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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Como a mídia impressa sobrevive em um mundo digital?


Há anos batendo de frente com a onda cibernética que invade o mundo da comunicação, os veículos impressos parecem resistir e até achar espaço em meio ao mar saturado de informações sob demanda. Pelo menos é isso que o presidente do Skål Internacional São Paulo e vice-presidente do Núcleo de Turismo da ADVB, Aristides de La Plata Cury, defende em artigo enviado ao Portal PANROTAS.

Com o documento, intitulado "De Gutenberg a Zuckerberg: o papel vive!", o executivo põe em questão a atitude de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, de investir em uma revista impressa para explicar de que maneira esse meio ainda pode ser importante para alavancar negócios e fortalecer ainda mais as marcas. Leia o texto completo abaixo:

"O advento da revolução digital já suscitou incontáveis profecias, ao longo dos últimos 15 anos. Algumas delas vaticinaram a agonia e morte do rádio e mesmo da TV. 

Outras deram como certa a extinção iminente de livros, revistas e jornais impressos, por conta dos novos meios digitais cada vez mais ágeis, flexíveis, interativos e atraentes. Seria o fim de uma era, iniciada em 1455, com a Bíblia de Gutenberg.

O tempo foi passando, gigantes da web tornaram-se centrais multiconteúdos, turbinadas por algoritmos cada vez mais poderosos e resolutivos. Entre eles, está o hoje prosaico Facebook, de Mark Zuckerberg, um dos empreendedores de maior sucesso da história recente.

Nesse cenário, não deixa de surpreender anúncio feito por essa notória mídia social virtual, surgida em 4 de fevereiro de 2004, nos Estados Unidos. Atentem-se: o Facebook lança, no final de junho de 2018, na Inglaterra, a revista impressa Grow, edição trimestral, com distribuição gratuita em lounges de aeroportos e terminais ferroviários do Reino Unido.

Traz reportagens sobre inovação, liderança e tecnologia e também é enviada diretamente a executivos que pagam por publicidade dentro da plataforma no país. A editora-chefe da publicação é Kate Maxwell, colaboradora da Conde Nast e ex-diretora do grupo editorial Soho House & Co.

A corporação diz que a ideia do projeto de marketing de negócios surgiu há menos de quatro anos e nega que vá comercializar publicidade para exibir na revista impressa. Sustenta que compartilha conteúdo sobre liderança diretamente com seus clientes, por meio de um evento anual, além de canais de marketing on-line e off-line. E que já firmou parcerias com o Founders Forum, rede global de empreendedores à frente de empresas de tecnologia, e com a revista Vanity Fair.

O fato é que as profecias não contavam com esse paradoxo insólito, em que um dos expoentes dos meios digitais percebe a pertinência de uma ação aparentemente retrô para alavancar negócios e fortalecer ainda mais sua marca. Na esteira da Grow Magazine, está uma série de encontros fechados, ainda em 2018, na Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Suécia. Pauta: tratar de temas de interesse do mercado empresarial. E assim, o bom e velho evento corporativo, que alguns julgaram estar com os dias contados, segue vivo e influente.

Em última análise, esse case é oportuno e didático para se entender melhor os meandros da comunicação contemporânea, das vendas e do marketing. O caráter tangível, palpável e material das publicações impressas em papel sobrevive, endossadas pelas mãos de um dos ícones da era digital. E os eventos corporativos, em ambientes reais e protagonizados por pessoas em carne e osso, também são contemplados nessa ação inovadora, aparentemente um retrocesso, e por isso mesmo, desconcertante."

*Aristides de La Plata Cury, consultor e conferencista, é presidente do Skål Internacional São Paulo e VP do Núcleo de Turismo da ADVB

via Panrotas
Imagem: Internet

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Para a nova geração, experiência cultural vale mais do que a posse de objetos



Sou um assassino cultural. Não faça essa cara. Você também é. Eu sei que é romântico chorar quando uma livraria fecha as portas. Não sou alheio a essas lágrimas.

Mas convém não abusar do romantismo —e da hipocrisia. Fomos nós que matamos aquela livraria e o crime não nos pesa muito na consciência.

Falo por mim. Os livros físicos que entram lá em casa são cada vez mais ofertas —de amigos ou editoras.

De vez em quando, mais por razões estéticas que intelectuais, ainda cedo ao vício, sobretudo na ficção. Mas é um vício caro, cansativo, redundante. Já não tenho 20 anos.

Leia o artigo completo de João Pereira Coutinho, "Assassinos culturais", na Folha de S. Paulo.

E-Ink com 32 mil cores começa a ser produzido, mas não para e-readers

Nova tela está na quarta geração de displays E-Ink que conseguem reproduzir cores

Por André Fogaça | Tecnoblog

O E-Ink é uma maravilha tecnológica que faz telas de dispositivos parecerem papel de verdade - veja o Kindle, como exemplo. A tecnologia nasceu em preto e branco e brincando apenas com tons de cinza, mas hoje (28) foram entregues os primeiros modelos de telas que conseguem exibir até 32 mil cores diferentes.

A quantia, por maior que seja, ainda está longe do que consegue a TV da sua sala, que é capaz de trabalhar na casa das dezenas de milhões de cores. Porém, é um avanço para a tecnologia que tem como objetivo tornar um painel eletrônico visualmente idêntico ao que existe em papel de verdade.

Número de cores saltou
A nova tecnologia utilizada para esta quantidade de cores é chamada de Advanced Color ePaper, ou ACeP, e foi anunciada dois anos atrás. Sucessora de outras três telas coloridas e que são chamadas de Spectra, Prism e Triton, sendo a primeira com três pigmentos diferentes, indo até a Triston e suas 4.096 cores possíveis.

Tela feita com a tecnologia Advanced Color ePaper

Em sua versão mais recente, o display de E-Ink consegue trabalhar em resolução de 1600 x 2500 pixels em 150 pontos por polegada de densidade - a metade da densidade do que existe em revistas, por exemplo.

Calma que a notícia não é tão boa assim
A parte triste de tanta notícia boa é que a produção em massa deste tipo de tela será iniciada apenas no final deste ano. A notícia ainda pior do que a anterior é que não será no ano que vem que os Kindles contarão com um visual muito semelhante ao que revistas em quadrinhos entregam.

Cartazes feitos com telas ACeP

A tristeza vem de palavras do próprio diretor executivo da E-Ink, Johnson Lee, que comentou que leitores de e-books não estão no foco da empresa neste momento.

Se não estarão em leitores, certamente painéis e cartazes de locais bem tecnológicos serão feitos com E-Ink. Não custa nada sonhar em ler X-Men, com quase que todas as cores do gibi, na tela de um e-reader.

Com informações: Good E-Reader.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

A inteligência artificial chega ao mundo das artes



Quando o assunto é futuro do trabalho, muitos estudos debatem como o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial mais capazes vai colocar em risco milhões de empregos. Esses mesmos estudos apontam as profissões que têm mais ou menos chances de serem eliminadas, e aquelas cujas atividades envolvem criatividade e imaginação geralmente são citadas como imunes à automação. Porém essa imunidade pode estar com os dias contados.

Em outubro, a Christie’s, uma das mais famosas casas de leilão de artes do mundo, fundada em 1766, vai, pela primeira vez, leiloar um quadro criado inteiramente por inteligência artificial, em sua filial de Nova York. A peça, intitulada “Edmond de Belamy”, é o retrato de uma pessoa (que, aliás, nunca existiu) e foi feita por um algoritmo desenvolvido pela startup francesa Obvious, cujo lema é “Criatividade não é só para humanos”.

Para conseguir gerar as imagens, a Obvious utilizou uma técnica conhecida como GAN (acrônimo para generative adversarial network ou, em português, rede geradora adversária). Para entender melhor como ela funciona, conversei com Saulo Catharino, consultor em aprendizado de máquinas e diretor da empresa Bitrental.

