousada e atenta casa cada vez menos com os novos ritmos. A complexidade de certo tipo de vida contemporânea, a do urbanita hiperconectado, a velocidade a que vivemos como consequência da agilização das comunicações, que multiplicam a vida social, a troca de ideias (e de bobagens?), entre muitas outras coisas, deixaram um espaço menor para o recolhimento que um livro exige. Mas esse velho objeto, coisas da vida, continua vivo.
Afinal de contas, como dizem que dizia Groucho Marx (e embora haja sérias dúvidas sobre a autoria da frase, ela sem dúvida exala o odor do seu charuto): “Fora o cachorro, o livro é o melhor amigo do homem. E dentro do cachorro é escuro demais para ler”.
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