O GAN é formado por duas redes neurais, uma conhecida como geradora e outra como discriminadora. Nesse caso dos quadros, a geradora foi ensinada a fazer desenhos aleatórios, tendo como base algumas especificações (por exemplo, como são retratos, eles precisam ter dois olhos, um nariz...). Já a discriminadora foi alimentada com uma imensa base de dados de 15 mil pinturas de retratos existentes dos séculos 14 a 20. Assim, conforme a geradora ia desenhando, a discriminadora media se esses desenhos se aproximavam daqueles da base de dados ou não. Com esse feedback, a geradora foi melhorando seu desempenho, até que conseguiu criar imagens similares, chegando ao resultado final. O uso dessa técnica faz com que os responsáveis pela Obvious se refiram às suas obras como parte de um novo movimento artístico, o “GAN-ismo”.

A empresa francesa não é a única a apostar em inteligência artificial criativa. Na Universidade de Rutgers, nos EUA, pesquisadores desenvolveram um algoritmo que consegue gerar cerca de mil imagens originais a cada vez que é acionado. E para testar esses trabalhos, colocaram-nos ao lado de outras obras criadas por humanos em um site onde pessoas puderam avaliá-los em termos de complexidade e inspiração. E alguns dos que foram produzidos pelo algoritmo tiveram uma avaliação superior.

Além de imagens, outras formas de expressão artística também estão sendo desenvolvidas por inteligência artificial: alguns algoritmos conseguem criar poemas “inspirados” em fotos (apesar de que o resultado nem sempre é dos melhores) e se aventurar no mundo da música. Ano passado, a cantora americana Taryn Southern lançou um álbum inteiro produzido por IA. E, em 2016, aqui no Brasil, o Spotify, em parceria com a empresa Kunumi, de Belo Horizonte, e o grupo de rap RZO, lançou uma música do rapper Sabotage, morto em 2003. Para isso, alimentou uma rede neural com diversas composições e manuscritos do artista. Com essa base, o algoritmo desenvolveu uma letra inspirada no estilo de Sabotage. A canção, aliás, chama-se “Neural”.

No entanto, essas iniciativas provocaram uma discussão: afinal, quadros, músicas ou outras obras criadas por inteligência artificial podem ser chamados de arte? A resposta é a mais em cima do muro possível: depende. Se avaliados apenas pelo aspecto estético, sim. Porém, se definirmos arte como uma forma de expressão de sentimentos, sensibilidade e personalidade de quem cria, fica complicado classificar inteligência artificial como artista, pois não existem (pelo menos ainda) algoritmos com essa capacidade.

Seja como for, o “Edmond de Belamy” irá a leilão em outubro, com preço estimado na casa dos US$ 10 mil. E você, faria um lance por essa obra?

Jornal do Brasil

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

O fim das bibliotecas?


Importante é o conhecimento, que pode estar em papiro, pergaminho, papel ou na tela
         
Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo
Imagem: Internet

Sempre senti o fascínio poderoso por bibliotecas. Tínhamos uma em casa, uma na escola e eu frequentava muito a Biblioteca Pública Municipal Olavo Bilac de São Leopoldo. Meu paraíso era próximo ao de Jorge Luis Borges: livros enfileirados.

Na faculdade, eu não tinha dúvida alguma: ter muitos livros era indispensável ao bom viver. Causa ainda certa espécie aos que hoje visitam minha casa que meu quarto seja decorado por uma imensa e belíssima foto de Yuri Seródio focando a Biblioteca Riccardiana de Florença. Deito e acordo com a representação de uma biblioteca. Silêncio, calma, livros, conhecimento: quase tudo é virtuoso no espaço de livros enfileirados.

Amo bibliotecas. O amor foi sofrendo golpes. Os primeiros são as mudanças. Cada vez que troco de casa tenho de avaliar quais os livros que realmente são importantes. Como me mudei há pouco, mais uma vez tive de avaliar coisas. Um exemplo: eu tinha uma extensa coleção de dicionários de português, praticamente todos os grandes léxicos da nossa língua. Avaliei mentalmente: qual foi a última vez que abri o volume físico do dicionário? Não consegui recordar. Deixei de necessitar? Pelo contrário, não consigo escrever um parágrafo sem buscar auxílio deles. Porém, como quase tudo, percebi que só uso versões digitais, rápidas de serem acessadas. Aqueles livros imensos estavam ali, belos, imponentes, com histórias, parados e sem uso além do valor simbólico na estante. Doei todos os que existiam em forma não virtual. Mantive apenas os mais antigos, como o Dicionário Analógico do padre Carlos Spitzer.

Muitos livros com reproduções de imagens artísticas tiveram o mesmo destino. Pensei em como consigo acessar em altíssima resolução afrescos da Capela Sistina, sem que eu precise guardar aqueles volumes gigantescos com fotografias dela ainda antes da restauração. Fiz uma sessão de “processos de Moscou” com meus livros. Ao contrário de um tirano como Stalin, ao menos dei a cada um o direito de se defender. Muitos reconheceram que sua culpa não estava na alma, mas no corpo. Por qual motivo manter volumes de peso enorme, acumuladores de pó, desafiadores de todas as estantes possíveis se algo melhor e mais rápido era possível na tela? Se alguém alegar que só consegue ler em papel, deve ter cuidado, aproxima-se o dia em que não apenas os livros físicos serão descartados, mas os leitores deles, ambos, aparentemente, obsoletos.

Ato contínuo: tentei doar a colégios públicos próximos ao meu antigo endereço. Nenhum aceitou. Levei os mais acadêmicos para minha universidade e a acolhida não foi entusiasmada. Consegui doar muitos para presídios, onde a falta de acesso fácil à internet ainda torna o livro físico um valor.

Talvez eu esteja vendo o fim da tradição de Alexandria e outros centros bibliotecários. Será que bibliotecas serão como as canetas-tinteiro que coleciono? Peças antigas, bonitas, evocativas, porém há muito suplantadas por similares mais práticas e fáceis?

Em janeiro estive em uma das maiores bibliotecas do mundo: a Britânica de Londres. Admirei uma exposição com a Magna Carta e outros documentos extraordinários. Ao subir aos andares mais elevados, encontrei, claro, quilômetros de estantes com livros de bela encadernação. O óbvio ocorria a minha frente: a maioria absoluta dos seus muitos frequentadores estava lendo em... tablets. A biblioteca era um espaço de silêncio e de wi-fi potente. Vi que as obras antigas e mais delicadas eram todas digitalizadas e a biblioteca oferecia uma enormidade de títulos para serem baixados.

Toda geração cria nostalgia com sua tecnologia, mesmo a superada. Eu, baby boomer, olho com simpatia uma fita K7. Sei que meus sistemas de baixar músicas garantem mais clareza de som e muito mais praticidade. O que me faz sorrir ao reencontrar a peça é, por certo, uma nostalgia da infância ou uma lembrança de que guardo segredos históricos do passado desconhecido pelos jovens. Que adolescente saberia hoje dar aquela “puxadinha” no braço do toca-discos para iniciar o movimento rotatório do disco de vinil? Qual a utilidade desse conhecimento? Nenhuma...

O importante é o conhecimento, não o livro. Quero aprender e não valorizar um suporte específico, o livro in-quarto em papel feito a partir de celulose. Conhecimento pode estar em papiro, pergaminho, papel ou na tela. O saber é o substantivo, os adjetivos são secundários. A rigor, nada se perderia com o fim dos livros físicos, escaneados, digitalizados, guardados na nuvem e acessíveis a ainda mais leitores. Morrendo minha geração, provavelmente, livros podem ser vistos como um console de telejogo. Alguém ainda lembra ou sente falta?

A minha biblioteca privada vem diminuindo e só conservo obras raras, livros afetivos ou autografados por escritores conhecidos. Baixo mais livros do que compro novos em papel. Suponho que, em alguns anos, prédios de bibliotecas serão como os templos egípcios no vale do Nilo: imensos, solenes, narradores pétreos de uma glória antiga e, sem fiéis ou sem deuses, apenas com turistas e selfies. Será que todos terão consciência de que aqueles templos foram construídos também porque havia saberes em bibliotecas?

Minha rinite melhorou com a novidade, minha alma sempre será melancólica com o fim dos livros físicos. Será que um dia terei no quarto só a senha do wi-fi e os computadores para ver fotografias? Sempre é preciso cultivar a esperança.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

O futuro já chegou. Você está preparado?


Christiane Berlinck | O Estado de S. Paulo

“O futuro já chegou, só não foi distribuído ainda”. Essa frase do William Gibson me ajuda a enxergar que a transformação digital, em poucos anos, provocará mudanças gigantescas no mundo como conhecemos hoje. Tudo vai mudar, e me desculpe se você ficar com medo ou ansioso por não estar preparado, mas isso será inevitável. Sistemas financeiros e de saúde, as comunicações e o varejo, em pouco tempo, serão bem diferentes do que conhecemos hoje. Meu conselho é simples, não perca tempo e se prepare.

Não serão somente os avanços em tecnologias que provocarão mudanças nas mais diferentes indústrias, mas sobretudo as mudanças nos comportamentos da sociedade e no mercado de trabalho. E é sobre isso que quero falar. A sobrevivência dos negócios será determinada pela capacidade das companhias de serem orientadas às pessoas. Ou seja, quanto mais tecnologia, mais foco em gente. Curioso, não?

Desta forma, naturalmente, surge o questionamento: quais serão as profissões do futuro? Isso não sei dizer, mas no último Fórum Econômico Mundial de Davos foram discutidas pesquisas que estimam que 65% das crianças que estão na escola atualmente trabalharão em empregos que não existem ainda. Também foi discutido o impacto da automação e da inteligência artificial, principalmente mudando as rotinas que conhecemos hoje em todas as profissões.

Novas tecnologias devem chegar e dominar o mercado, transformar posições de trabalho e criar outras que jamais sonharíamos em ver. Tudo isso num piscar de olhos. Obviamente, o medo toma conta de muita gente quando vislumbramos este cenário. Mas acredito que não haverá uma simples substituição da tecnologia pelo homem. Acredito que nós trabalharemos e entregaremos resultados infinitamente melhores se nos aliarmos a elas.

Qual é a dica? É não parar, é ter uma mentalidade de aprendizado constante e é se manter curioso o tempo todo, porque estamos em uma era do conhecimento exponencial. A única certeza que temos é que o profissional de sucesso, tanto do presente quanto o do futuro, é aquele que está em constante aprendizado e que usa o seu conhecimento para se diferenciar. Além dessa habilidade, que outras eu vejo como sendo importante?

Criatividade
“Nada se cria, tudo se transforma.” Há mais de 200 anos Lavoisier já havia observado a capacidade de transformação dos elementos da natureza. O que o mercado demandará no futuro são pessoas criativas, e aqui não estou me referindo apenas a artistas, pintores e escritores, mas a visionários capazes de transformar o caminho por onde passam. (Re)criando novas formas de organizar o trabalho trazendo conceitos muitas vezes de outras áreas do conhecimento ao seu campo de trabalho. Portanto, possuir um repertório de conhecimento plural será fundamental.

Capacidade analítica
“Possuir pensamentos analíticos que durem uma vida inteira …” Em tempos de fake news, o pensamento de Edward Tufte ganha imensa relevância. As plataformas de inteligência artificial, sobretudo com a chegada da computação quântica, serão capazes de agregar e processar quantidades gigantescas de informações quase que imediatamente. Algo que os humanos não conseguirão desempenhar com a mesma igualdade. Porém, somente os humanos são capazes de realizar julgamentos usando seu conhecimento como base.

Colaboração
“A tecnologia mudou a forma como os humanos interagem.”  Dan Brown vislumbrou a mudança no comportamento da sociedade e é exatamente por isso que empatia e colaboração serão habilidades chaves.

Capacidade de se colocar no lugar dos outros para entender novas realidades e personas já é uma necessidade não apenas para desenharmos a jornada do consumidor e criar soluções inovadoras para nossos clientes, mas também para sermos melhores pessoas. Ou podemos simplificar tudo isso e falar em colaboração. Mesmo que detentores de um conhecimento mais plural, os profissionais do futuro serão aqueles capazes de encontrar outro humano com o conhecimento complementar e que vislumbrem formas de integrar diferentes pessoas e ideias em projetos únicos, que de fato acrescentem valor na sociedade.

Por essas e outras, concordo com os que dizem que o futuro já chegou, mas sou otimista em relação aos impactos das tecnologias inteligentes no mercado de trabalho. O que nos tornará mais preparados para lidar com os desafios que esta transformação trará será, ironicamente, nossa capacidade de ser mais humanos.

*Diretora de RH da IBM Brasil.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Há tanta vida na tela

É fato que a leitura digital está sujeita à fragmentação e dispersão da atenção, mas também é verdade que recursos online enriquecem a experiência

Abel Reis | Época Negócios

"UM CASAL LENDO LIVROS IMPRESSOS EM UM RESTAURANTE INCOMODARIA TANTO QUANTO SE ESTIVESSE LENDO PELO CELULAR?" (FOTO: PEXELS)

O Google anda preocupado com o tempo que passamos online, especialmente no smartphone. Por isso lançou, em maio de 2018, um programa batizado de “Bem-estar Digital”. Considerado prioridade pela empresa, a sua promessa é frear o excesso de atividades em dispositivos eletrônicos. Ele permite monitorar a rapidez para atender uma ligação, quantos e-mails respondemos por dia e até programar o aparelho para ficar menos interativo durante conversas presenciais ou à noite. Claro que tudo isso deve ser ativado e acompanhado por ele, ele mesmo: o celular.

O pressuposto da plataforma é que estamos perdendo um mar de oportunidades lá fora. É sintomático que essa grande “campanha do bem” aconteça em um dos períodos mais críticos da empresa, pressionada duramente por temas como privacidade e segurança (ou melhor, a falta delas). A Organização Mundial da Saúde (OMS) pensa parecido. Incluiu o vício em games na Classificação Internacional de Doenças (CID-11). A indústria da saúde curtiu e compartilhou a novidade. Nos Estados Unidos, surgiram clínicas de rehab para dependentes em tecnologia e prescrições médicas a rodo.

Os pesquisadores Christopher J. Ferguson e Andrew Przybylski, em estudos separados, concluíram o contrário do que dizem Google, medicina e senso comum. Os efeitos da dependência tecnológica não chegam aos pés da química. Gamers adoecidos são raríssimos, apenas 3% do total. Para a maioria dos adolescentes, celular e redes sociais aprofundam laços e interesses reais. Apenas uma minoria, já predisposta à depressão e ansiedade, comete abusos. E, de certa forma, se tornou conveniente culpar gadgets por problemas em casa ou na escola.

Ainda estamos nos habituando à onipresença da tecnologia em nossas vidas. Estivéssemos fissurados por escrever em um caderno - no trânsito, trabalho, na cama etc - seríamos criticados, vistos com pena ou encaminhados ao médico? Se andássemos para cima e para baixo com as 700 páginas do Ulisses de James Joyce - e não um dispositivo eletrônico -alguém acharia um exagero? E um casal lendo livros impressos em um restaurante? Incomodaria tanto quanto se estivesse lendo pelo celular?

Tudo que é novo - e a tecnologia sempre será - gera estranhamento e até medo. A leitura digital (ainda) não tem o charme da leitura em papel. Enquanto o e-reader “paga” de objeto técnico, a obra impressa tem status de objeto cultural. Por isso é socialmente mais aceita e até admirada, mesmo se consumida em doses cavalares. Como fica essa comparação se cotejarmos uma obra impressa medíocre com um poema digital de Jason Nelson? Por aí se vê a complexidade de definir o que é saudável ou não.

Se recuarmos à Idade Média, veremos que a consolidação da imprensa de tipos móveis - e o livro impresso - redefiniu o ato de leitura: a leitura silenciosa e introspectiva sobrepôs-se à leitura em voz alta, e as técnicas de memorização caíram em desuso. Vale dizer que um novo suporte físico para a palavra escrita trouxe consigo uma revolução semiótica que por sua vez trouxe impactos dramáticos nas sociedades europeias à época - que o diga a disruptiva reforma protestante!

É fato que a leitura digital está sujeita à fragmentação e dispersão da atenção típicas do novo meio. Mas também é verdade que recursos online como pesquisa, dicionários, tradução e comentários de outros usuários enriquecem a experiência, tornando a leitura introspectiva e social ao mesmo tempo. A história seria outra se o papel (por algum milagre da ciência e tecnologia) oferecesse essas mesmas facilidades? Provavelmente, sim. Provavelmente, haveria muitos fãs e poucos detratores da hiperconectividade, por mais viciante que ela fosse. Resumindo: estamos na infância de uma nova revolução semiótica.

*CEO da Dentsu Aegis Network Brasil e Isobar Latam

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Celular: como dar um tempo


Um plano para se livrar da ansiedade e retomar a sua vida

Dicas práticas testadas para realmente mudar a vida de todo mundo que já sofreu com a ansiedade de ter um smartphone.

Seu telefone é a primeira coisa que você procura ao acordar e a última coisa na qual toca antes de dormir? Você já sentiu ansiedade de passar muito tempo longe do celular — ou muito tempo nos aplicativos dentro dele? Já se viu pegando o seu smartphone apenas para responder uma mensagem e quarenta e cinco minutos depois se assustou ao descobrir quanto tempo se passou? Já disse que gostaria de passar menos tempo com o aparelho, mas não sabe como fazer isso sem perder os benefícios que ele trouxe para a sua vida? Se respondeu sim a qualquer dessas perguntas, este livro é a solução para você. 
A premiada jornalista Catherine Price apresenta um plano prático e detalhado de como dar um tempo na relação com o celular - e depois fazer as pazes. O objetivo? Um relacionamento duradouro e livre de anseios no qual você se sinta bem.


Título: Celular: como dar um tempo: o plano de 30 dias para acabar com a ansiedade e retomar a sua vida
Autora: Catherine Price
Páginas: 176
ISBN: 9788584391141
Editora: Fontanar

sexta-feira, 18 de maio de 2018

A França contra os Robôs


"O perigo não está nas máquinas, senão teríamos de sonhar o absurdo: destruí-las pela força, à maneira dos iconoclastas que, ao quebrar as imagens, se vangloriavam de aniquilar também as crenças. O perigo não está na multiplicação das máquinas, mas no número crescente de homens habituados desde a infância a desejar apenas o que as máquinas podem dar." Georges Bernanos


Além de ser contado entre os maiores escritores franceses, Georges Bernanos foi, durante a Segunda Guerra Mundial, desde o seu autoexílio no Brasil, uma voz incisiva na denúncia do colaboracionismo de parte da França com o regime nazista. Perante a derrota de Hitler, sua batalha deveria terminar? De maneira nenhuma: sem concessões em seu antitotalitarismo, ele antevê e se opõe a uma nova ameaça à liberdade, ascendente tanto no mundo capitalista como no mundo comunista - o império da técnica, do dinheiro, do controle mecânico. A França contra os Robôs é uma eloquente defesa da liberdade humana diante do crescente predomínio da tecnologia. Esta edição conta com uma seção de textos inéditos, incluindo correspondências, entrevistas, discursos e anotações de Bernanos concomitantes à escrita do livro.


A França contra os Robôs
Georges Bernanos
É Realizações, 2018
256 páginas

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Como a inteligência artificial está ajudando a decifrar os códigos do Arquivo Secreto do Vaticano


Um novo software pode fazer com que séculos de documentos escritos em latim sejam disponibilizados na internet

Zelda Caldwell | Ateteia

O Archivum Secretum Vaticanum ou Arquivo Secreto do Vaticano (ASV) parece algo tirado das teorias conspiratórias de ficção, bem ao estilo do escritor Dan Brown.

Mas, na realidade, os ASV são simplesmente um conjunto de arquivos privados (melhor tradução para a palavra “secretum”) do Papa. Porém, desde que o Papa Leão XIII abriu o arquivo a alguns estudiosos, em 1881, ele deixou de ser particular.

Teoricamente, desde o século VIII, todos os textos, documentos históricos, atas promulgadas pelo Vaticano, livros de contas e correspondências dos papas estão disponíveis aos pesquisadores qualificados para isso.

O único problema é que o enorme volume de arquivos os torna virtualmente inacessíveis.

De acordo com um artigo de Sam Kean publicado no The Atlantic, dos 85 quilômetros de fila de estantes do Arquivo Secreto do Vaticano, somente poucos milímetros de páginas foram escaneados, transcritos e preparados para ficarem acessíveis aos serviços de busca na internet.

Agora, o In Codice Ratio, um programa que utiliza inteligência artificial e reconhecimento ótico de caracteres (OCR) para transcrever automaticamente conteúdos, está sendo utilizado para digitalizar os arquivos do Vaticano.

Porém, segundo Kean, o OCR faz maravilhas com documentos escritos à máquina, mas não pode processar o texto manuscrito. As letras tendem a se misturar e nem sempre o que se encontram são “exemplos claros e nítidos” das letras que supostamente representam.

É aí que entra em jogo a inteligência artificial. Os pesquisadores recrutaram estudantes de um instituto italiano sem nenhum conhecimento em latim medieval. Com base em exemplos de letras que o software de OCR já havia identificado, os estudantes deveriam comprovar se elas correspondiam ou não aos símbolos corretos. Tudo o que eles tinham que fazer era comprovar os padrões visuais. O software anotou os apontamentos que os estudantes fizeram e corrigiu os erros.

Quando o projeto teve início, “a ideia de envolver os estudantes era desacreditada”, contou Paolo Merialdo, cientista da Codice Ratio. “Mas, agora, a máquina está aprendendo com os esforços dos estudantes. É incrível como uma pequena e simples contribuição de muitas pessoas pode ajudar a solucionar um problema tão complexo”, comemora Paolo.

Transcrever ao computador os antigos escritos também não está sendo tarefa simples. Um terço das palavras continha erros, o que atrapalhava a leitura. Mas o trabalho já foi considerado um grande avanço.

“As transcrições imperfeitas podem oferecer informações suficientes sobre o contexto do manuscrito em questão”, contou Merialdo a Kean.

Além disso, os cientistas que estão por trás do projeto esperam que o software melhore com o tempo, já que, quanto mais se aprende com a inteligência artificial, melhores são os resultados obtidos.

Para ler o artigo completo do The Atlantic (em inglês), clique aqui.

domingo, 13 de maio de 2018

Como sobrevivem as editoras de DVD nos tempos de streaming?

Versátil Home Video e Obras-Primas do Cinema resistem ao cenário desfavorável e apostam nos colecionadores
        
André Cáceres, O Estado de S.Paulo

Em 1997, Reed Hastings alugou o filme Apollo 13 - Do Desastre ao Triunfo na Blockbuster e teve de pagar uma multa por atrasar a devolução da fita cassete. Esse pequeno infortúnio o motivou a livrar os cinéfilos das taxas por atraso e criar a própria empresa: a Netflix. Duas décadas mais tarde, a Blockbuster foi à falência e as assinaturas de serviços de streaming superaram as vendas de filmes em mídia física nos Estados Unidos. 

Fernando Brito, curador da Versatil Home Video, uma das últimas editoras de DVDs do Brasil Foto: Gabriela Biló/Estadão

Desde 2016, o valor arrecadado por plataformas como Netflix, Hulu e Amazon Prime cresceu 53% enquanto o que se gastou em discos diminuiu 24%. O abismo entre os modelos de negócio parece cada vez maior, tanto que a Criterion Collection, uma das mais respeitadas editoras de DVDs do planeta, se rendeu ao charme do streaming: em parceria com a TCM, lançou o FilmStruck, uma plataforma dedicada aos clássicos do cinema. No Brasil, porém, duas editoras ainda resistem em um cenário nada auspicioso para os DVDs: a Versátil Home Video e a Obras-Primas do Cinema. 

Fernando Brito, curador da Versátil, lembra que o mercado já passou por outras crises quando a TV a cabo chegou ao País, na década de 1990, com uma oferta maior de filmes clássicos, e, nos anos 2000, com a proliferação da pirataria pela internet. “O que muda agora é a questão geracional”, afirma Brito ao Aliás. “O jovem de hoje não faz questão da mídia física. A relação que se dá com a arte e a cultura é muito mais líquida, ágil e superficial”, lamenta ele.

Valmir Fernandes, cofundador da Obras-Primas, explica que existem dois nichos principais que ainda consomem DVDs e mantém o mercado funcionando: os colecionadores e os estudantes. Para os primeiros, “a escolha vem de pesquisa de filmes que foram lançados dos anos 1940 aos 1970 e não são encontrados hoje ou não tiveram o complemento de outros títulos”. Já para os que cursam faculdades de cinema, jornalismo e publicidade, Valmir centra os esforços em filmes mudos ou coleções sobre a história do cinema. 

“No mercado de nicho para filmes clássicos, europeus, independentes, fora do circuito comercial mais óbvio, você tem um circuito de arte que é ativo”, informa Fernando, e por isso a Versátil e a Obras-Primas lançam recorrentemente caixas temáticas de cinema de gênero, cult e obras antigas em geral. “Na internet, é difícil o acesso a esse conteúdo. A legenda é ruim, há links quebrados… Isso cria uma demanda, porque os colecionadores não deixaram de existir”, diz Fernando. 

Colecionismo. Nesse cenário em que o público geral deixou de consumir mídia física, mas ainda existe uma audiência carente por filmes de arte, é inviável competir com as plataformas de streaming em termos de preço, pior ainda publicar um produto descuidado. “Não adianta lançar apenas um DVD simples”, adverte Valmir. “É importante fazer um box que a pessoa ache legal ter na sala, no quarto, uma coisa bonita, para apreciar em mãos.” O cuidado com a edição dos filmes soa semelhante ao que ocorre hoje na indústria fonográfica, em que o LP, após ter quase morrido (no Brasil, não havia mais nenhuma fábrica de vinis até poucos anos atrás), retornou a todo vapor. “O vinil estava morto, renasceu, hoje você tem fábricas sendo abertas”, comemora Fernando. “Tem toda a mística de pegar um álbum, do som, de ter uma relação ritual de abrir os encartes; a geração nova não conhecia o vinil e redescobriu”, completa ele.

Fernando admite que os chamados millennials ainda não demonstraram pelo DVD o apreço que parecem ter adquirido recentemente pelo vinil, portanto também aposta nos colecionadores mais velhos. “A geração anterior ainda valoriza o colecionismo e tem um poder de compra mais elevado. É um nicho, mas que está ávido por conteúdo, portanto é preciso investir justamente na qualidade, pensando no produto não só como o filme em si, mas a cópia restaurada, com qualidade de imagem, conteúdo extra, comentários, depoimentos, uma edição crítica”, explica o curador.

Apesar do crescimento do setor de streaming e da recente investida da Criterion Collection, nem a Versátil e nem a Obras-Primas pensam em migrar para essa área. “Acredito que o colecionador ainda vai existir por um bom tempo. Se eu levasse meu conteúdo para o streaming, estaria dando um tiro no meu pé. O cinéfilo não gosta de ver o filme no computador ou baixar. Ele gosta de ter na mão”, insiste Valmir. Fernando concorda, e ainda tece críticas ao formato atual: “O problema do streaming é que os filmes não ficam em catálogo constantemente. Não é um conteúdo fixo, de referência. É mutável, está no ar por um curto período de tempo e depois sai da disponibilidade.”

Se por um lado a vantagem econômica das mídias digitais parece cada vez maior, por outro a relação mais profunda e duradoura que surge do contato com o material físico ainda pode seduzir os mais jovens. Em 2017, as vendas de CDs e vinis superaram pela primeira vez em anos as receitas do download de música. Se o mercado cinematográfico ainda não seguiu os passos da indústria fonográfica, pelo menos a esperança permanece viva. “Esse renascimento me faz pensar que essa geração millennial e a anterior pode redescobrir a mídia física”, acredita Fernando. 

sexta-feira, 11 de maio de 2018

E o Google sacudiu o mundo digital

Muito raramente há algo realmente novo na temporada de conferências para desenvolvedores. Foi o caso do Google, este ano. Deu um salto - e, nesta, deixou todo mundo para trás. A sério.

Pedro Doria - O Estado de S. Paulo




O presidente executivo do Google, Sundar Pichai, fala na abertura do evento Google I/O, em Mountain View: foco em inteligência artificial

Entre maio e início de junho ocorre a temporada das conferências para desenvolvedores no Vale do Silício. Abre com a F8, do Facebook, passa pela Build, da Microsoft, daí Google I/O, e se encerra com a WWDC, da Apple. É uma oportunidade para as grandes empresas apresentarem a quem escreve programas os caminhos de suas plataformas. Em geral, com muita fanfarra, o que mostram mesmo são pequenos incrementos do que já existia. Muito raramente há algo realmente novo. Foi o caso do Google, este ano. Deu um salto - e, nesta, deixou todo mundo para trás. A sério.

O anúncio mais espetacular foi Duplex, um adicional à Assistente digital da plataforma. Quem tem celular Android conhece. O Assistant é aquela moça para quem damos comandos de voz. A Apple tem a Siri, a Amazon, a Alexa, Samsung programa a Bixby e, a Microsoft, a Cortana. Todo mundo tem a sua. Mas, com o Duplex, a assistente do Google liga para o salão de cabeleireiro, conversa com a atendente, marca um corte para segunda às 10h porque meio-dia já estava ocupado. E a moça do salão sequer desconfia que está conversando com um computador.

Muitas décadas atrás, o pai do computador, Alan Turing, propôs um teste para uma inteligência artificial. Ela passa o teste quando um ser humano travar uma conversa sem desconfiar que o papo se deu com uma máquina. O Google passou no Teste de Turing. E, por si, este é um feito extraordinário.

Deixou também muita gente tensa. Será ético? Não custa deixar claro o que a tecnologia faz. Não dá para sacar o telefone e conversar com o Google Duplex no bar sobre a vida, o universo e tudo mais. O sistema cumpre missões bem delimitadas: marca hora num salão, explica o serviço e põe na agenda. Pode fazê-lo também num restaurante. Possivelmente será capaz de resolver problemas no banco ou cancelar serviços daqueles que nos penduram três horas e meia ao telefone.

E daí o dilema ético: no primeiro momento, acentua um apartheid social. Enquanto pessoas mal pagas estão penduradas no telemarketing, quem tem acesso à tecnologia não precisa mais se dar ao trabalho de conversar com essa turma. Dificilmente dura muito tempo - na hora que robôs assumirem a burocracia, o processo todo vai se digitalizar e aqueles empregos acabam. De qualquer forma, Siri e Alexa sequer viram o caminhão passar. Terão dificuldades de se recuperar desta. O Duplex, porém, não está pronto e vai demorar.

O que está pronto e chega em breve é o novo Android, versão P. E ele faz algo também radical: incentiva o usuário a não consultar seu telefone. Até agora, smartphones haviam sido criados para viciar. Uma engenharia cuidadosamente influenciada pela antropologia e psicologia para nos fazer consultar o aparelho de cinco em cinco minutos.

Com o novo Android, o usuário pela primeira vez terá ferramentas que lhe informam quanto tempo gastou no Twitter, no Facebook ou no e-mail. Quem achar que uma hora por dia nas redes já é demais pode colocar um timer: bateu naquele limite, o ícone do app fica cinza e não liga ou abre de jeito nenhum. Só se dando ao trabalho de voltar e reconfigurar.

Há macetes mais simples. Vire a tela de cabeça para baixo e luzes, bipes e tremores se calam. O aparelho para de ficar chamando sua atenção toda hora. Sim: é possível escolher um grupo de pessoas cujas ligações passam. Mas só aquelas. Desta forma, o jantar com os filhos ou o chope com os amigos é poupado das tentações.

O vício em tecnologia é, cada vez mais, reconhecido como um problema. Ao invés de conectar, nos desconecta de quem está em volta. Pela primeira vez, um sistema de celular encara este monstro de frente. É só o início. Mas é uma baita transformação cultural no Vale.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Depósitos do conhecimento



Cena do episódio "Safe And Sound" da série distópica "Philip K. Dick's Electric Dreams" (Amazon Prime, 2018)

Jovem dominada por fobia social muda-se com a mãe para uma cidade futurística. Diante da ênfase em segurança e prevenção contra o terrorismo do local, não demora e sua vida escolar é consumida por medo e paranoia. Logo, ela encontra orientação e companhia nos lugares mais inesperados.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Inovações punem quem não se prepara; é hora de o Brasil romper o imobilismo diante delas


Governos e empresas precisam reinventar seus modelos de gestão para se adaptar à economia dos algoritmos

Tanto o país como as empresas precisam reinventar seus programas e temer o imobilismo, não as mudanças, que podem demorar, mas, quando chegam, punem sem dó os despreparados. O cemitério de negócios e de nações outrora bem-sucedidos nos alerta sobre os riscos do que está por vir se nada for feito.

Será promissor ou não dependendo de nossas decisões. Os masters do mundo estão na corrida acenada pelo presidente Vladimir Putin, da Rússia: “Quem liderar a IA governará o mundo”. Para nós, já basta estarmos no jogo, garantindo progresso e mobilidade social.

Trecho do artigo "Poder digital" de Pedro Luiz Passos, na Folha

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Site brasileiro JOTA cria bot para incentivar cobertura jornalística de processos parados no STF

Por Carolina de Assis | Knight Center

Em 1920, o jurista brasileiro Rui Barbosa (1849-1923) afirmou que “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Quase 100 anos depois, suas palavras inspiram a nova empreitada do site brasileiro JOTA, que tem o Judiciário como foco de sua cobertura jornalística. O bot Rui (@ruibarbot), lançado no fim de abril, monitora e divulga no Twitter a lentidão no andamento dos processos no Supremo Tribunal Federal (STF).


Diariamente, Rui tuíta sobre aniversários de processos parados na mais alta corte do país. No dia 25 de abril, por exemplo, ele avisou que uma ação sobre punição a motorista que foge depois de acidente de trânsito está parada há um ano no STF. O tuíte deu origem a uma reportagem do próprio JOTA sobre o processo e a lentidão em seu andamento.

O objetivo do bot é justamente direcionar o olhar de jornalistas e da cidadania para os gargalos do Judiciário brasileiro, disse Felipe Recondo, cofundador e diretor de conteúdo do JOTA e idealizador do bot, ao Centro Knight.

“A ideia surgiu entre 2014 e 2015, quando começamos o JOTA”, contou Recondo. “A percepção é que a gente cobria os processos judiciais quando eles andavam, mas a natureza do Judiciário, por várias razões - excesso de processos, travas na legislação, excesso de recursos - é que os processos não caminham.” A sensação, segundo o jornalista, era de cobrir apenas uma parte da história.

A cobertura dos processos parados permite desvelar “as disfuncionalidades do Judiciário”, disse Recondo, e explorar as várias razões possíveis para a lentidão. “Pode ser um ministro que não está dando a prioridade que talvez devesse dar a esse processo; pode ser o Ministério Público, que não devolveu o processo e ainda está analisando; as partes podem estar usando recursos legítimos, mas que podem protelar a decisão... A gente queria saber onde estão os gargalos em cada um desses casos. A ideia então foi fazer uma cobertura com sinal negativo, cobrindo também o que não anda.”

Guilherme Jardim Duarte, editor de dados do JOTA, programou Rui em Python, linguagem de programação muito usada por jornalistas em projetos como este. Ele explicou ao Centro Knight que o bot parte de uma lista de 289 ações compiladas pela equipe do JOTA em meio às 43 mil que tramitam no STF. O robô entra todos os dias no site do tribunal, confere quando cada processo que consta na lista foi atualizado e, caso algum esteja completando anos ou 180 ou 270 dias sem movimentação, ele tuíta a respeito.

“A única coisa que o bot faz é ver se o processo está fazendo aniversário [sem movimentação]”, disse Duarte. “O resto é o trabalho do repórter, de apurar e contar o que aconteceu.”

A lista de ações monitoradas pelo bot é resultado de uma curadoria da equipe do JOTA com base em critério jornalístico, disse Recondo. “Vimos o que na nossa cobertura pode ter maior repercussão para a legislação, a economia, a sociedade, a política, etc.” Mas a lista está aberta a atualizações e sugestões de leitores e leitoras sobre outras ações a serem monitoradas. “Foi imediato: assim que o robô entrou no ar as pessoas começaram a nos escrever dizendo ‘vocês deviam acompanhar o processo tal’. E estamos abertos a isso.”

Um aspecto valioso do projeto é ele ser um gerador de pautas não só para o JOTA, mas para qualquer jornalista ou veículo que acompanhe Rui no Twitter e que se interesse por alguma ação parada que ele destaca.

“A gente poderia ter feito um robô exclusivamente para nós”, disse Recondo. “Seria também extremamente relevante, mas não cumpriria com a tarefa que é também fazer com que as redes sociais e pessoas que talvez não leiam o JOTA, mas leem outros meios, tenham acesso a isso.” Estando no Twitter, “qualquer pessoa pode acessar, e quem quiser pode fazer matéria em jornais de qualquer lugar do país em cima daquela informação”, afirmou.

Além de reportagens no JOTA, Rui já gerou repercussão entre os próprios ministros do STF. Alguns deles comentaram com Recondo sobre o bot. Um ministro disse que o JOTA deveria expandir o projeto para todo o Judiciário. Já outros dois expressaram receio; um não entrou em detalhes, mas outro fez uma ressalva sobre os magistrados serem responsabilizados pela lentidão nos processos. “Eu disse que o robô vai tuitar apenas que o processo está parado. Nós vamos fazer matéria e explicar por que e onde está parado”, disse Recondo.

Houve também provocações de outras pessoas do STF, contou ele. “Disseram que ‘do jeito que isso aqui é, vocês vão ficar apitando que nem sirene’. Respondi ‘bom, se for assim, temos que discutir o modelo dos tribunais, não o modelo do Rui’”, riu o jornalista.

Novos Ruis estão no horizonte do JOTA. “A gente quer ampliar os tribunais”, disse Duarte. “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o tribunal que todo mundo pensa em seguida. Em termos de questões legais, é nossa corte superior. O STJ é bastante importante e é esquecido, às vezes, e tem vários casos interessantes e importantes ali.”

Segundo Duarte, outro projeto previsto pela equipe do site é uma análise de dados a respeito de todos os processos que constam no site do STF - cerca de dois milhões, entre ações finalizadas e ainda em andamento.

Para Recondo, o jornalismo baseado em dados é praticamente uma exigência da cobertura do Judiciário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2016 quase 110 milhões de processos passaram pelo Judiciário brasileiro. “Para fazer uma cobertura dessas, ou você tem dados ou você mergulha em 100 milhões de processos, e você não vai conseguir sair”, afirmou.

“A gente quer fazer um jornalismo baseado em evidências, e essas evidências às vezes podem ser metrificadas”, disse o diretor do JOTA, para quem os leitores têm demandado a apresentação de evidências no jornalismo. “Quando mais nós estivermos baseados em dados, menor vai ser o achismo, melhor o leitor estará informado e melhor vai poder formar seu juízo.”

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Algoritmos não mentem


A Netflix aprendeu uma dura lição. Quando buscou fazer os menus de seus consumidores a partir da lista que estes informavam, jogou dinheiro no lixo. Quando questionadas por suas preferências, as pessoas elencavam filmes inteligentes, europeus, iranianos, alternativos, documentários. Mas, na verdade, ninguém usava o menu.

Enquanto projetavam um perfil de amantes de filmes inteligentes, na verdade, viam filmes de terror, crimes, romances, comédias idiotas e super-heróis bobos. A Netflix resolveu então perguntar ao algoritmo, nosso oráculo. O algoritmo sabe de mim mais do que eu sei de mim mesmo. Outra vez, santo Agostinho. Só que, para este, era Deus quem sabia mais de mim do que eu sabia de mim mesmo.

E aí chegou ao que precisava. Nós mentimos, o algoritmo não. Rastreando os tipos de filmes realmente vistos, a Netflix chegou à solução: não pergunte para as pessoas do que elas gostam, porque elas mentem (provavelmente, para si mesmas), olhe para o que elas fazem de fato. De novo, nada que a filosofia moral já não soubesse.

Trecho do artigo "Todo mundo mente", de Luiz Felipe Pondé, na Folha.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Adam Alter examina vícios tecnológicos e o que fazer para não se tornar dependente

'Irresistível, Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela', que sai pela Companhia das Letras, explora a dependência comportamental ao longo da história

Lúcia Guimarães, O Estado de S.Paulo

A presidência de Donald Trump inspira comentários frequentes de internautas, especialmente os que trabalham em mídia ou dependem de se manter atualizados online, sobre exaustão noticiosa. Não é possível largar o celular alguns minutos e as crises se multiplicam, reclamam, exaustos. Não é possível ou não é desejável?

Um livro lançado esta semana no Brasil e já publicado em 24 outros países examina nossa dependência digital e sugere algumas saídas. Em 'Irresistível, Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela' (Companhia das Letras), Adam Alter, professor de marketing e psicologia da Stern Business School da Universidade de Nova York, explora um novo campo de estudo, o vício comportamental e examina o comportamento dependente ao longo da história.

Adam Alter Foto: Karsten Moran/The New York Times

Ao me receber em sua sala, Alter aparenta ser mais jovem do que seus 37 anos, sugere um geek que poderia passar horas grudado em alguma tela. Este australiano de Sidney está, há alguns anos, preocupado com a tecnologia e seu efeito evolucionário. Afinal, o iPhone só foi lançado há onze anos, o iPad há sete e não temos uma geração de adultos e profissionais para saber o significa crescer, como ele argumenta, com um apêndice do corpo na forma de um gadget.

A indústria cultural sempre dependeu de atrair nossa atenção. Mas, na era pré-digital, havia ponto final na leitura de um livro, de um jornal de papel. Telenovelas ocupavam uma hora do nosso tempo e voltavam no dia seguinte. Todo nosso consumo de mídia hoje é oferecido num loop contínuo. Os algoritmos do Facebook, Instagram, Google são destinados a manter o internauta grudado na plataforma. A Netflix oferece binge watching, com episódios recarregados automaticamente. Há uma clínica de reabilitação em Seatle, reStart, especializada em gamers que não conseguem parar de jogar.

Alter admite a tarefa inglória que é conversar com o público sobre os excessos da era digital. “Podemos recomendar que um alcoólatra fique longe de bares,” lembra, “mas não podemos prescrever abstinência tecnológica a ninguém no século 21.”

O livro abre com um segredo mal guardado do Vale do Silício. Seus grandes inventores e empresários mantêm os próprios filhos longe de gadgets. Matriculam as crianças em escolas caras que aplicam o método Waldorf, conhecido por banir tecnologia até os doze anos.

Steve Jobs admitiu que seus filhos não tinham acesso a iPads. Pergunto a Alter se vamos ver uma nova fronteira de desigualdade e ele concorda: à medida que crianças com menos acesso à educação privilegiada ficam mais vulneráveis aos excessos de uso de celulares e horas improdutivas online, elas estarão em desvantagem.

Alter cita um estudo que revela alguma forma de comportamento dependente em metade da população dos países desenvolvidos. Cada vez mais, a dependência não é de drogas e sim expressada em comportamento compulsivo. Ele usa o exemplo dos veteranos do Vietnã - cem mil voltaram da guerra tendo experimentado heroína pura. E 95% - um índice altíssimo, no caso de opioides - abandonaram a droga quando foram positivamente reinseridos na sociedade. “Nem toda dependência química é herdada ou fruto de uma personalidade propensa,” afirma Alter, sobre o vício comportamental.

Uma recomendação feita por Alter se refere à arquitetura do comportamento. “Como um arquiteto projeta uma casa, nós podemos projetar a distribuição da tecnologia no nosso ambiente,” sugere. “Podemos deixar os celulares mudos numa gaveta durante as refeições.”

Enquanto médicos não começarem a perguntar numa consulta, além de “Você fuma?” , “Quanto tempo você passa diante da tela?” Alter acha que o vício tecnológico, “um problema de saúde pública,” deve ser encarado na trincheira doméstica. “Os pais é que têm o poder,” diz. “A criança acompanha o olhar dos pais. Quer saber porque a atenção se afastou dela e não sai da tela do celular. E vai desejar a tela.”

A tecnologia pode ser uma janela maravilhosa, diz o autor. Mas ela deve servir para aumentar o mundo real, não se tornar o substituto.


IRRESISTÍVEL. POR QUE VOCÊ É VICIADO EM TECNOLOGIA E COMO LIDAR COM ELA

Tradução: Cássio de Arantes Leite

Editora: Companhia das Letras (296 págs.; R$ 49,90) 

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Smartphone é o melhor amigo de 49% dos adolescentes


Pesquisa aponta que, deste total, 36% priorizam o aparelho em vez de passar mais tempo com os amigos de carne e osso, a família ou pessoas importantes

Mirella Araújo |Folha de Pernambuco

Qual a primeira coisa que você faz ao acordar? A maioria dos jovens pertencentes à chamada Geração Z (de 16 a 20 anos) responderá: olhar o smartphone antes de qualquer outra ação. Para ser mais preciso, 49% dos brasileiros nessa faixa etária consideram o smartphone o seu melhor amigo. Desse universo, 36% priorizam o aparelho em vez de passar mais tempo com os amigos de carne e osso, a família ou pessoas importantes.

Esse cenário traz um alerta à sociedade sobre o limite do uso das tecnologias e no que isso pode ser prejudicial às relações interpessoais, por se tratar de uma geração que já nasceu imersa a um mundo conectado 24h por dia.

O nível de apego destes jovens com o aparelho móvel foi objeto de um estudo feito pela especialista renomada em comportamento mente-cérebro e na ciência da felicidade pela Universidade de Harvard e psicóloga do departamento de psiquiatria do Hospital Geral de Massachusetts, Nancy Etcoff, em parceria com a Motorola, por meio do estudo Phone Life Balance.

A pesquisa ouviu 4.418 usuários de smartphones de quatro países: Brasil, Estados Unidos, França e Índia. Foram investigados os comportamentos e hábitos de utilização do celular de diferentes gerações para entender o impacto do equipamento nas relações com o usuário, com outras pessoas e com o ambiente físico e social. 

“Essas tecnologias precisam ser vistas como uma ferramenta para alcançar algo, e não o fim. Ele não pode ser visto como um amigo, mas como uma das formas de alcançar esses amigos”, avaliou a gerente de projetos do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Danielle Andrade.

“Esses jovens nasceram na evolução dos smartphones e não podemos ir contra esse fato. O que precisamos trabalhar na educação dentro desse cenário digital, é trabalho em equipe, a importância de saber e escutar e ter paciência, e o principal, a lidar da melhor forma com as frustrações. Isso é exigido estando na era digital ou não”, alertou Danielle.

Para a coordenadora de tecnologia da Universidade Estácio, Erika Medeiros, um dos motivos que levam esses jovens a se apegarem cada vez mais aos smartphones é o “sentimento de pertencimento”. “Se dentro do grupo eles não compartilham o que está acontecendo, eles já se sentem excluídos. E os jovens têm uma facilidade maior de desenvolverem um comportamento compulsivo. Existem várias características técnicas que levam a esse vício, uma delas é a entrega do aparelho muito cedo às crianças”, criticou a coordenadora.

Os pais de Stéfany Vasconcelos Ataíde, de 12 anos, não veem como maléfico o uso desde cedo dos smartphones. Desde os nove anos, ela possui o aparelho. O controle se baseia na confiança que os pais depositam na menina. “Não consideramos que ela use o aparelho em excesso, ela sabe dosar bem. É a tecnologia do futuro, e isso não a impede de socializar bem com as pessoas dentro e fora da escola. Ela tem a turma de amigos, que também compartilha novidades das redes sociais quando estão juntos”, afirmou o vendedor André Gustavo Bezerra Ataíde.

Ele também enfatiza que, nos momentos em família, o uso do celular também é dosado. “Nós adoramos sair para andar de skate, assistir filme juntos. Há tempo para tudo”, concluiu. Stéfany revela que passa em torno de cinco horas por dia conectada, mas garante que isso não atrapalha seus estudos. “Gosto muito de ver vídeos na internet, falar com meus amigos nas redes sociais. Mas sei que tudo tem um limite e que o uso excessivo pode ser prejudicial até para a minha saúde”, afirmou.

A pesquisadora Nancy Etcoff também identificou nessa pesquisa os três principais comportamentos ligados ao smartphones que impactam as relações interpessoais: metade dos jovens entrevistados (49%) afirmou verificar o celular com mais frequência do que gostaria. No Brasil, esse percentual é de 48%; Cerca de um terço (35%) disse passar tempo demais utilizando o smartphone (44% da geração Z). Contraditoriamente 34% dos jovens acreditam que estariam mais felizes se passassem menos tempo no celular. Entre os adolescentes brasileiros, os números caem um pouco: 33% e 38% respectivamente.

Dois terços (65%) dos entrevistados admitem que entram em pânico quando acham que perderam o celular, e três em cada dez (29%) concordam que, quando não estão usando o celular, “estão pensando em usá-lo ou planejando o próximo uso do dispositivo”. No Brasil, boa parte dos usuários também se preocupa com a possível perda do dispositivo (56%, dos quais 69% da geração Z e 68% da geração do milênio). Em relação ao pensamento do próximo uso, o percentual sobe para 31% dos participantes.

A estudante de direito Laís Ferreira, 20 anos, assume que o smartphone é seu melhor amigo. Ela, inclusive, só vai dormir após responder o último amigo no WhatspApp e conferir as redes sociais. “A primeira coisa que faço ao acordar é olhar meu celular. Quando ele quebrou fiquei desesperada, mas estava no seguro, que só fiz para não ficar sem nenhum aparelho”, disse.

Questionada sobre o momento em que percebeu que esse uso excessivo poderia trazer malefícios, Laís disse que foi quando saiu para uma festa com os amigos e viu que estava mais preocupada em postar fotos em tempo real do que aproveitar o momento. “Não queria conversar com as pessoas, só com o celular. Então, vi que deveria buscar o equilíbrio”, disse. A busca por esse equilíbrio deve partir justamente de quem se considera refém dessa telinha de bolso, ao menos é o que a pesquisa feita em Harvard mostra. O mesmo estudo também constatou que 48% dos entrevistados no Brasil reconhecem a importância de aproveitar melhor a vida quando não estão com o celular.

Gerações
A psicóloga educacional da Universidade Estácio, Julianne Gomes Correia, considera o percentual de 49% de adolescentes que consideram o smartphone como melhor amigo, um dado alarmante. Mas lembra que hoje, esses jovens vivem um processo interacionista muito mais livre que a geração anterior. “Às vezes esses jovens nem sempre encontram seu grupo social na escola, então ele se afasta desse convívio pessoalmente para buscar por esse grupo na internet. Essas pessoas se identificam virtualmente e aí não há um gasto de energia que o contato social do corpo a corpo tem”, disse Julianne.

A grande questão dessa conexão excessiva é o aumento no número de casos de “autismo vir­tual” - quando muitas crianças pequenas que passam muito tempo em frente a uma tela de TV, videogames, tablets e smarphones têm sintomas similares aos de um autista - e do ciberbulling. “Precisamos rever a maneira como nos expomos à internet e suas ferramentas de acesso, e como pais, a maneira que expomos isso aos nossos filhos”, alertou a piscóloga.

E quando o vício do smartphone se torna um meio de trabalho? É o caso da social media da agência colaborativa Alfinim, Lorena Ataíde. Formada em letras, ela deixou de ser professora e passou a trabalhar com redes sociais, uma paixão que foi despertada pelo vício de acessar o celular. “Quem me iniciou nesse universo da tecnologia foi meu pai, quando me deu o meu primeiro computador. A partir disso o smartphone virou uma extensão dele e hoje é uma das primeiras coisas que vejo quando acordo”, comentou. 

A social media afirma que não consegue desgrudar do aparelho e que o tempo do trabalho termina se confundindo com o tempo do lazer. “A família às vezes me pede para desligar um pouco e dar um tempo, sinto que existe uma dependência muito grande, mas é difícil me desprender. Profissionalmente o smartphone é um aliado, pois as empresas e as pessoas estão o tempo todo na internet e ninguém quer perder tempo.”

Apesar de a Organização Mundial da Saúde não caracterizar o uso excessívo do smartphone como um vício, esse uso excessivo é preocupante para muitos especialistas. “É impactante termos acessos a essas novas tecnologias. Mas diante de tudo isso, se você não estiver controle, passa a não ter agenda e esse imediatismo vai gerando ansiedade e pode fugir do controle”, alertou a coordenadora de Tecnologia da Universidade Estácio, Erika Medeiros.

Nada substitui o olho no olho, diz a gerente de projetos do Cesar, Danielle Andrade. Ela coordena uma equipe com 40 engenheiros pela internet e afirma que não se poder fugir dessa interação, em que o ouvir e o olhar são fundamentais para que os projetos se desenvolvam bem. “Não se pode ir contra as tecnologias, mas precisamos saber trabalhar com elas em prol da coletividade. Em qualquer trabalho é necessário escutar o que o outro tem a dizer, diminuindo as distâncias”, explicou.